Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado uma seríssima crise de insegurança jurídica no que tange ao Imposto sobre operações de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, problemática que passou a ser conhecida como Guerra Fiscal.
As desigualdades econômicas e sociais brasileiras, com a concentração das indústrias em alguns poucos Estados, induziram os demais entes políticos à instituição de incentivos fiscais inconstitucionais e ilegais que, rapidamente, se disseminaram por todo o território nacional.
Em decorrência, várias empresas abandonaram seus Estados de origem e se mudaram para outros, ainda que com pouca infraestrutura, exclusivamente por conta da questão tributária.
E a pergunta que deve ser feita é: pode a evidente desigualdade econômica existente entre os Estados legitimar a concessão de incentivos fiscais totalmente contrários ao sistema jurídico nacional?
Se para os estudiosos do direto a resposta imediata e óbvia é um sonoro “não”, para empresários submetidos a altas cargas tributárias e para grande parte dos Estados que possui arrecadação módica e que luta para se desenvolver, atraindo para seu território novos contribuintes, a conclusão é diametralmente oposta.
A problemática sob análise deve ser analisada a partir da Constituição Federal, que prevê ser o ICMS um imposto não cumulativo, em decorrência da qual é permitido que o contribuinte realize o abatimento dos valores pagos a título do imposto nas etapas anteriores, destacados na nota fiscal que amparou a aquisição da mercadoria, com o imposto devido nas operações futuras.
Em decorrência dele, há estreita relação entre os Estados da Federação, dado que aquele em que está localizado o contribuinte que adquire mercadorias advindas de outra unidade federada está obrigado a suportar o crédito referente ao valor que foi destacado em nota fiscal e recolhido ao Estado de origem.
É a Constituição Federal que também prevê que os Estados e o Distrito Federal só poderão conceder incentivos fiscais se autorizados por Convênio, espécie de norma assinada pela unanimidade dos Estados reunidos em reunião previamente convocada.
Porém, o que se tem visto nos últimos anos é, de um lado, a concessão indiscriminada de incentivos, em absoluto desrespeito a referidas regras pela imensa maioria dos Estados, sob a alegação de busca de desenvolvimento local e, de outro, a impotência dos contribuintes, que veem estagnados projetos de novos investimentos, bem como permanecem com a dúvida sobre a possível perda de todos os investimentos feitos ao amparo de normas estaduais, hoje sabidamente inconstitucionais, tendo já havido manifestação nesse sentido pelo Supremo Tribunal Federal.
Fato é que a Guerra Fiscal induz à prática de concorrência desleal, já que contribuintes que recebem incentivos podem vender seus produtos por preços muito menores que aqueles praticados por quem se submete ao regramento constitucional de regência do ICMS.
Visando a demonstrar para a sociedade, contribuintes e investidores, que “há luz no fim do túnel”, e que as coisas estão em vias de mudar, em julho/2014, foi celebrado o Convênio ICMS 70, por intermédio do qual os Estados firmaram uma espécie de “protocolo de intenções” por intermédio do qual se comprometeram a acabar com a Guerra Fisca, desde que, em contrapartida, aqueles Estados que perderem receita com a extinção dos incentivos recebam ajuda financeira da União, bem como que haja um remanejamento das alíquotas do ICMS, de tal forma que os entes políticos menos desenvolvidos recebam a maior parte do imposto arrecadado. Em decorrência, os incentivos fiscais hoje vigentes seriam extintos em prazos que variam de 1 (um) a 15 (quinze) anos, a depender de sua natureza.
E aí surgem novos problemas. Primeiramente, grande parte dos investimentos realizados em Estados com pequena infraestrutura e longe dos principais centros consumidores poderá deixar de ser viável dado, por exemplo, os custos de transporte até os mercados consumidores, inviabilizando a própria manutenção do estabelecimento.
Por outro lado, sabe-se que vários Estados garantiram para contribuintes que se mudaram para seus territórios incentivos fiscais com validade de dezenas de anos, acordos que poderão ser quebrados em decorrência do quanto previsto em referido Convênio, o que poderá obrigar contribuintes a se socorrem da via judicial para se valerem da propositura de ação de indenização para recuperação dos prejuízos, seja com os investimentos realizados, seja com os lucros cessantes.
Dado esse quadro, é necessário que haja inteligência política, de tal forma que todos os Estados se componham pensando no Brasil como um todo, antes que investidores estrangeiros e brasileiros resolvam investir em outros países, dado ensejo à recessão e ao desemprego.
Enquanto isso, nem advogados, nem os próprios Estados, têm qualquer segurança sobre onde essa problemática vai parar. E se alguém disser que sabe qual é a resposta, com certeza está mentindo.
Por Valeria Zotelli - Sócia e advogada especialista na área tributária do escritório Miguel Neto Advogados
Fonte: Jota
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