quinta-feira, 11 de junho de 2015

11/06 O lado B da Receita Federal

Os dias atuais são propícios para que a sociedade reflita sobre a Receita Federal. De um lado, vemos um órgão ágil, moderno e eficiente quando se trata de estabelecer exigências para os contribuintes. Prova disso são os milhões de declarações de rendas entregues até o fim de abril. O sistema informatizado é bem feito e muito próximo da simplicidade. A declaração pôde ser preenchida em computadores, tablets e até em celulares do tipo smartphone. Se não é melhor, talvez seja decorrência da legislação complexa do Imposto de Renda, que é ainda maior em outros tributos. O fim dos formulários de viagem, em papel, em que se declaram os produtos comprados no exterior, também foi um bom avanço. Eles são comuns em outros países e todos tinham que preenchê-los quando entravam no Brasil. Agora são preenchidos eletronicamente somente por quem tenha imposto a pagar. Economizamos em burocracia e em papéis inúteis.

Mas há outro lado da Receita Federal. Parte dele está, atualmente, exposto na Operação Zelotes. Mas não só. Para além do problema criminal, ela tem seu lado B, que acoberta um órgão lento, arcaico e ineficiente. Dou dois exemplos. O primeiro é a demora em fazer a consolidação dos pagamentos realizados nos programas de parcelamento, os famosos Refis, Paes, Paex etc. Usando de uma prerrogativa contida na lei elaborada na década de 1950 (o Código Tributário Nacional), o Fisco se dá ao direito de fazer a verificação dos recolhimentos apenas cinco anos após o dinheiro entrar nos cofres públicos. Com isso, milhares de processos judiciais, em que os contribuintes pagaram com os benefícios do parcelamento de 2009, somente no fim de 2014 foram reconhecidos e agora estão sendo extintos. Ficaram anos nos escaninhos da Justiça, gerando gastos inúteis para todos os envolvidos. Para os futuros programas de parcelamento de dívidas, sugere-se que o Congresso Nacional fixe um prazo mais curto para que o fisco crie os sistemas informatizados para validar os pagamentos feitos. Não deve ser necessário mais do que 90 dias para isso.

Também faz parte do lado desconhecido do público a Receita Federal que não cumpre, integralmente, a legislação. Destacamos a que prevê prazo curto para que o processo administrativo de cobrança seja enviado para a Fazenda Nacional, a fim de ser iniciada a cobrança judicial. O Decreto-Lei 1.687/1979, art. 22, estipula que isso deve acontecer em 90 dias após a notificação do contribuinte, que é de 30 dias (Decreto 70.235/1972, art. 21). Assim, o processo daqueles que declararem e não pagarem o Imposto de Renda em 30 de abril deve ser enviado pela Receita à Procuradoria da Fazenda Nacional até o dia 1º de setembro. Considerando que a PFN leve 60 dias para inscrever o débito em dívida ativa e ajuizar a execução fiscal, até o início de novembro deveria começar o processo judicial de cobrança do imposto não pago. Pela lei, são apenas sete meses!

Com os avanços tecnológicos de hoje, talvez dois anos para a prescrição fiscal sejam suficientes

Nesses casos, a legislação é muito boa, principalmente considerando que as empresas fecham, as pessoas morrem, os documentos se perdem. Com isso, quanto mais rápido o processo de cobrança judicial começar, mais chance se tem de obter resultado. O problema é que a Receita simplesmente não cumpre esses prazos legais. Com isso, em média, as execuções fiscais começam cinco anos após o não pagamento do tributo.

Esse quadro aponta para a limitação da atuação do Congresso na solução dos problemas brasileiros. Não nos falta, em geral, novas leis. O que falta é que elas sejam cumpridas. Nos pontos aqui apresentados, os órgãos de fiscalização internos da Receita Federal estão falhos ou insuficientes.

A Controladoria-Geral da União é capaz de apontar o problema (Relatório de avaliação da execução de programas de governo nº 21: apuração, inscrição e execução da dívida ativa da União", http://sistemas.cgu.gov.br/relats/uploads/5459Relatorio_PGFN_20052013.pdf, p. 8), que ainda persiste; o Ministério Público Federal não tem demonstrado interesse em atuar nesse assunto; e o Poder Judiciário é, no mínimo, leniente com as falhas da administração tributária. Não é por outro motivo que temos tantas execuções fiscais, com tão baixo resultado.

Todavia, se os legisladores quiserem atuar nesse assunto, sugere-se a redução do prazo prescricional de cinco anos. Ele foi pensado para um país que preenchia as declarações de Imposto de Renda à mão ou à máquina de escrever! Com os avanços tecnológicos de hoje, talvez dois anos para a prescrição sejam suficientes, concedendo-se um prazo razoável para os Fiscos se adequarem aos novos padrões. O legislador poderia reservar os cinco anos apenas para casos de prescrição de fraude ou simulação. E, se somente a fixação de prazos para os Fiscos não têm sido suficientes, cabe ao Congresso pensar em sanções efetivas para levar ao cumprimento da lei.

Por isso, está na hora de a Receita Federal ser também um órgão ágil, moderno e eficiente quando se trata de cumprir com suas obrigações.

por Renato Lopes Becho é juiz federal em São Paulo, coordenador do Fórum de Execuções Fiscais, professor doutor de Direito Tributário na PUC-SP, livre-docente pela USP e coordenador do Curso de Especialização em Direito Processual Tributário do COGEAE-PUC/SP

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor

Nenhum comentário:

Postar um comentário