Uma decisão recente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) levantou uma curiosa relação entre a Justiça do Trabalho e o administrativo fiscal. O caso envolve uma empresa autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) pela suposta contratação irregular de pessoas jurídicas (PJs). Apesar de estar ganhando a discussão na Justiça do Trabalho, a companhia foi condenada no conselho a pagar contribuição previdenciária.
A questão foi decidida por voto de qualidade – quanto há empate, e o voto do presidente, que é representante do Fisco, é usado para resolver o impasse. No caso concreto, metade dos conselheiros consideraram que o Carf não é vinculado à Justiça do trabalho, não havendo a necessidade de observar o processo trabalhista para resolver o recurso fiscal. Durante o julgamento, entretanto, foi levantado que, se não for reconhecido o vínculo empregatício, não há fato gerador da contribuição previdenciária.
O processo envolve o I.D.G. – atual F... -, que realiza consultorias. No Carf, a empresa responde a três processos administrativos, que passaram a tramitar depois de o Ministério do Trabalho constatar a contratação de um número elevado de PJs. O órgão autuou a companhia por considerar que o recurso estaria sendo utilizado para “driblar” a contratação de pessoas físicas, para reduzir encargos trabalhistas.
O Ministério do Trabalho enviou à Receita Federal ofício informando a situação da companhia. A fiscalização, por sua vez, autuou a empresa por não ter recolhido a contribuição previdenciária sobre a folha de salários dos funcionários que, na avaliação do órgão, deveriam ter sido contratados diretamente, e não por meio de empresas.
A companhia recorreu das autuações. No Judiciário, o vínculo empregatício foi descaracterizado em primeira e segunda instâncias. “A empresa ajuizou ação anulatória na Justiça do Trabalho para dizer que as pessoas [jurídicas] executam funções com total independência”, afirmou durante defesa oral no Carf o advogado da empresa, Tiago Conde Teixeira, do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados.
Já o recurso apresentado ao Carf foi a julgamento no começo de setembro, com decisão desfavorável à companhia. Na 2ª Turma da 3ª Câmara da 2ª Seção do conselho, os debates giraram em torno da necessidade de o Carf observar o julgamento trabalhista, já que os processos na Justiça do Trabalho e no administrativo fiscal estão intimamente relacionados. “Se não existe vínculo empregatício não pode existir contribuição previdenciária. Esse motivo é mais do que suficiente para a autuação [fiscal] cair”, disse Teixeira.
A argumentação trazida pela empresa, entretanto, não foi aceita pela maioria dos conselheiros, e a autuação foi mantida. Para metade dos integrantes da turma, a autuação seria suficiente para demonstrar que deveriam ter sido contratadas pessoas físicas, e o fato de haver uma decisão na Justiça trabalhista não deve influenciar o administrativo fiscal. “Não dá para julgar o caso vendo o resultado do outro processo”, afirmou o procurador-geral da Fazenda Nacional (PGFN) no Carf, Paulo Riscado.
Três integrantes do Carf votaram contra a autuação fiscal. Para o conselheiro Fábio Calcini, que foi favorável à companhia, apesar de o Carf não estar vinculado à Justiça do Trabalho, é inegável que em alguns casos há uma ligação entre as instâncias. “É natural que o julgador leve em consideração como elemento de prova uma decisão favorável da Justiça do Trabalho”, disse. O conselheiro defendeu que a autuação não provava a irregularidade na contratação de PJs.
Para a advogada Maria Isabel Tostes da Costa Bueno, do escritório Mattos Filho Advogados, esse tipo de situação é uma “decorrência natural” do sistema Judiciário brasileiro. Segundo ela, terminando o processo na Justiça do Trabalho de forma favorável, a empresa terá que buscar a anulação do auto de infração fiscal na Justiça Federal.
Apesar de nunca ter visto caso idêntico, Maria Isabel disse que situação semelhante pode ocorrer, em processos administrativos que tratam de stock options. Isso porque existem ações na Justiça do trabalho nas quais ex-funcionários de empresas requerem que o benefício seja utilizado para o cálculo de direitos trabalhistas. Já no Carf discute-se se as stock options caracterizariam remuneração, e teria a incidência de contribuição previdenciária.
Por Bárbara Mengardo
Fonte: Valor Econômico
Via Notícias Fiscais
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