Apesar de existir um precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial, a Receita Federal mantém a prática, prevista na Lei Complementar nº 105, de 2001, para efetuar autuações. Contribuintes, porém, com base no entendimento dos ministros, têm conseguido derrubá-las no Judiciário.
Para a Receita, a questão só estará definida no Supremo com o julgamento de três ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) contra a lei complementar. No Tribunal Regional Federal (TRF), da 3ª Região, no entanto, o precedente foi suficiente para o desembargador Nery da Costa Junior derrubar, por meio de antecipação de tutela (espécie de liminar), uma autuação de R$ 16,3 milhões contra a Master Comércio Importação e Exportação de Cosméticos e Saneantes por omissão de receitas.
No recurso, a empresa alega que a autuação fiscal foi baseada em informações obtidas de maneira irregular, por meio da quebra de sigilo bancário, que só poderia ser autorizada por decisão judicial. Para embasar seu pedido de nulidade do auto, o contribuinte cita julgados recentes do STF e de tribunais regionais federais.
De acordo com o advogado da Master, Augusto Fauvel de Moraes, a fiscalização a intimou a apresentar extratos bancários após uma comunicação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre grande movimentação financeira supostamente incompatível com o recolhimento de tributos. A empresa respondeu que só apresentaria os extratos após uma ordem judicial.
“O fiscal, então, por conta própria, oficiou instituições financeiras, colheu extratos e lavrou um auto de infração”, diz. Em primeira instância, o pedido de tutela antecipada não foi concedido, o que levou a Master a apelar para o TRF da 3ª Região.
Em decisão monocrática, o desembargador Nery da Costa Junior concedeu a liminar, confirmada recentemente pela 3ª Turma. Em seu voto, ele afirma que segue o entendimento do Pleno do Supremo de que a quebra do sigilo bancário para fins de fiscalização de obrigações tributárias é inconstitucional.
O desembargador destaca em seu voto que a decisão do STF, de 15 de dezembro de 2010, “ainda que revestida de controvérsia”, deve prevalecer. A decisão se deu por maioria, demonstrando que nem todos os ministros têm o mesmo entendimento que formou o precedente, segundo Nery Junior.
Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a Lei Complementar nº 105 é constitucional e a decisão do STF é apenas um posicionamento isolado. A expectativa do procurador-geral substituto Fabrício Da Soller é a de que o Supremo vai alterar seu entendimento na análise das Adins.
A Receita Federal se baseia no artigo 6º da lei complementar para quebrar o sigilo bancário. O dispositivo diz que “As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.”
Segundo Da Soller, se essa possibilidade for retirada da Receita, o Brasil seria um “pária” no sistema tributário internacional, por causa dos acordos que tem com outros países. “É um modelo da OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Ele prevê que os países devem disponibilizar os dados de contribuintes, inclusive movimentações financeiras. Parte-se do pressuposto que as administrações tributárias têm acesso a esses dados. Se for considerada inconstitucional [a lei], o Brasil seria colocado ao lado de paraísos fiscais”, afirma.
Para o advogado André Felix Ricotta de Oliveira, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT) e sócio do Innocenti Advogados, não há essa possibilidade. “Havendo indícios fortes de sonegação fiscal, é possível pedir para o judiciário a quebra de sigilo”, diz.
Como a lei complementar consta no sistema jurídico como norma válida, a fiscalização segue o que está previsto nela, segundo Oliveira. “A maioria das decisões, porém, é pela inconstitucionalidade da quebra de sigilo bancário sem ordem judicial.”
Em junho, por exemplo, a 2ª Turma do TRF da 3ª Região considerou ilícitas provas obtidas por meio de quebra de sigilo bancário e determinou o trancamento de uma ação penal. Na decisão, a desembargadora Cecilia Mello afirmou que o sigilo bancário dos réus foi quebrado sem autorização judicial para fins de constituição de crédito tributário, “o que enseja flagrante constrangimento ilegal”.
A questão, porém, continua indefinida no Supremo, segundo Sandro Machado dos Reis, sócio do Bichara Advogados. De acordo com o advogado, desde o julgamento de 2010, o Supremo tem proferido algumas decisões de turma afastando a inconstitucionalidade. “De 2010 pra cá, a composição do STF mudou muito e a matéria segue em aberto.”
Fonte: Valor Econômico.
Via Notícias Fiscais
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