Não há unanimidade na doutrina e na jurisprudência quanto ao fato gerador do IPI.
Muitos doutrinadores sustentam que o produto industrializado no exterior não pode ser alcançado pela lei tributária brasileira em razão do princípio da territorialidade das normas jurídicas. Partem da premissa de que o fato gerador é a industrialização, como tal definida no parágrafo único do art. 46 do CTN, ou no art. 3º da Lei nº 4.502/64, lei do extinto imposto sobre consumo, que continua vigorando para reger o IPI.
Entretanto, aquele parágrafo único limita-se a definir o que seja industrialização. O fato gerador do IPI está definido no caput do art. 46 do CTN, in verbis:
“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.”
O aspecto temporal do fato gerador está definido no caput prevendo três hipóteses alternativas, ao passo que o parágrafo único define o aspecto material, ou seja, o que se entende por industrialização. Por isso, conforme assinalamos, o IPI “tem como fato gerador a operação com produto industrializado” [1], e não o ato de industrialização. Isso vem desde o tempo em que o imposto era cobrado sob a denominação de imposto sobre consumo, pois, desde aquela época, o imposto repousava na existência de um produto industrializado, razão pela qual a Lei nº 4.502/64 fixava o momento da ocorrência do fato gerador, dentre outros, para a ocasião do desembaraço aduaneiro de produtos de procedência estrangeira.
Esclareça-se, contudo, que não se trata de qualquer operação com produto industrializado, sob pena de se confundir com o fato gerador do ICMS. Limita-se àquela operação de circulação que se segue imediatamente à industrialização do produto.
Somente a produção seguida da circulação é relevante para a ocorrência do fato gerador do IPI. Nessa hipótese haverá simultaneamente a ocorrência do fato gerador tanto do IPI como do ICMS, caso em que o montante do imposto sobre produtos industrializados não poderá integrar a base de cálculo do ICMS (art. 155, § 2º, XI da CF).
Logo, o princípio da não cumulatividade previsto no inciso II, do § 3º, do art. 153 da CF, que não sofre as limitações do princípio similar do ICMS, não deve ser interpretado no sentido de compensação do imposto por ocasião da revenda de determinado produto industrializado, como acontece com o ICMS, cujo ciclo de tributação somente cessa com a operação destinada a consumidor final.
De fato, o estabelecimento industrial pode receber o produto industrializado que será empregado na industrialização de outro produto, cuja saída será objeto de tributação não cumulativa.
Entretanto, o STJ alterando o seu entendimento anterior vem decidindo que há nova incidência do IPI na revenda de produto industrializado procedente do exterior. Para clareza transcreve-se a emenda abaixo:
“EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535, CPC. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA SOBRE OS IMPORTADORES NA REVENDA DE PRODUTOS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. FATO GERADOR AUTORIZADO PELO ART. 46, II, C/C 51, PARÁGRAFO ÚNICO DO CTN. SUJEIÇÃO PASSIVA AUTORIZADA PELO ART. 51, II, DO CTN, C/C ART. 4º, I, DA LEI N. 4.502/64. PREVISÃO NOS ARTS. 9, I E 35, II, DO RIPI/2010 (DECRETO N. 7.212/2010).
1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma suficientemente fundamentada, não estando obrigada a Corte de Origem a emitir juízo de valor expresso a respeito de todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes.
1. Seja pela combinação dos artigos 46, II e 51, parágrafo único do CTN - que compõem o fato gerador, seja pela combinação do art. 51, II, do CTN, art. 4º, I, da Lei n. 4.502/64, art. 79, da Medida Provisória n. 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006 – que definem a sujeição passiva, nenhum deles até então afastados por inconstitucionalidade, os produtos importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento importador na operação de revenda.
3. Não há qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída dos produtos de procedência estrangeira do estabelecimento do importador, já que equiparado a industrial pelo art. 4º, I, da Lei n. 4.502/64, com a permissão dada pelo art. 51, II, do CTN.
4. Interpretação que não ocasiona a ocorrência de bis in idem, dupla tributação ou bitributação, porque a lei elenca dois fatos geradores distintos, o desembaraço aduaneiro proveniente da operação de compra de produto industrializado do exterior e a saída do produto industrializado do estabelecimento importador equiparado a estabelecimento produtor, isto é, a primeira tributação recai sobre o preço de compra onde embutida a margem de lucro da empresa estrangeira e a segunda tributação recai sobre o preço da venda, onde já embutida a margem de lucro da empresa brasileira importadora. Além disso, não onera a cadeia além do razoável, pois o importador na primeira operação apenas acumula a condição de contribuinte de fato e de direito em razão da territorialidade, já que o estabelecimento industrial produtor estrangeiro não pode ser eleito pela lei nacional brasileira como contribuinte de direito do IPI (os limites da soberania tributária o impedem), sendo que a empresa importadora nacional brasileira acumula o crédito do imposto pago no desembaraço aduaneiro para ser utilizado como abatimento do imposto a ser pago na saída do produto como contribuinte de direito (não-cumulatividade), mantendo-se a tributação apenas sobre o valor agregado.
5. Superado o entendimento contrário veiculado no REsp. n. 841.269 - BA, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 28.11.2006.
6. Recurso especial parcialmente provido.” (Resp nº 1385952/SC, Rel. Min. Mauro Camppell Marques, DJe de 11-9-2013). No mesmo sentido o Resp nº 1247788-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 24-10-2013.
Na verdade, a questão da tributação do produto importado por ocasião do desembaraço aduaneiro como previsto no inciso I, do art. 46 do CTN deve ser analisada à luz das normas do GATT de que é signatário o Brasil, hoje, substituído pela OMC, que determina o tratamento isonômico entre os produtos nacional e o estrangeiro.
Por isso, o art. 46, I do CTN para efeito de incidência do IPI leva em conta a industrialização processada no estrangeiro, afim de não prejudicar similar nacional. Se a revenda de produto nacional não se sujeita ao pagamento do IPI a revenda do produto importado, também, não deve se sujeitar à tributação do IPI.
Os países signatários do GATT, hoje, agrupados em torno de uma organização mundial, a OMC, devem dispensar tratamento igualitário em termos tributários entre os produtos procedentes do estrangeiro e o similar nacional.
Não pode o produto importado sujeitar-se à dupla tributação sob o fundamento de que se trata de dois fatos geradores distintos. Já vimos que o aspecto temporal do fato gerador do IPI está definido no caput do art. 46 do CTN como sendo uma das três hipóteses alternativas. Somente a circulação que se segue imediatamente à industrialização é alcançada pelo IPI, por isso, na hipótese de a industrialização ocorrer no exterior, o fato gerador ocorre no momento do desembaraço aduaneiro. Esclareça-se, por oportuno, que não há que se falar, no caso, em inconstitucionalidade por bitributação, pois o imposto de importação insere-se igualmente na competência impositiva da União.
Como assinalamos de início o fato gerador do IPI não é qualquer circulação de produto industrializado, mas somente aquela operação de circulação que se segue a sua produção.
Produção e circulação não podem ser separadas em compartimentos estanques. As três hipóteses contempladas no art. 46 do CTN pressupõem essa concomitância, a produção seguida de circulação, o que exclui a circulação isolada do produto industrializado até final consumo.
No sentido do tratamento igualitário entre o produto importado e o similar nacional já que pronunciou o STJ conforme ementa abaixo:
“EMENTA
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. BACALHAU IMPORTADO DE ESTADO MEMBRO DA OMC. ICMS. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO ISONÔMICO EM FACE DO SIMILAR NACIONAL. OCORRÊNCIA NA ESPÉCIE.
1. Os produtos oriundos de países membros da OMC e, portanto, signatários do GATT, devem receber tratamento tributário igualitário em face do similar nacional (REsp 533.124/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18/9/2003, DJ 20/10/2003).
2. Na espécie, conforme consignado no acórdão estadual, o bacalhau importado está recebendo tributação de ICMS com a alíquota de 7%, a mesma aplicada ao similar nacional, de modo que não há violação alguma ao tratamento isonômico previsto no GATT.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgReg no ARESP nº 216185/PE, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 15-8-2013).
Ora tributar pelo IPI a revenda de produto industrializado importado não é compatível com o tratamento igualitário entre o produto nacional e o produto importado determinado pelas normas da OMC, importando na violação do art. 98 do CTN que confere a prevalência das normas convencionais sobre as normas da legislação interna.
Para harmonizar a jurisprudência do STJ há necessidade de retornar à sua antiga jurisprudência espelhada na ementa abaixo transcrita:
“Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro.
I – O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no embaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão.
II – tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação.
III – Recurso especial provido.” (Resp nº 841.269/BA, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 28-11-2006, DJ 14-12-2006, p. 298).
Infelizmente a oscilação da jurisprudência traz insegurança jurídica aos contribuintes em geral.
Notas:
[1] Conf. Nosso Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 2013, 23ª ed. p.417.
por KIYOSHI HARADA: Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br
Fonte: Conteúdo Jurídico
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