sábado, 9 de junho de 2018

Reconhecimento da Receita. Desmitificando a Regra

Resumo: Apresentamos uma breve análise sobre a importância de uma correta interpretação para fins de reconhecimento da receita em uma escrituração contábil. E para tal, temos como referente a legislação societária; Lei 6.404/1976, o RIR/1999 e a doutrina.

Palavras-chave: # Reconhecimento da receita.

1. Introdução
O objetivo deste artigo é promover um amplo debate, em relação aos riscos do reconhecimento das receitas de forma equivocada, oriundos de juízos de conveniência, sofismas, falácias ou paralogismos. Um juízo de conveniência é um ato discricionário; é o critério eleito que orienta uma decisão no sentido de adequações de interesses, para que uma coisa, situação, ou balanço patrimonial, melhor cumpra a sua finalidade de atender a interesses profanos.

2. Desenvolvimento
Para se evitar interpretações polissêmicas ou ambíguas, apresentamos a regra para o reconhecimento das receitas.

O reconhecimento das receitas operacionais está vinculado à legislação societária e tributária. E com este referente, a prática para o reconhecimento de receitas é:

  1. As receitas, assim como, os custos e despesas a elas atribuídos, devem ser classificadas segundo a sua natureza, revenda de mercadorias, de representação, de distribuição, venda de produtos, prestação de serviços e intermediação de negócios, entre outros tipos.
  2. Os custos de produção de bens, enquanto não transferidos aos fregueses, devem ser classificados, no ativo circulante, conforme a situação; produtos em elaboração e/ou produtos acabados.
  3. A regra é: todas as receitas e custos devem observar o princípio da competência, pois uma inexatidão quanto ao período de apuração de competência de receitas, gera consequências tributárias; vide o art. 224 do RIR/1999.
  4. Contratos de venda para entrega futura, deverão ser reconhecidos segundo o princípio da competência, logo, serão reconhecidos no exercício a que pertencem, independentemente do recebimento da receita. O valor base da receita é o preço do bem ou serviço de uma transação comercial. A receita deve ser reconhecida quando as mercadorias ou os serviços forem transferidos para o freguês/cliente que passa a ter o controle (domínio, que é um dos elementos da propriedade).
  5. As receitas originárias de contratos de construção civil devem ser apropriadas, ou seja, reconhecidas, juntamente com os seus respectivos custos ocorridos, em sintonia com o cronograma físico financeiro da obra e com o art. 497[2] do RIR/1999.
  6. As receitas derivadas de licenças, royalties, como o uso de propriedade intelectual, tecnologia, mídia, patentes, direito de arena, marcas registradas e análogos, devem ser reconhecidas em sintonia com o período de uso desta, conforme previsão contratual.
  7. Todos os valores recebidos antecipadamente, por conta de uma venda, por força do princípio de competência, serão classificados como antecipação de fregueses, no passivo circulante, e lá permanecerão até o momento da entrega do bem ou da prestação do serviço, logo, a transferência do domínio sobre o bem. O direito de propriedade é direito real que inclui o domínio de uma coisa, e é considerado como sendo o conteúdo mínimo referente ao direito de propriedade.
  8. Direitos à devolução e garantias de produtos, é um fato subsequente ao do reconhecimento da receita e custos. E se ocorrerem, serão contabilizados no momento da geração do fato.
  9. As deduções das receitas e os abatimentos serão registrados em contas próprias do resultado, nos termos do inciso I do art. 187 da Lei 6.404/1976.

 A legislação societária (Lei 6.404/1976) prevê:

Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência. (…)

Art. 187. A demonstração do resultado do exercício discriminará:  I – a receita bruta das vendas e serviços, as deduções das vendas, os abatimentos e os impostos;(…)  § 1º Na determinação do resultado do exercício serão computados:  a) as receitas e os rendimentos ganhos no período, independentemente da sua realização em moeda; e   b) os custos, despesas, encargos e perdas, pagos ou incorridos, correspondentes a essas receitas e rendimentos.

A legislação tributária (RIR/1999)  prevê:

Art. 224.  A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido nas operações de conta alheia (Parágrafo único.  Na receita bruta não se incluem as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos e os impostos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador ou contratante dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário

Art. 273.  A inexatidão quanto ao período de apuração de escrituração de receita, rendimento, custo ou dedução, ou do reconhecimento de lucro, somente constitui fundamento para lançamento de imposto, diferença de imposto, atualização monetária, quando for o caso, ou multa, se dela resultar: I – a postergação do pagamento do imposto para período de apuração posterior ao em que seria devido; ou II – a redução indevida do lucro real em qualquer período de apuração. § 1º  O lançamento de diferença de imposto com fundamento em inexatidão quanto ao período de apuração de competência de receitas, rendimentos ou deduções será feito pelo valor líquido, depois de compensada a diminuição do imposto lançado em outro período de apuração a que o contribuinte tiver direito em decorrência da aplicação do disposto no § 2º do art. 247 (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 6º). § 2º  O disposto no parágrafo anterior e no § 2º do art. 247 não exclui a cobrança de atualização monetária, quando for o caso, multa de mora e juros de mora pelo prazo em que tiver ocorrido postergação de pagamento do imposto em virtude de inexatidão quanto ao período de competência (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 6º, § 7º, e Decreto-Lei nº 1.967, de 23 de novembro de 1982, art. 16).

A legislação não apresenta o conceito de princípio ou regime de competência; este encargo é dos doutrinadores. E a literatura especializada[3], à luz da teoria pura da contabilidade ensina o que segue.

O princípio da competência determina que os investimentos, as obrigações, as receitas, os ganhos, as despesas, os custos e as perdas, devem ser incluídos no período a que pertencem, ou seja, no exercício em que ocorreu o fato gerador, independentemente de recebimento ou pagamento.

Como fato relevante destacamos:

  • Se os custos foram apropriados antecipadamente, em uma parcela maior à correspondência e proporcionalidade da receita, ferindo o princípio da competência, cria-se uma evasão fiscal, pela diminuição da margem de lucro/prejuízo real. Ou seja, existe a postergação do pagamento do imposto para período de apuração posterior ao em que seria devido, conforme previsto no art. 273 do RIR/1999.
  • Se as receitas forem reconhecidas antecipadamente e de forma desproporcional aos custos, criando lucro fictício, logo, a maquiagem do balanço, temos a figura da responsabilidade do administrador e sócios, por ilícito, nos termos do CC/2002, art. 1.009: “A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.”
  • Se no reconhecimento da receita não for observado o princípio da competência e a proporcionalidade das receitas com o custo, o balanço e toda a escrituração contábil estarão viciados, logo, impróprios para os seus fins informativos, devendo ser ajustados à realidade fática.

Reconhecer uma receita sem o seu correspondente custo, significa alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, em especial quando se tratar de balanço para fins de licitação, fusão, cisão, incorporação, alienação, distribuição de dividendos, ou para a abertura de capital. E esta forma de alterar a verdade pode ter implicações criminais, como, por exemplo, a caracterização de “falsidade ideológica”, em relação ao balanço patrimonial. Este tipo penal esta contido no art. 299 do Código Criminal brasileiro – Decreto-lei  848, de 7 de dezembro de 1940.

A aplicação desta forma e regra consuetudinária contábil para o reconhecimento das receitas e custos, verte de um juízo de ponderações entre a doutrina, a legislação societária e a tributária.

3. Considerações finais
É deveras importante e fundamental, que o conjunto das demonstrações contábeis e financeiras possua  amparo na legislação societária, na tributária e nos princípios de contabilidade oriundos da teoria pura da contabilidade, constante da literatura contábil.

A falta de garantia científica contábil, em relação ao reconhecimento das receitas e custos, implica a falta da segurança técnica, necessária para que o conjunto das demonstrações contábeis financeiras seja fidedigno.

É um juízo de conveniência, desprovido ética que verte do princípio da epiqueia contabilística, em relação ao reconhecimento das receitas em um exercício social, antecipando receitas em relação aos custos, ou antecipando os custos em relação às receitas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

______. Decreto 3.000, de 26 de março de 1999. Regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.

______. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

 HOOG, Wilson Alberto Zappa.[1]

[1]    Mestre em ciência jurídica, bacharel em ciências contábeis, arbitralista, mestre em direito, perito-  contador, auditor, consultor empresarial, palestrante, especialista em avaliação de sociedades empresárias, escritor e pesquisador de matéria contábil, professor doutrinador de perícia contábil, direito contábil e de empresas em cursos de pós-graduação de várias instituições de ensino. Informações sobre o autor e suas obras podem ser obtidas em: http://www.jurua.com.br/shop_search.asp?Onde=GERAL&Texto=zappa+hoog. Currículo Lattes em: http://lattes.cnpq.br/8419053335214376 . E-mail: wilson@zappahoog.com.br.

[2]  Art. 407.  Na apuração do resultado de contratos, com prazo de execução superior a um ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço pré-determinado, de bens ou serviços a serem produzidos, serão computados em cada período de apuração. I – o custo de construção ou de produção dos bens ou serviços incorridos durante o período de apuração; II – parte do preço total da empreitada, ou dos bens ou serviços a serem fornecidos, determinada mediante aplicação, sobre esse preço total, da percentagem do contrato ou da produção executada no período de apuração.§ 1°  A percentagem do contrato ou da produção executada durante o período de apuração poderá ser determinada: I – com base na relação entre os custos incorridos no período de apuração e o custo total estimado da execução da empreitada ou da produção; ou II – com base em laudo técnico de profissional habilitado, segundo a natureza da empreitada ou dos bens ou serviços, que certifique a percentagem executada em função do progresso físico da empreitada ou produção.

[3]  HOOG, Wilson. A. Zappa. Laboratório de Perícia Contábil Forense-arbitral. Aspectos Técnicos e Científicos da Perícia Contábil. Teoria e Fundamentos. Curitiba: Juruá, 2017.

Fonte: Zappa Hoog

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