Nesta semana o tema de nossa coluna será a discussão envolvendo a possibilidade de crédito no regime não cumulativo para PIS/Cofins quanto aos bens e serviços utilizados para a produção da cana-de-açúcar para agroindústria[1] a fim de que esta empregue na elaboração de álcool, açúcar, entre outros itens, como o bagaço.
A grande novidade a respeito do tema decorre do recente posicionamento da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), no sentido de reconhecer o direito ao crédito para o setor da agroindústria, mais precisamente para usina de açúcar e álcool:
“Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins
Período de apuração: 01/03/2008 a 30/09/2009
PIS/COFINS NÃO-CUMULATIVO. HIPÓTESES DE CRÉDITO. CONCEITO DE INSUMO. APLICAÇÃO E PERTINÊNCIA COM AS CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE PRODUTIVA.
O termo insumo utilizado pelo legislador na apuração de créditos a serem descontados da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins denota uma abrangência maior do que MP, PI e ME relacionados ao IPI. Por outro lado, tal abrangência não é tão elástica como no caso do IRPJ, a ponto de abarcar todos os custos de produção e as despesas necessárias à atividade da empresa. Sua justa medida caracteriza-se como o elemento diretamente responsável pela produção dos bens ou produtos destinados à venda, ainda que este elemento não entre em contato direto com os bens produzidos, atendidas as demais exigências legais.
PIS/COFINS NÃO-CUMULATIVO. AGROINDÚSTRIA. USINA DE AÇUCAR E ÁLCOOL. HIPÓTESES DE CRÉDITO. INSUMO.
Em relação à atividade agroindustrial de usina de açúcar e álcool, configuram insumos as aquisições de serviços de análise de calcário e fertilizantes, serviços de carregamento, análise de solo e adubos, transportes de adubo/gesso, transportes de bagaço, transportes de barro/argila, transportes de calcário/fertilizante, transportes de combustível, transportes de sementes, transportes de equipamentos/materiais agrícola e industrial, transporte de fuligem,/cascalho/pedras/terra/tocos, transporte de materiais diversos, transporte de mudas de cana, transporte de resíduos industriais, transporte de torta de filtro, transporte de vinhaças, serviços de carregamento e serviços de movimentação de mercadoria, bem como os serviços de manutenção em roçadeiras, manutenção em ferramentas e manutenção de rádios-amadores, e a aquisição de graxas e de materiais de limpeza de equipamentos e máquinas”.[3]
Este recente precedente é de grande importância para o setor, uma vez que os custos agrícolas representam em torno de 70% do geral, de tal maneira que a negativa deste direito causaria um alto e confiscatório impacto tributário. Acreditamos também que ela está em total consonância com a não cumulatividade estabelecida no texto constitucional pelo artigo 195, § 12º, bem como noção de insumo do artigo 3º, II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Ora, a não cumulatividade para PIS/Cofins possui fundamento constitucional no artigo 195, § 12º, que enuncia: “A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas”.
De conformidade com o artigo 195, § 12º, o texto constitucional estabelece que o legislador disciplinará os setores que serão não cumulativos. Nota-se, portanto, que, eleitos os setores sujeitos à referida sistemática, a obrigatoriedade do respeito a não cumulatividade é peremptório e há de ser pleno.
Sem embargo disso, não se nega que o texto constitucional no tocante ao PIS e Cofins, não traz mais detalhes da sistemática a ser adotada, exigido uma avaliação mais aprofundada sob a ótica constitucional do que se pode compreender por não cumulatividade, ao contrário do que notamos, por exemplo, para o IPI e ICMS.
Como primeiro elemento, utilizaremos a própria delimitação conceitual de não cumulatividade. Ora, diante de sua constitucionalização, conforme § 12º, do artigo 195, podemos identificar uma noção constitucional mínima do que podemos reconhecer como não cumulatividade.
Neste sentido, possível afirmar que somente será cumprida, sob a perspectiva legislativa e de aplicação, este dispositivo normativo, se houver: (i) a neutralidade fiscal, impedindo a cumulatividade (‘efeito cascata’), de sorte que inexista o gravame sobre a mesma operação nas etapas do ciclo produtivo, quando se trata de tributos plurifásicos; (ii) a concessão de créditos, por meio de metodologia, que, efetivamente elimine a cumulatividade, cumprindo-a fielmente em sua plenitude, levando em consideração todas as etapas do ciclo de produção do contribuinte (perspectiva interna: todas as fases de sua atividade produtiva) e do produto (perspectiva externa do bem, mercadoria ou serviço: todas as fases que envolvem o ciclo de elaboração até o consumidor final).
Além do mais, não resta dúvida de que, a delimitação conceitual estabelecida pela não cumulatividade ainda é preenchida por princípios e regras previstas no sistema jurídico constitucional, razão pela qual a concretização pelo legislador e daquele que interpretará e aplicará tais legislações, há de ser realizada levando em consideração os direitos fundamentais, os quais somente podem ser restringidos por razões fáticas e jurídicas constitucionalmente admitidas e dentro dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade. Além disso, embora se possa até mesmo afirmar que também seriam direitos fundamentais, caberá observar princípios e regras constitucionais, notadamente:
i) legalidade (não cabe aos atos infralegais a restrição ao crédito, mesmo que busque com isso somente explicitar, via interpretação restritiva, sendo de rigor a disciplina por meio de lei);
ii) igualdade (há de se ter coerência na forma de implantação da não cumulatividade, de sorte que eventual distinção no tocante ao critério de distinção eleito – capacidade compensatória de créditos – e a finalidade que o justifica – impedir o acumulo de carga tributária – há de ser coerente e à luz da igualdade em sentido formal e material);
iii) capacidade contributiva;
iv) vedação do confisco;
v) livre iniciativa da atividade econômica;
vi) praticabilidade;
vii) razoabilidade e proporcionalidade.
Outro aspecto de grande relevância para se cumprir, efetivamente, a não cumulatividade diz respeito à própria estrutura constitucional do tributo. Equivale dizer: convém observar, à luz do texto constitucional, qual é a base de incidência de referido tributo, pois tal aspecto delimita a noção de não cumulatividade.
Para o PIS e Cofins, notamos que a Constituição prescreve no artigo 195, inciso I, “b” como base de incidência (materialidade) a receita ou faturamento[4], de tal sorte que a não cumulatividade será em função da receita ou faturamento.
Bem por isso, é certo que a não cumulatividade de PIS e Cofins se diferencia daquela estabelecida para o IPI e ICMS, vedando-se ao legislador, interprete e aplicador o emprego de critérios que se restrinjam à materialidade de tais impostos.
Acreditamos, no entanto, que esta não é a única consequência relevante. Existe outro ponto que também há de ser observado, sobretudo, quando se leva em consideração a não cumulatividade do PIS e da Cofins em função da receita à luz das regras e princípios constitucionais.
Neste sentido, se a partir do texto constitucional (artigo 195, I, “b”), o legislador opta por tributar a receita de modo mais amplo possível, em contrapartida, ao estabelecer a não cumulatividade e a respectiva concessão de créditos, não poderá adotar medida de peso diversa quanto à amplitude destes, tendo em vista o postulado de coerência interna, igualdade, razoabilidade, inclusive, moralidade legislativa. Se a tributação e a não cumulatividade são em função da receita, o critério há de ser o mesmo para as duas faces destas contribuições (tributação versus crédito – não cumulatividade).
Constata-se, desde logo, que, seguindo uma interpretação fundada no fato de que o regime não cumulativo está previsto na Constituição, possuindo um conceito normativo mínimo que restringe a liberdade do legislador, bem como o disposto no artigo 3º, inciso II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, a expressão insumos não comporta uma interpretação restritiva, mas, ao contrário, abrangente a fim de, realmente, dar cumprimento a finalidade objetivada pelo texto constitucional e a própria lei no sentido de impedir um tributo oneroso e cumulativo.
Em verdade, o que se pretende sustentar é a de que a expressão insumo deve estar vinculada aos custos, despesas e dispêndios utilizados pelo contribuinte que, de forma direta ou indireta, contribua para o pleno exercício de sua atividade econômica (indústria, comercio ou serviços) visando à obtenção de receita. Portanto, não se restringe a alguns itens vinculados tão somente ao desgaste físico para fins de produção, mas também aqueles fatores econômicos onerados pelas contribuições e que contribuam, direta ou indiretamente, para a obtenção de receita (insumo sob critério funcional, físico e econômico).
Bem por isso, a noção de insumo para fins de PIS e Cofins é abrangente (ampla), excluindo-se a aplicação de critérios vinculados ao IPI e também IRPJ, comportando as despesas, custos e dispêndios que contribuam de forma direta ou indireta para o exercício da atividade econômica visando a obtenção de receita, salvo expressa previsão legal em sentido contrário.[5] [6]
Sendo assim, é reconhecido como insumo aquele bem e/ou serviço, adquirido de pessoa jurídica estabelecida no Brasil, que, visando à obtenção de receita que: (i) seja utilizado direta ou indiretamente na atividade econômica do contribuinte; (ii) com a finalidade de viabilizar a prestação de serviços, ou fabricação de bens ou ainda produtos destinados à venda; (iii) possui uma relação relevância (o que não significativa obrigatoriedade e/ou indispensabilidade)[7] e inerência com a atividade econômica destinada à prestação de serviço, fabricação de produtos ou ainda venda.
Portanto, a decisão da Câmara Superior parte de premissa adequada quanto à interpretação do artigo 3º, II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, no tocante aos insumos.
Mais do que isso, para se reconhecer a adequada interpretação dada pela Câmara Superior do Carf no tocante à possibilidade de créditos no regime não cumulativo com relação aos bens e serviços utilizados na fase agrícola da agroindústria (usina de açúcar e álcool), convém também adequar ou ajustar a noção de insumo levando em consideração a atividade econômica do contribuinte e o caso concreto, sendo de significativa importância a interpretação do que compreende por “processo produtivo”.
O “processo produtivo” há de ser compreendido segundo as peculiaridades e elementos do caso concreto, segundo o tipo de atividade econômica exercida pelo contribuinte, sempre levando em consideração a finalidade se auferir receita. Não é possível sustentar, assim, que “processo produtivo” esteja somente vinculado ao complexo de operações diretamente relacionadas ao produto final.
Equivale dizer: não existe completude na noção de processo produtivo quando se restringe a uma parte de todo o caminho que deve ser percorrido para que se alcance a prestação de serviço, elaboração de um produto ou mesmo venda a fim de auferir receita.
Esta análise se torna de significativa importância a partir do momento que o contribuinte possui um ciclo ou processo produtivo extenso e complexo, como é o caso julgado pelo Carf acima descrito para as usinas, já que, segundo entendimento equivocado da Receita Federal, somente seriam insumos aqueles diretamente relacionados com a fase “final da cadeia produtiva”.
Percebe-se, destarte, que é indevida qualquer interpretação do processo produtivo sem levar em consideração toda a cadeia ou ciclo de produção do contribuinte, conforme o caso concreto e sua atividade econômica, sob pena de indiretamente e sem fundamento legal se restringir a própria noção de insumo. Não podemos “fatiar” todo o ciclo ou processo produtivo, quando este compõe o objeto de uma única pessoa jurídica.
O insumo, portanto, não é somente aquele diretamente empregado no produto final (serviço, produto ou mercadoria), uma vez que, deve ser contextualizado com todo o processo produtivo do contribuinte, segundo caso concreto e atividade econômica. Daí porque, será também insumo aquele serviço ou produto que seja utilizado para elaboração de um novo insumo que será utilizado, posteriormente, dentro de sua própria cadeira produtiva.
Por esta razão, caminha para uma adequada interpretação e aplicação do artigo 3º, II, da Lei 10.637/2002 e 10.833/2003, a decisão da Câmara Superior do Carf ao permitir o crédito de PIS/Cofins no regime não cumulativo para as usinas de açúcar e álcool com relação aos insumos (bens e serviços) utilizados na fase agrícola: como serviços de análise de calcário e fertilizantes, serviços de carregamento, análise de solo e adubos, transportes de adubo/gesso, transportes de bagaço, transportes de barro/argila, transportes de calcário/fertilizante, transportes de combustível, transportes de sementes, transportes de equipamentos/materiais agrícola e industrial, transporte de fuligem,/cascalho/pedras/terra/tocos, transporte de materiais diversos, transporte de mudas de cana, transporte de resíduos industriais, transporte de torta de filtro, transporte de vinhaças, serviços de carregamento e serviços de movimentação de mercadoria. Também sendo incluídos os serviços de manutenção em roçadeiras, manutenção em ferramentas e manutenção de rádios-amadores e a aquisição de graxas e de materiais de limpeza de equipamentos e máquinas.
[1] Segundo art. 22-A, da Lei n. 8.212/91, agroindústria seria “o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”.
[2] “II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi”.
[3] CARF, CSRF, Ac. 9303-004.918, Rel. Rodrigo da Costa Possas, j. 10/04/2017.
[4] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (...) b) a receita ou o faturamento”.
CALCINI, Fábio Pallaretti. PIS e COFINS. Algumas ponderações acerca da não cumulatividade. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 176. p. 62.; CALCINI, Fábio Pallaretti Calcini. PIS/COFINS, não cumulatividade e insumo. Aspectos constitucionais e legais. Grandes questões atuais do direito tributário. ROCHA, Valdir de Oliveira ((coord). São Paulo: Dialética, 2015. P. 30-59. 19 v.
[6] “PIS/COFINS NÃO-CUMULATIVOS. APROPRIAÇÃO DE CRÉDITOS. As leis instituidoras da sistemática não-cumulativa das contribuições PIS e COFINS, ao exigirem apenas que os insumos sejam utilizados na produção ou fabricação de bens, não condicionam a tomada de créditos ao "consumo" no processo produtivo, entendido este como o desgaste em razão de contato físico com os bens em elaboração. Comprovado que o bem foi empregado no processo produtivo e não se inclui entre os bens do ativo permanente, válido o crédito sobre o valor de sua aquisição” (CARF, CSRF, Ac. CARF, CSRF, Ac. 9303-003.478, j. 25/02/2016).
[7] Entendemos que não se pode sustentar a existência de insumo somente e este se for indispensável ou essencial à atividade de prestação de serviço, fabricação ou venda do produto. Ora, se este possuir relação com a atividade e relevância, também há insumo. Posso utilizar insumos em minha cadeia produtiva (serviço, indústria ou comércio) que permita maior produtividade ou mesmo qualidade (perfeição). Não se trata de um insumo essencial o indispensável, todavia, é relevante e inerente ao processo produtivo.
por Fábio Pallaretti Calcini é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.
Fonte: Conjur
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