Em acórdão publicado no dia 8.5.2017, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o entendimento de que os juros pagos pelas instituições financeiras sobre os valores de depósitos judiciais efetuados para a suspensão da exigibilidade de crédito tributário não podem ser resgatados pelo contribuinte, nos casos em que há adesão a programas de remissão ou anistia (AgRg no recurso especial n. 1.232.311/SC, de relatoria do Ministro OG Fernandes).
As questões discutidas no caso eram duas, fundamentalmente: (i) a possibilidade da utilização de depósitos judiciais ainda não convertidos em pagamentos definitivos, vinculados a processos judiciais transitados em jugado, para a quitação de créditos tributários com reduções a título de remissão ou anistia, e, (ii) a possibilidade de o contribuinte resgatar o valor dos juros pagos pela instituição financeira depositária decorrentes da aplicação dos valores depositados.
De um lado, a conclusão do STJ foi de que é possível a utilização do benefício fiscal, no interím entre o trânsito em julgado desfavorável ao contribuinte e a conversão do depósito em renda do ente público. Por outro, o colegiado entendeu que os juros pagos pela instituição financeira não pertencem ao contribuinte-depositante, não podendo ser resgatados, ainda que o valor depositado seja superior ao valor efetivamente devido pelo contribuinte.
A decisão do STJ foi amparada nos fundamentos elencados pela Primeira Seção do STJ no acórdão do recurso especial n. 1.251.513/PR, em caso análogo, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, na forma do art. 573-C, do CPC/73.
Ao permitir a aplicação do benefício fiscal aos créditos tributários subsistentes após o trânsito em julgado de decisão em desfavor do contribuinte, o colegiado homenageou o princípio da isonomia em matéria tributária (arts. 5º, inciso I e 150, inciso II, da Constituição da República).
O entendimento em contrário, consubstanciado no art. 32 da Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 6, de 22.7.2009, fundava-se na exigência legal de que, para aderir ao programa, o contribuinte deveria confessar a dívida e desistir da ação proposta para a discussão de sua juridicidade, com renúncia a direito. Essa condição legal importaria na impossibilidade da adesão ao programa, relativamente aos créditos tributários para os quais já houvesse o trânsito em julgado.
Por óbvio, após o trânsito em julgado de decisão desfavorável ao contribuinte, não se pode falar em desistência da ação, não subsistindo, neste momento, qualquer ação para ser desistida. Isso não significa, todavia, que a adesão ao benefício esteja impossibilitada. O requisito legal há de ser interpretado à luz de sua finalidade, presente tanto ali quanto aqui: no trânsito em julgado, tanto quanto na desistência, é eliminada a incerteza que pendia sobre o crédito tributário, conferindo-lhe certeza e inatacável exigibilidade. A desistência há de ser exigida nos casos em que possível, não podendo a sua falta, em outros casos, impor óbice à fruição do benefício fiscal.
Admitir o contrário implicaria a concessão de odioso privilégio a quem optou por não resistir à pretensão fiscal, não exercendo o seu direito constitucional de defesa (art. 5º, LIV e LV), ou contra quem não se voltaram os instrumentos legais de execução (Lei n. 6.830, de 22.9.1980). Tendo ou não ajuizado ação, e tendo ou não efetuado depósito judicial suspensivo da exigibilidade do tributo (art. 151, inciso II, do CTN), o contribuinte merece igual tratamento, sob pena de uma aplicação anti-isonômica e, pois, inconstitucional, da lei.
Por igual, não há de se cogitar, na espécie, de qualquer ofensa à coisa julgada material. Os favores fiscais incidem sobre situações já constituídas ao tempo de sua vigência. Tanto é assim que, na previsão das condições de sua aplicação, as leis exigem, para os créditos tributários não definitivamente constituídos ou não confirmados em sede judicial, que o contribuinte confesse a dívida a ser exonerada, renunciando a eventual discussão de sua legalidade ou juridicidade. Essa é a sua razão de ser. A coisa julgada e o benefício fiscal, pois, têm objetos distintos: a primeira confirma a regularidade do crédito tributário e o segundo o exonera.
Nos termos do voto condutor do acórdão, proferido pelo relator Ministro Mauro Campbell Marques, o crédito tributário "tem vida" após o trânsito em julgado da decisão que o confirma. E, "tendo vida", pode ser objeto de remissão ou de anistia, ainda que transitada em julgado a decisão, desde que antes da ordem para conversão do depósito em pagamento definitivo, momento que encerra o ciclo de existência do crédito tributário, a teor do art. 156, inciso VI, do CTN.
Isto posto, confirmada a possibilidade da utilização de favor fiscal para a quitação com redução, de créditos tributários confirmados em decisão judicial transitada em julgado, exsurge a questão de o quê fazer com os saldos dos depósitos judiciais - nos casos em que tenham sido feitos -, que remanescem após o pagamento do débito com reduções: hão de ser devolvidos ao contribuinte, ou, de outra forma, convertidos em renda do ente público competente?
Por óbvio, não pode haver controvérsia quanto ao valor do tributo, da multa, dos juros moratórios e dos encargos que deixam de compor o montante devido, em virtude do benefício fiscal. Afinal, na linguagem empregada pelo CTN, a remissão "extingue" (art. 156, inciso IV) e a anistia "exclui" (art. 175, inciso II) o crédito tributário, não havendo, nessas hipóteses, qualquer fundamento para a versão ao erário dos valores exonerados. Admitir o contrário seria pura negativa de vigência à lei instituidora do benefício fiscal.
A verdadeira questão, pois, diz respeito aos juros que remuneram o depósito judicial, que não se confundem com os juros de mora devidos pelo contribuinte, previstos no art. 161, parágrafo 1º, do CTN.
Note-se que, segundo o entendimento pacificado pelo STJ, havendo depósito judicial a instituição financeira assume o encargo de depositária judicial, sendo responsável pelo pagamento de juros e correção monetária sobre o valor depositado judicialmente, nos termos do artigo 629, do Código Civil e da Súmula n. 179, do STJ.
Assim sendo, uma vez efetuado o depósito, cessa a obrigação do devedor pelo pagamento de correção monetária e juros moratórios sobre o valor depositado. A partir desse momento, a responsabilidade passa a ser exclusiva da instituição financeira depositária (cf. o Recurso Especial n. 1.348.640/RS, DJe 21.5.2014).
Nesse sentido, ainda, é o que determina o art. 9º, inciso I, parágrafo 4º, da Lei n. 6.830, de 22.9.1980 (Lei de Execução Fiscal), segundo o qual, o depósito do montante integral do crédito tributário, em dinheiro, faz cessar a responsabilidade do contribuinte "pela atualização monetária e juros de mora".
Pois, se o contribuinte faz o depósito de tributo vencido, arca com a multa de mora e os juros moratórios devidos até a data do depósito. Lado outro, se faz o depósito antes do vencimento da obrigação, não arca com multa ou quaisquer juros, estando a atualização e a remuneração dos valores depositados a cargo exclusivamente da instituição financeira depositária, que aplica os valores a ela confiados.
É ver, assim, que os juros pagos pela instituição financeira após a data do depósito judicial não se confundem com os juros de mora devidos pelo contribuinte, que deixam de vencer após o depósito, congelando, para ele, o saldo devedor, por força do art. 151, inciso II, do CTN.
A propósito, calha a transcrição do voto do relator Min. Mauro Campbell Marques, no acórdão do Recurso Especial n. 1.251.513/PR:
"Com efeito, é preciso acabar com uma confusão comumente gerada nas causas desse jaez. É necessário compreender que o crédito tributário e o depósito judicial ou administrativo são institutos diversos, cada qual tem vida própria e regime jurídico próprio. Os juros que remuneram o depósito (juros remuneratórios e não moratórios) não são os mesmos juros que oneram o crédito tributário (estes sim juros de mora). Circunstancialmente, mas nem sempre, um depósito judicial pode estar vinculado a uma ação judicial onde se discute determinado crédito tributário (o depósito pode estar atrelado a ações que têm outros objetivos). Também circunstancialmente, a taxa de juros de mora incidente sobre o crédito tributário e a taxa de juros remuneratórios incidente sobre o depósito judicial quando de sua devolução é a mesma (isonomia que somente passou a existir após a vigência da Lei n. 9.703/98, antes os depósitos sequer venciam juros)."
Diante disso, a conclusão a que chegou o STJ é a de que quando a lei remite juros moratórios insertos na composição do crédito tributário, não está a determinar o resgate dos juros remuneratórios decorrentes da aplicação do dinheiro depositado, os quais não pertencem ao contribuinte-depositante.
O raciocínio adotado pelos julgadores parte da premissa de que o depósito judicial não pode ser confundido com um investimento qualquer de caráter privado, no qual o investidor é remunerado pela indisponibilidade do capital investido. Nos termos do relator, "[d]epositar ou não é um risco que todo contribuinte devedor corre. Trata-se de uma opção entre obstar a fluência dos juros de mora e a incidência da multa de mora e utilizar o mesmo valor em uma aplicação ou investimento qualquer que pode trazer ou não mais benefícios".
À primeira vista, o entendimento acima poderia gerar espécie, permitindo o enriquecimento indevido do ente público, ao menos relativamente à parcela dos juros correspondente à parcela exonerada do crédito tributário.
É ver, contudo, que os juros remuneratórios - inclusive os incidentes sobre a parcela exonerada - pertencem, em verdade, ao ente público tributante, que foi privado da disponibilidade do crédito tributário, que deixou de integrar o seu patrimônio no prazo devido para recolhimento. Trata-se de nítida recomposição patrimonial.
Dessa forma, compondo o patrimônio do ente tributante, não podem os juros pagos pelas instituições financeiras ser resgatados pelo contribuinte-depositante, sem que haja lei prevendo, de forma expressa, nesse sentido. Não é demais lembrar que, a teor do art. 111, do CTN, as normas concessivas de benefícios fiscais devem ser interpretadas literalmente (i.e., restritivamente, no entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal), em respeito à supremacia e à indisponibilidade do interesse público.
Cumpre destacar, ao final, que a hipótese em comento - de depósito judicial em processo transitado em julgado em desfavor do contribuinte -, não se confunde com a hipótese inversa, em que o contribuinte se sagra vitorioso ao final do contencioso fiscal. Nesta hipótese, em relação aos tributos e contribuições federais, a lei assegura de forma expressa o direito ao resgate dos juros remuneratórios incidentes sobre o depósito. Veja-se:
"Art. 1º Os depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, serão efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF, específico para essa finalidade
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, aos débitos provenientes de tributos e contribuições inscritos em Dívida Ativa da União.
§ 2º Os depósitos serão repassados pela Caixa Econômica Federal para a Conta Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no mesmo prazo fixado para recolhimento dos tributos e das contribuições federais.
§ 3º Mediante ordem da autoridade judicial ou, no caso de depósito extrajudicial, da autoridade administrativa competente, o valor do depósito, após o encerramento da lide ou do processo litigioso, será:
I - devolvido ao depositante pela Caixa Econômica Federal, no prazo máximo de vinte e quatro horas, quando a sentença lhe for favorável ou na proporção em que o for, acrescido de juros, na forma estabelecida pelo § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e alterações posteriores; ou (...)."
E não poderia ser diferente. Afinal, na hipótese em que o contribuinte se sagra vencedor, não há tributo devido ao erário, não havendo, por conseguinte, o que ser recomposto no patrimônio do ente tributante. O que há é apenas o patrimônio do contribuinte, que não pode ser privado dos rendimentos do capital utilizado para permitir a discussão judicial da exação improcedente.
Naturalmente, nas hipóteses de sucumbência recíproca, em que o crédito tributário é confirmado apenas em parte, os juros pagos pela instituição financeira devem ser proporcionalizados entre as partes, na medida do ganho de cada uma. Afinal, o crédito tributário excluído em razão da decisão judicial não se confunde com o crédito tributário que é remido ou anistiado - o favor fiscal só existe no segundo caso, apenas neste, e não no outro, sendo possível atribuir ao ente público os juros pagos pelas instituições financeiras sobre os valores depositados.
Marcio Pedrosa Junior
Fonte: Thomson Reuters
Nenhum comentário:
Postar um comentário