Débitos federais, quando inscritos em dívida ativa, são automaticamente acrescidos de encargos legais no percentual de 20% sobre o valor atualizado da exigência, tal como prescreve o Decreto-Lei 1.025/69.
Nas esferas estaduais, municipais e distrital, há legislações que fixam encargos incidentes sobre débitos inscritos em dívida ativa [1] ou, na ausência de normas específicas, os magistrados tem por costume arbitrar o percentual de honorários aplicável com o recebimento da petição inicial, costumeiramente se utilizando dos percentuais de 10% ou 20%. Para autarquias e fundações públicas federais, aplica-se o percentual de 20%, conforme atual redação do artigo 37-A da Lei 10.522/2002.
Seriam os percentuais da nova legislação processual aplicáveis aos executivos fiscais? Teria sido superada a determinação do mencionado Decreto-Lei federal e das demais normas esparsas que definem percentuais dos encargos legais incidentes sobre a dívida ativa fiscal? Nos parece que sim.
Referido Decreto-Lei n. 1.025/69 afastou a anterior determinação da Lei n. 4.439/64, extinguindo a participação dos servidores públicos na arrecadação relativa aos encargos incidentes sobre a dívida fiscal inscrita em dívida ativa e cobrada judicialmente (que passaram a ser recolhidos à União Federal), e fixando o percentual de tais encargos em 20%.
Inicialmente, importante notar que a natureza dos encargos legais definidos pelo referido decreto-lei é de verba correspondente a sucumbência judicial, devida pelo vencido ao vencedor nos termos do art. 20 do CPC/1973 e, atualmente, indubitavelmente devida ao advogado do vencedor nos termos do art. 85 do CPC/2016; especificamente quanto aos direitos de os advogados públicos igualmente receberem as verbas sucumbenciais, o parágrafo 19 do mesmo artigo não deixa qualquer margem de dúvida.
A qualificação dos encargos legais como verba sucumbencial, a seu turno, é inevitável e decorre do disposto no decreto-lei 1.645/78, que em seu art. 3º dispõe que tais encargos substituem “a condenação do devedor em honorários de advogado e o respectivo produto será, sob esse título, recolhido integralmente ao Tesouro Nacional”.
Na mesma linha, a Súmula 168 do extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR) é clara ao dispor que “o encargo de 20% do Dec.-lei 1.025, de 1969, é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor em honorários advocatícios”.
Ou seja, a legislação e a jurisprudência afastam sucumbência adicional aos encargos em sede de executivo fiscal, eis que os mesmos indubitavelmente fazem vezes da verba sucumbencial prescrita na legislação processual. E nem poderia ser diferente, pois possível definição de tais encargos como se taxa fossem encontraria barreira no artigo 25 do ADCT (pois o Executivo, responsável pela edição do referido decreto, não é competente para instituição de tributos pela Constituição de 1988).
Ademais, não é possível definir os encargos legais como tributo, eis que sua natureza é incompatível com o art. 3º do CTN (não se trata de prestação pecuniária compulsória, mas sim de encargo decorrente da falta de pagamento de tributos e incidente apenas no momento do registro da dívida para cobrança judicial); além disso, os encargos não são constituídos por lançamento nos termos do art. 142 do CTN (pois sua incidência se deu quando da inscrição do débito em dívida ativa da Fazenda Nacional, nos termos do mencionado Decreto-lei 1.025).
Assim, sob qualquer perspectiva que se adote, é inevitável se concluir pela equivalente natureza dos encargos legais incidentes sobre débitos inscritos em dívida ativa e da verba sucumbencial atualmente prevista no art. 85 do CPC/2015.
Ora, o atualmente vigente Código de Processo Civil trouxe alterações relevantes no que tange a incidência dos honorários sucumbenciais e tais encargos, que devem substituir determinações em sentido diverso, aplicando-se aos executivos fiscais em detrimento das regras anteriormente prescritas: por se tratar de norma específica e aplicável a todos os litígios envolvendo o poder público, alcançam os executivos fiscais.
A um, o art. 85, caput, do CPC/2015 deixa claro que os encargos sucumbenciais são devidos pelo vencido ao advogado do vencedor. E o parágrafo 19 do mencionado artigo dispõe que “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”. Revogam-se, portanto, disposições em contrário, tais como aquelas do Dec.-lei 1.025. Importa ressaltar que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional não tardou em revogar a Portaria 809/2009, que tratava do parcelamento dos “honorários de sucumbência devidos à União, em decorrência da atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional”, conforme noticiado pela imprensa especializada.
E os percentuais trazidos pelo CPC aplicáveis às causas em que a Fazenda Pública é litigante, a depender do valor envolvido, são significativamente inferiores aos 20% fixados pelo Decreto-lei 1.025. Tome-se por exemplo débito fiscal de R$ 100.000.000,00: pelo Decreto-lei, os encargos legais corresponderiam a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de Reais). Pelo CPC, a condenação não poderia superar R$ 3.000.000,00 – valor que, sem margem de dúvidas, remunera satisfatoriamente o trabalho do advogado na defesa da causa, seja ele público ou privado.
Vale destacar que o Novo CPC revogou não apenas o percentual (que deixa de ser de 20% para todos os débitos e passará a seguir o critério escalonado estabelecido no art. 85 do código), mas também a destinação da verba, que passa a pertencer aos advogados públicos, conforme regulamentação ainda pendente na esfera federal (e que deverá ser feita por cada ente federativo).
Finalmente, vale mencionar que não seria sequer razoável que o sistema tratasse com tamanha distinção a condenação em verba honorária das ações de execução fiscal se comparadas a todas e quaisquer outras contentas judiciais envolvendo o poder público. Se há critérios objetivos para a condenação em verba sucumbencial na qual o poder público litiga, é razoável supor que, respeitando-se a igualdade constitucionalmente assegurada, os critérios se apliquem a todas as causas em que o Poder Público for litigante.
Desse modo, o Dec.-lei 1.025/69, assim como legislação esparsa que defina percentuais de encargos legais aplicáveis a executivos fiscais, foram tacitamente revogados pelo Novo Código de Processo Civil, art. 85 e, nesse contexto, os atuais percentuais e limites do parágrafo 3º do mencionado dispositivo devem ser aplicados a todos os processos executivos fiscais em andamento, haja vista que a lei processual tem eficácia plena e aplicação imediata.
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[1] Cite-se como exemplo a Resolução PGE 54/94, da Procuradoria do Estado de São Paulo.
Por Priscila Faricelli de Mendonça - Advogada de Trench, Rossi e Watanabe Advogados. Mestre em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da USP. Especialista em Direito Tributário
Fonte: Jota
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