sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

15/01 Preço de Transferência: ilegalidade do artigo 12 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002

Na sessão de julgamentos de janeiro de 2016, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) apreciará processos administrativos envolvendo a discussão relativa à ilegalidade da metodologia de cálculo do preço parâmetro pelo método PRL 60% introduzida pelo artigo 12 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002.

O método Preço de Revenda Menos Lucro, com margem de sessenta por cento (PRL 60%), foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 9.959/2000, que deu nova redação ao inciso II do artigo 18 da Lei nº 9.430/1996.

No inciso II do artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, o legislador ordinário definiu o método PRL 60% como sendo a média aritmética dos preços de revenda dos bens, diminuídos dos descontos incondicionais, dos tributos incidentes sobre as vendas, das comissões pagas e da margem de lucro de 60%, calculada sobre o preço líquido de venda subtraído o valor agregado no País, que pode ser sintetizado na seguinte fórmula matemática:

Preço Parâmetro = PLV – ML 60% (PLV – VA)

Onde:

PLV = preço líquido de venda (preço de revenda do bem importado, diminuído dos descontos incondicionais, dos tributos incidentes sobre as vendas e das comissões pagas)

ML 60% = margem de lucro de 60%

VA = valor agregado no País

Na fórmula construída a partir do artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000 (e anteriormente admitida pela própria Receita Federal do Brasil na revogada Instrução Normativa nº 32/2001), a margem de lucro corresponde a 60% do preço líquido de venda subtraído o valor agregado no País. O legislador ordinário estabeleceu uma margem de lucro altíssima (60% – inatingível, em operações regulares de mercado, pela maioria das empresas brasileiras que importam, produzem e revendem no mercado interno), mas, por outro lado, autorizou a subtração do valor agregado no País para efeito de determinação da margem de lucro.

Todavia, o critério jurídico estabelecido pelo Poder Legislativo para apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% não foi observado pelo Poder Executivo na Instrução Normativa SRF nº 243/2002, que revogou a Instrução Normativa nº 32/2001. Aliás, a simples comparação entre o texto da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, e o texto da Instrução Normativa SRF nº 243/2002, já comprova a diferença de metodologia de cálculo.

Com efeito, o artigo 12 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002 criou novo critério para apuração do Preço de Transferência pelo método PRL 60%, incluindo na fórmula (1º) o percentual de participação dos bens importados no custo total do bem produzido e (2º) a participação dos bens importados no preço de venda do bem produzido como fatores determinantes da margem de lucro e do preço parâmetro, e (3º) excluindo o valor agregado no País e a margem de lucro de 60%, anteriormente calculada sobre o preço líquido de venda subtraído o valor agregado no País.

Contudo, nos termos do inciso II do artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, (i) não havia previsão legal para excluir o valor agregado no País no cálculo do preço parâmetro (o valor agregado no País deveria ser subtraído do preço líquido de venda apenas para fins de cálculo da margem de lucro correspondente a 60%); e (ii) também não havia qualquer menção ao percentual de participação dos bens importados no custo total do bem produzido e participação dos bens importados no preço de venda do bem produzido como fatores determinantes da margem de lucro e do preço parâmetro.

Assim, a exclusão do valor agregado no País e da margem de lucro de 60%, anteriormente calculada sobre o preço líquido de venda subtraído o valor agregado no País; e a inclusão do percentual de participação dos bens importados no custo total do bem produzido e da participação dos bens importados no preço de venda do bem produzido como fatores determinantes da margem de lucro e do preço parâmetro acabaram por alterar, substancialmente, os critérios jurídicos de cálculo previstos no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000.

E não é só isso. Além de a Instrução Normativa SRF nº 243/2002 ter inovado no plano normativo, criando fórmula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% sem qualquer fundamento legal, a sua aplicação implica apuração de preço parâmetro inferior ao que seria apurado caso fosse observado o disposto no inciso II do artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000.

A apuração de preço parâmetro inferior ao que seria apurado caso fosse observado o disposto no inciso II do artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, implica, por sua vez, (i) apuração de ajuste a título de Preço de Transferência em situação na qual não haveria ajuste caso fosse observada a fórmula prevista em Lei; ou, então, (ii) apuração de ajuste a título de Preço de Transferência em valor superior ao que seria apurado caso fosse observada a fórmula da Lei.

E a apuração de ajuste em situação na qual não haveria ajuste caso observada a fórmula da Lei ou, então, a apuração de ajuste em valor superior ao que seria apurado caso fosse observada a fórmula da Lei representam (em ambas as hipóteses) majoração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL por meio da aplicação de disposições contidas, única e exclusivamente, no texto de Instrução Normativa, o que é absolutamente vedado pelo inciso II e pelo §1º do artigo 97 do CTN.

Dessa forma, a ilegalidade do artigo 12 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002 está configurada por 2 (dois) fundamentos jurídicos: (i) instituição, pelo Poder Executivo, de metodologia (fórmula) de cálculo do preço parâmetro pelo método PRL 60% absolutamente diversa daquela concebida pelo Poder Legislativo (artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000); e (ii) majoração (indevida) da base de cálculo do IRPJ e da CSLL mediante aplicação de critérios de apuração previstos, única e exclusivamente, no texto de uma Instrução Normativa, afrontando o disposto no artigo 97 do Código Tributário Nacional.

Superveniente alteração da legislação ordinária e observância da anterioridade

A Medida Provisória nº 563/2012 foi convertida na Lei nº 12.715/2012, alterando o artigo 18 da Lei nº 9.430/1996 e, com isso, introduzindo (no texto da Lei) o critério de proporcionalização da participação do valor dos bens importados no custo total do bem vendido e de participação do valor dos bens importados no preço de venda do bem, tal como até então previsto somente no texto da Instrução Normativa SRF nº 243/2002.

Ora, se foi necessária a alteração da legislação ordinária no curso do ano de 2012 para passar a dispor sobre os critérios de proporcionalização da participação do valor dos bens importados no custo total do bem vendido e de participação do valor dos bens importados no preço de venda do bem, é porque o artigo 18 da Lei nº 9.430/96, com a redação da Lei nº 9.959/2000, não compreendia tais variáveis na metodologia de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60%, escancarando a ilegalidade do artigo 12 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002.

Como se isso não fosse suficiente, o artigo 48 da Lei nº 12.715/2012, que introduziu alterações na legislação de Preço de Transferência, especificamente quanto à fórmula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL, entrou em vigor somente a partir de 1º/01/2013, observando-se, assim, o princípio da anterioridade em matéria tributária.

A determinação da observância do princípio da anterioridade é o reconhecimento do Poder Legislativo da alteração da regra de apuração do preço parâmetro pelo método PRL e, principalmente, da majoração da carga tributária, não prosperando, desse modo, o argumento que tem sido sustentado de que a “fórmula” da Instrução Normativa SRF nº 243/2002 representaria uma possível interpretação do artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, pois, se assim fosse, a alteração da legislação ordinária no curso do ano de 2012 não estaria sujeita à observância do princípio da anterioridade em matéria tributária.

Portanto, não há dúvida quanto à ilegalidade da fórmula prevista no artigo 12 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002 para apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60%, pois ao ser veiculada pelo Poder Executivo não encontrava fundamento de validade no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000 (tanto isso é verdade que foi necessária a publicação da Lei nº 12.715/2012 para incorporar os critérios previstos até então somente no texto da Instrução Normativa, inclusive com observância da anterioridade).

Outras questões relacionadas à formula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% introduzida pelo artigo 12 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002

Nos julgamentos administrativos envolvendo a matéria, temos notado a existência de críticas em relação à fórmula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% prevista no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, sob o argumento (não jurídico) de que supostamente não seria a mais “adequada” para a apuração do preço parâmetro do bem importado, o que inviabilizaria o controle dos preços de transferência.

E aqueles que criticam a fórmula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% prevista no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000 (e anteriormente regulamentada pela IN 32/2001), tentam defender a legalidade do artigo 12 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002, também aduzindo que teria introduzido critério de cálculo mais razoável com a finalidade da legislação de preço de transferência.

Entretanto, discordando ou não da fórmula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% prevista no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, o que deve ser ponderado é que o Poder Legislativo, por questão de política fiscal (e não meramente arrecadatória), instituiu, por meio de Lei Ordinária, uma fórmula matemática que, no seu entender, evita a transferência de lucros entre empresas vinculadas, devendo, portanto, ser observada.

Dessa forma, a simples discordância quanto à fórmula prevista no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, para apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% não é fato suficiente para legitimar a aplicação da fórmula de cálculo prevista no artigo 12 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002.

Por outro lado, e como já salientado, pela fórmula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% prevista no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, o valor agregado no País ao bem importado reflete na apuração da margem de lucro de 60% e, também, no valor do ajuste tributável, de modo que, a rigor, quanto maior o valor agregado no País, menor será o ajuste a título de preço de transferência.

Nesse aspecto, a fórmula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% prevista no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, podia até mesmo ser considerada uma motivação para as empresas brasileiras aumentarem os valores agregados no País, gerando novos empregos e riquezas. E os valores agregados no País estão sujeitos à incidência de diversos tributos, por exemplo, ICMS, IPI, ISS, PIS, COFINS etc.

Já a fórmula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% prevista no artigo 12 da IN SRF nº 243/2002, ao excluir o valor agregado no País no cálculo do preço parâmetro, a rigor, representava um desestímulo à produção local. Ainda que se argumente que a vontade do legislador ordinário ao estabelecer a fórmula prevista no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, não tenha sido o estímulo da produção local, da mesma forma, não é razoável admitir que ele tivesse autorizado a edição de regras de preço de transferência que incentivassem a importação e revenda direta em detrimento da produção nacional e da agregação de valores no País, tal como se verifica na fórmula prevista no artigo 12 da IN SRF nº 243/2002.

Isso porque, a aplicação de uma margem mais elevada no PRL 60% (produção) quando comparada com o PRL 20% (revenda) levaria o contribuinte a organizar as suas atividades empresariais para que não houvesse produção no território brasileiro, mas apenas atividades de importação e revenda. Como forma de evitar o desestímulo à produção local, na fórmula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60% prevista no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, com a redação da Lei nº 9.959/2000, foi autorizada a subtração do valor agregado no País para fins de cálculo da margem de lucro correspondente a 60%, o que não foi observado na fórmula da IN SRF nº 243/2002.

No mais, a fórmula do PRL 60% prevista na Instrução Normativa SRF nº 243/2002 proporciona tributação mais gravosa para os contribuintes que buscam praticar preço não sujeito a ajuste a título de preço de transferência. Os cálculos têm demonstrado que a cada vez que o contribuinte busca se aproximar do preço parâmetro, calculado de acordo com a fórmula do PRL 60% prevista na Instrução Normativa SRF nº 243/2002, existe uma diminuição do percentual de participação do bem importado no custo total do bem produzido.

E diminuindo o percentual de participação do bem importado no custo total do bem produzido ocorre uma nova redução no preço parâmetro e, por conseguinte, apuração de ajuste a título de preço de transferência (é o denominado “efeito circular” da fórmula da Instrução Normativa SRF nº 243/2002). Nesse aspecto, o contribuinte só se “salva” do ajuste a título de preço de transferência se conseguir praticar margem de lucro bruto de 60% sobre o custo total do bem produzido, o que, data vênia, em operações regulares de mercado, é praticamente impossível.

Portanto, e por qualquer ângulo que se avalie a questão, não pode ser admitida a aplicação da fórmula de apuração do preço parâmetro pelo método PRL 60 prevista no artigo 12 da Instrução Normativa SRF nº 243/2002.

Por Júlio M. de Oliveira - Mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC/SP, professor nos cursos de especialização da USP, IBET e GVLAW, ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas, advogado em São Paulo.

Por Renato Silveira - Mestre em Direito pela PUC/SP, Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP e pelo IBET, advogado em São Paulo

Fonte: Jota

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