Segundo dados divulgados pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) no Texto para Discussão n. 3 e no Anuário da Indústria de Fundos de Investimento 2015, o patrimônio líquido dos fundos de investimento brasileiros aumentou de aproximadamente R$ 700 bilhões em 2002 para R$ 2,7 trilhões em 2014 ‒ um crescimento anual médio de aproximadamente 11,9%, bem acima do crescimento médio do PIB brasileiro no mesmo período, que foi de 3,3%. Os dados demonstram que uma parcela cada vez maior da riqueza dos brasileiros é confiada a administradores e gestores de fundos.
Em resposta a esse crescimento e à sofisticação da indústria desde a edição da Instrução 409, a CVM (Comissão de Valores Imobiliários) aprovou no final do ano passado a Instrução 555, que substituiu aquela a partir do último 1º de outubro no papel de norma geral dos fundos.
O fundamento para a adoção dessa nova regra é a baixíssima presença de cotistas nas assembleias gerais dos fundos e os inconvenientes para a aprovação de contas daí resultantes. Esse é um problema real, e a disposição do regulador em enfrentá-lo é meritória, mas a solução proposta não parece a mais adequada.
A aprovação automática das demonstrações reduz significativamente a accountability de administradores e gestores. Com a abertura incondicionada dessa via, tais atores não têm quaisquer incentivos para promover a participação dos cotistas na assembleia geral anual.
É importante notar que a análise das contas por auditor independente não substitui sua análise pelos cotistas. Esta, ao contrário daquela, não se limita à veracidade das demonstrações, mas compreende também seu mérito, e portanto é igualmente um julgamento do desempenho de administradores e gestores no exercício relevante.
Suprimir a apreciação das demonstrações contábeis de fundos pelos cotistas só se justificaria se não houvesse outros meios de enfrentar o absenteísmo. Mas a própria Instrução 555 aponta alternativas em seus artigos 72 e 73 ‒ a realização de assembleia por meio eletrônico e o recebimento de votos por via escrita ou eletrônica. Tais medidas reduzem extraordinariamente os custos associados à participação em deliberações, uma das principais causas do absenteísmo. Somente se e quando elas e outros meios orientados à mesma finalidade se mostrassem infrutíferos poderia admitir-se, como medida extrema, a aprovação automática das contas.
É verdade que os cotistas dispõem sempre do direito de “votar com os pés” (sacar seus recursos) caso estejam insatisfeitos com a gestão do fundo. Mas a busca pelo aperfeiçoamento da accountability não está em contradição com esse direito, senão o completa. Esse “voto” só produz efeitos a médio ou longo prazo, e não oferece meios para a responsabilização daqueles que tenham agido mal.
Ele também é, em certos casos, desencorajado por alíquotas de imposto de renda sobre rendimentos inversamente proporcionais ao tempo de permanência no fundo. Além disso, certas aplicações só são atraentes se o investimento for mantido por certo prazo.
Poderia alegar-se que esses fatores antagônicos ao “voto pedestre” não deveriam ser elencados para criticar o artigo 74 da Instrução CVM 555, mas encarados como incentivos para que os cotistas participem das assembleias para aprovação das demonstrações contábeis. Todavia, esse argumento não responde à outra face do problema identificado no dispositivo em discussão ‒ seu efeito sobre os administradores de fundos, que deixam de ter qualquer estímulo para facilitar essa participação.
O uso das faculdades previstas nos artigos 72 e 73, somado ao envio das demonstrações contábeis aos cotistas (e não sua mera divulgação online, como permite o artigo 10, parágrafo 2º da Instrução 555), incrementaria o poder de fiscalização dos investidores. É verdade, que ainda há desafios para a adoção desses mecanismos, mas a regra do artigo 74 desestimula a busca por meios para superar tais entraves.
Diante disso, a CVM poderia considerar a modulação da eficácia dos artigos 72, 73 e 74, estabelecendo prazo para adoção dos procedimentos de assembleia eletrônica e voto à distância pelos fundos e dispensando a aprovação das demonstrações contábeis (desde que não tenham sofrido ressalvas pelos auditores externos) até que eles se tornem obrigatórios; ou o condicionamento da aplicação do artigo 74 ao insucesso de medidas destinadas a incentivar e facilitar a participação dos cotistas na aprovação das contas (como aquelas acima referidas e também, p.e., a obrigatoriedade de segunda convocação para a assembleia). Tais alterações mitigariam os efeitos adversos da norma comentada e contribuiriam para o aperfeiçoamento da indústria de fundos e do mercado de capitais brasileiro.
Por Bruno Haack Vilar - Advogado do Lobo & de Rizzo Advogados, doutorando em Direito Comercial pela USP
Fonte: Jota
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