Reza a Lei Federal nº 9.609, de 1998, que programa de computador, ou simplesmente software, é a denominação de um conjunto organizado de instruções que descrevem uma tarefa a ser realizada por máquina automática de tratamento de informações, sujeito ao mesmo regime de proteção conferidos às obras literárias.
Porém, antes mesmo da publicação da lei de proteção à propriedade intelectual de programa de computador, o tema era gerador de muitos debates doutrinários e nos tribunais, especialmente no que diz respeito à tributação de sua produção e comércio.
Nessa seara, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar em 1998 o recurso extraordinário nº 17.6626, assentou entendimento de que não podem os Estados instituir ICMS sobre licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador. Todavia, dessa impossibilidade não resulta que esteja subtraída do campo de incidência do imposto estadual a circulação de cópias ou exemplares de softwares produzidos em série e comercializados no varejo.
Na esteira da jurisprudência do STF, alguns Estados passaram a exigir ICMS sobre a circulação de programas de computador, inclusive quando realizada por meio de transferência eletrônica (download). Nesse sentido é a Lei do Mato Grosso nº 7.098, de dezembro de 1998, que tem sua validade questionada mediante a ação direta de inconstitucionalidade nº 1945 na Corte constitucional, a qual, em decisão liminar, entendeu ser irrelevante a existência de bem corpóreo ou mercadoria para incidência do ICMS.
Contudo, em que pese ter sido provisoriamente declarada constitucional a incidência de ICMS sobre operações de circulação de softwares, a lei matogrossense não reune as condições necessárias para cobrança do imposto, pois falta-lhe a definição do sujeito passivo, do fato gerador e do local da operação.
A mesma situação está a pretensão do Estado de São Paulo, manifestada na edição do Decreto nº 61.522, de 2015, para cobrar, a partir de 1º de janeiro de 2016, ICMS sobre o valor total das operações com programas de computador (softwares), personalizados ou não, comercializados em suporte físico (CDs ou outros) ou obtidos de forma eletrônica (download).
Com efeito, a pretensão do governo paulista esbarra em dois obstáculos:
Os programas de computador personalizados, que atendem necessidades específicas de determinado usuário, caracterizam prestação de serviço, assim definido pela Lei Complementar nº 116/2003 e por farta jurisprudência, sujeitos, por consequência, à incidência do imposto municipal sobre serviços (ISS), não tendo o Estado competência para cobrar ICMS sobre o mesmo. Além disso, para a cobrança de ICMS sobre software não personalizado, especialmente quando transferido por via eletrônica, não basta a edição de decreto pelo Poder Executivo.
Em que pese o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que os programas de computador desenvolvidos para serem vendidos em larga escala, inclusive por meio eletrônico, possam ser classificados como mercadorias, são necessárias alterações na Lei Complementar nº 87/96 e na Lei Estadual de SP nº 6.374/89 (Lei do ICMS) para possibilitar a exigência do imposto estadual.
A Constituição Federal e o Código Tributário Nacional rezam que a hipótese de incidência ou fato gerador do imposto, os seus sujeitos ativo e passivo, a base de cálculo, a alíquota e o local da operação ou prestação, devem estar definidos clara e expressamente em lei, para cobrança de imposto.
No caso, a Lei Complementar nº 87/96, e também a lei paulista, limitam a incidência do imposto a circulação de mercadoria, considerada no seu conceito tradicional de bem móvel, corpóreo, que está no comércio e que circula fisicamente de um contribuinte para outro contribuinte ou para consumidor final, não se prestando para tributação de bem imaterial, incorpóreo, que circula em meio eletrônico, digital.
A inaplicabilidade das leis citadas ao comércio eletrônico de softwares é latente na medida em que, ao definir o local da operação para efeito de cobrança do imposto elegem: (a) o do estabelecimento onde se encontre a mercadoria no momento da ocorrência do fato gerador; (b) o do estabelecimento em que ocorrer a entrada física, no caso de mercadoria importado do exterior.
Atualmente, o comércio ou distribuição de programas de computador se faz basicamente por meio eletrônico (download), onde um comerciante ou distribuidor, estabelecido na cidade de São Paulo, realiza a venda de um software não personalizado a um adquirente localizado em Brasília, que o baixará diretamente do sistema eletrônico do produtor, localizado em qualquer parte do Brasil e do mundo.
Diante dessa característica específica, resulta impossível, com base nas leis vigentes, definir o sujeito passivo e o local da operação, para cobrança do imposto.
Acresça-se a isso a definição legal do fato gerador da obrigação tributária. Segundo as leis vigentes, ocorre o fato gerador e nasce a obrigação de pagar o imposto: na saída da mercadoria do estabelecimento de contribuinte e no desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior.
Não há, portanto, como enquadrar a importação, a distribuição tampouco a revenda de software feita por meio eletrônico, nas definições legais hoje vigentes de "operação de circulação de mercadorias", de "estabelecimento contribuinte", de "fato gerador da obrigação tributária" e de "local da operação".
Por razões da mesma natureza, a Receita Federal se manifestou pela Solução de Consulta nº149/2013, que não incide IPI na importação de software via download eis que, nos termos da legislação que regula aquele tributo, o fato gerador do imposto, em se tratando de produto importado, é o desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira, o que não ocorre no caso aqui tratado.
Com base nessas sucintas notações, entendemos que, não obstante o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que a circulação de cópias ou de exemplares de programas de computador, inclusive quando realizada através de transferência eletrônica, pode ser onerada pelo ICMS, as normas ora vigentes não permitem a cobrança desse imposto estadual.
Para isso, se faz necessária a edição de lei que defina expressamente a hipótese de incidência ou fato gerador, o sujeito passivo, o local da operação e a base de cálculo, especialmente para o comércio eletrônico de programas de computador não personalizados, eis que os softwares personalizados, por sua natureza, não se enquadram na competência dos Estados.
por Gilson J. Rasador é sócio do escritório Piazzeta, Boeira e Rasador Advocacia Empresarial
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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