Trinta anos depois, esta afirmação continua válida: só o político pode salvar o economista
Temos insistido que a economia é uma disciplina na qual se enfrentam sempre os mesmos problemas. O que muda são as suas soluções, de acordo com a ampliação do entendimento de como funciona o sistema econômico; dos avanços da psicologia, a mostrar que o homem é um bicho mais complicado do que costumava ser, pois no seu processo decisório combina em graus diferentes a “razão” e a “emoção”; de como se manejam os novos instrumentos analíticos disponíveis para simplificar (e entender) essas decisões e de como se aproveita o ensinamento da história, que vai acumulando os efeitos das soluções fracassadas.
Isso deveria nos ensinar duas coisas: primeiro, que o caminho para a sociedade civilizada é conhecido, já foi trilhado pelas nações hoje desenvolvidas. É longo e pedregoso. Percorrê-lo exige paciência e persistência. Raramente admite atalhos que não sejam adaptar soluções que os que estão na frente conseguiram com sucesso. Segundo, que é preciso respeitar a história, a geografia, as restrições físicas e os conhecimentos acumulados pela disciplina econômica ao longo de séculos, além de prestar atenção às novas respostas, sugeridas pelo esforço teórico, às velhas questões que nos acompanham.
Para escapar da hipótese do “déspota esclarecido”, as sociedades hoje desenvolvidas assistiram a uma coevolução da educação (frequentemente ligada à religião: a necessidade de ler a Bíblia) com a invenção do sufrágio cada vez mais universal, que moderou o poder da concentração do capital. Empoderou o trabalhador desamparado, produto da criação do direito à propriedade privada, transformando-o em eleitor, na construção do que hoje chamamos “capitalismo”. Este é, apenas, um instante histórico na busca continuada da sociedade civilizada a que o homem aspira.
A questão é, portanto, puramente política: como organizar e dar instrumentos de poder à liderança eleita pelo sufrágio universal para implementar os mecanismos de administração relativamente eficientes, compatíveis com mais liberdade, mais igualdade e maior produtividade? A resposta parece ser: eleições livres, em distritos bem definidos e regras de barragem adequadas que permitam uma coalização majoritária estável para propor e aprovar as soluções nascidas das experiências dos países democráticos bem-sucedidos.
Talvez seja hora de deixar de lado a reeleição que, sem qualquer controle social, revelou-se um mal. Seria melhor um parlamentarismo (infelizmente, recusado em dois plebiscitos viezados) inteligente que garanta ao governo a maioria eficaz ou o leve à dissolução. É muito triste ter de reconhecer que o recente “esforço reformista” do Congresso afastou o Brasil ainda mais de um sistema político minimamente funcional.
Talvez estejamos em um momento semelhante àqueles de Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello, nos quais emerge o que se vayam todos, como sugere uma recente pesquisa de opinião. Infelizmente, os dois ex-presidentes não souberam aproveitar o acidente que lhes deu a oportunidade de um protagonismo digno de figurar com admiração na história nacional. Ainda assim, eles mandaram para casa todos os profissionais do atraso...
Nossa situação econômica só é um problema sem solução porque dispomos de uma trágica organização política: primeiro, um presidencialismo de coalização, em que a presidenta nem assume o seu protagonismo nem coaliza e, segundo, um Congresso perdido e ocupado com propostas que, com raras exceções, ignoram o interesse nacional e insiste em dissipar sua energia num sinistro retrocesso civilizatório. Em 1986, quando fui candidato à Constituinte, publiquei um pequeno livro, Só o Político Pode Salvar o Economista. Trinta anos depois, parece que isso ainda continua verdade...
por Delfim Netto
Fonte: Carta Capital
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