Normas ambientais que impedem a construção ou o desmatamento abrangendo a maior parte da propriedade ou a sua totalidade caracteriza verdadeira interdição de uso da propriedade. Essa interdição não se confunde com a mera limitação administrativa que implica restrição ao uso da propriedade imposta genericamente a todos os proprietários no interesse da coletividade como, por exemplo, os recuos de prédios, os gabaritos de construção etc., hipóteses em que não são indenizáveis. Essas limitações administrativas ditadas por interesses urbanísticos jamais retiram a disponibilidade econômica da propriedade. Áreas correspondentes aos recuos obrigatórios podem servir de jardim, de vagas para estacionamento de veículos, etc. Diferem das restrições de natureza ambiental que inviabilizam totalmente o uso da propriedade.
São os casos de imóveis atingidos pelo Decreto Estadual de n° 10.251/77 do governo do Estado de São Paulo que criou o Parque Estadual da Serra do Mar. São os casos, também, de milhares de lotes constantes de loteamentos aprovados, atingidos pelo Decreto 30.817, de 30-11-1989, que implantou e regulamentou a Área de Proteção ambiental de Ilha Comprida, criada pelo Decreto n° 26.881, de 11-3-1987 do governo do Estado de São Paulo.
Esses Decretos retiraram por completo a possibilidade de exploração econômica dos imóveis atingidos, a ensejar a ação de desapropriação indireta para obtenção da justa indenização.
E como o fato gerador do IPTU é a disponibilidade econômica da propriedade, domínio útil ou posse, resta claro que os imóveis esvaziados em seu conteúdo econômico não podem ser tributados, sob pena de afronta aos princípios da isonomia tributária, da capacidade contributiva e da proibição de efeito confiscatório.
Já tivemos a oportunidade de ofertar parecer jurídico pela não incidência do IPTU ao proprietário de loteamento residencial, situado na cidade de Guarujá, atingido pelas restrições introduzidas pela Lei Complementar n° 108, de 21 de Janeiro de 2007, do Município de Guarujá que incluiu a área ocupada pelo loteamento em questão nas zonas Especiais de Interesse Turístico.
O loteamento que havia sido aprovado em 1982, quando vigorava para o local a Lei n° 1.421, de 30-4-1979, a qual permitia qualquer tipo de construção, com a entrada em vigor na nova lei retro referida passou a ser vedada a utilização individual dos lotes. Para o efeito de seu aproveitamento, o loteamento residencial deveria ser revertido à área bruta para a apresentação de um projeto turístico a ser aprovado pelo órgão municipal competente. Consequentemente, o valor econômico do lote individualmente considerado ficou reduzido a ZERO.
Por tais razões, opinamos no sentido de buscar a justa indenização correspondente por meio de ação de desapropriação indireta com base em farta jurisprudência de nossos tribunais para as hipóteses semelhantes,[1] bem como, ingressar com ação anulatória do IPTU, cumulada com a declaratória de inexigibilidade desse imposto.
Especificamente sobre o descabimento do lançamento do IPTU sobre a propriedade atingida por normas de preservação ambiental encontramos julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cujas ementas assim dispõem:
“Apelação Cível – Execução fiscal – IPTU – Terreno de praia – Área de preservação ambiental permanente e non aedificandi – Descabimento da cobrança do tributo, pois o caso não é de simples restrição administrativa, pois o terreno de praia que não serve para construir, para nada serve. Apelação desprovida.” (Ap. Civ. n° 70042261115, Rel. Des. Irineu Mariani, Julgado em 28-9-2011).
“Apelação Cível. Embargos à execução fiscal. IPTU. Imóvel situado em área de preservação ambiental. Limitação ao direito de propriedade que repercute na esfera tributária.
Pela Constituição Federal o âmbito do IPTU é a propriedade predial e territorial urbana (art. 156, I), ainda que o art. 32 do CTN estenda a base de incidência ao domínio útil e à posse, tidos como sua exteriorização.
De sua parte, o Código Civil não define a propriedade; todavia, enuncia os poderes do proprietário (art. 1.228). São, pois, elementos componentes da propriedade o direito: a) de ter e possuir a coisa e de usá-la (jus utendi); b) de fruir (jus fruendi) e c) de dispor seja materialmente (demolir, destruir, transformar, reconstruir, etc.) seja juridicamente (alienar, gravar, etc.) – (jus abutendi).
A lei, todavia, pode impor limitações ao direito de propriedade, no interesse público, geral ou administrativo, como a proibição de demolir edificações, por seu valor histórico ou artístico, ou de construir, em áreas de preservação ambiental ou ecológica.
A limitação ao direito de propriedade, sobre marcar até onde vai ou pode ir o arbítrio de seu titular, repercute na esfera tributária por IPTU. Na verdade soa desconchavo tributar o proprietário que nem assim é, e nem assim pode ser tido, por não dispor do imóvel em sua inteireza material e jurídica, expressão que é do domínio, por conta de limitação administrativa.
Apelo desprovido. Unânime” (Apelação Cível n° 70015524218, 21ª Câmara Cível, TJ/RS, Rel. Genaro José Baroni Borges, j. 5-7-2006, pub. 21-7-2006).
O certo é que o município não pode tributar por meio de IPTU a propriedade na qual incide a interdição de seu uso, caracterizando situação fática ensejadora de ação de desapropriação indireta.
Sempre que houver apossamento administrativo do imóvel, ou situação equivalente representada pela superveniência de normas ambientais que interditam o uso da propriedade, o IPTU não poderá ser cobrado.
E já está pacificada na jurisprudência de nossos tribunais (STF e STJ) a tese da indenização a ser perseguida por meio da ação de desapropriação indireta sempre que instrumentos normativos impliquem a retirada do conteúdo econômico de propriedade.
Transcrevemos, para perfeita compreensão da matéria, a ementa do acórdão proferido no Resp 786724, que versou sobre a indenização do loteamento atingido por lei municipal que declarou a área abrangida pelo loteamento como sendo de interesse turístico e ambiental:
“EMENTA:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC. PROPRIEDADE PRIVADA. EXPLORAÇÃO ECONÔMICA. LOTEAMENTO. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS. DECLARAÇÃO DE INTERESSE TURÍSTICO E AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO EM TESE RETORNO DOS AUTOS. ANÁLISE DA PROVA PERICIAL.
Ausência de violação ao art. 535 do CPC. Não está o Tribunal de origem obrigado a analisar cada um dos dispositivos de lei apontados pelo recorrente se já encontrou fundamentos suficientes para embasar a conclusão do julgado.
As limitações administrativas à propriedade privada, ainda que não acompanhadas de efetivo apossamento, se restringirem os poderes inerentes à propriedade privada, justificam o direito à indenização. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público.
Adquirida área territorial para instituir loteamento com o objetivo de futura exploração econômica, após autorização da municipalidade, que se responsabilizou pelas obras de infra-estrutura em troca da cessão de lotes, foram os recorrentes surpreendidos com a edição de lei municipal que declarou de interesse turístico e ambiental a área compreendida pelo loteamento.
Afasta-se a tese de que a simples limitação administrativa, sem apossamento, não gera direito à indenização, sem análise da prova pericial produzida.
Acolhimento do pedido subsidiário, devendo os autos retornar à Corte de origem, onde deverá ser analisada a perícia, quantificando-se, se for o caso, a indenização.
Recurso especial conhecido em parte e provido” (Resp nº 786724-SP, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 28-4-20016, p. 291).
Lamentavelmente a escorreita jurisprudência dos tribunais, afinada com o preceito constitucional da garantia de propriedade, vem sofrendo alteração para excluir da indenização as propriedades atingidas por restrições ambientais, invocando a tese da restrição administrativa não passível de qualquer tipo de indenização.
Trata-se, na verdade, de uma confusão entre restrições administrativas impostas por normas urbanísticas (recuos frontais, gabaritos de construção, metragem mínima para divisão das glebas urbanas, etc.), com restrições de natureza ambiental que atingem a disponibilidade econômica da propriedade pela interdição de uso, sem o qual falece à propriedade um de seus elementos constitutivos.
De qualquer forma, ainda que afastada o direito à indenização, o lançamento do IPTU não se sustenta, por violação do preceito constitucional da capacidade contributiva e consequente incidência da norma constitucional de veda o efeito confiscatório do tributo.
por Kiyoshi Harada - Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.
[1] Citam-se dentre outros os seguintes julgados: RE n° 267.817/SP, RE n° 134.297/SP; Resp n° 786.724/SP; Resp n° 408.172/SP; Resp n° 758.813/SC; e Resp n° 439.192/SP.
Fonte: Harada Advogados
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