terça-feira, 10 de novembro de 2015

10/11 Ágio por rentabilidade futura. Laudo e memória de cálculo. O caráter interpretativo do Art. 107 da Instrução Normativa RFB 1.515/14

As primeiras normas sobre o conceito, formação e amortização do ágio foram veiculadas pelo Decreto-lei nº 1.598/77. Vinte anos se passaram e sobrevieram modificações no ordenamento jurídico com o advento dos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97 que passou a reger a amortização contábil e fiscal do ágio em alguns casos de de incorporação, fusão ou cisão de sociedades. Em 2014 foi editada a Lei nº 12.973/14, para permitir que a legislação tributária passasse contemplar os efeitos fiscais decorrentes da adoção de novos critérios contábeis introduzidos no direito contábil brasileiro em razão da adoção de padrões internacionais de contabilidade. Entre 1º de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2013 (ou 2014) vigoraram regras de neutralidade fiscal no denominado "RTT".

As normas originais do Decreto-lei nº 1.598/77 estipulavam que contribuinte que viesse a adquirir investimento suscetível de ser avaliado pelo método da equivalência patrimonial deveria atribuir fundamento econômico ao ágio ou deságio de acordo com os seguintes critérios: (a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade; (b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros; e (c) valor de fundo de comércio, de intangíveis e outras razões econômicas. Tais normas atribuíam liberdade ao sujeito passivo para eleger um critério de qualificação para o fundamento econômico do ágio. Após o advento da Lei nº 9.532/97, os contribuintes passaram a dar preferência à qualificação do ágio como fundamentado em perspectiva de rentabilidade futura que, depois realizada uma operação de incorporação, fusão ou cisão, poderia ser deduzido no prazo mínimo de cinco anos (sessenta meses). Todavia, essa liberdade nunca significou que o ato pudesse ser absolutamente discricionário ou arbitrário: o adquirente da participação societária com ágio ou deságio tinha o dever de provar a existência potencial do fundamento econômico atribuído em cada caso. Logo, no caso de apuração do ágio por rentabilidade futura era necessário evidenciar que o valor pago pudesse ser justificado também - e não exclusivamente - pela perspectiva de lucros futuros, os quais - como se sabe - são governados pela álea econômica. Enfim, do contribuinte se exigia apenas que ele se munisse de estudos preparados com base em critérios técnicos de mensuração geralmente aceitos e devidamente pertinentes em cada caso. Nada obstante, muitos contribuintes foram autuados pelas autoridades fiscais em razão da ausência de laudos ou de problemas de caráter formal e material em laudos ou estudos apresentados como provas.

A Lei nº 12.973/14 modificou a legislação tributária em muitos aspectos e passou a exigir laudo de avaliação apenas e tão somente para apuração da mais-valia ou da menos-valia, sem cogitar o valor do ágio por rentabilidade futura. A referida Lei exige a apresentação de laudo de avalição em que sejam demonstrados os valores justos dos ativos e passivos da sociedade adquirida (independentemente de constarem ou não dos registros contábeis) em confronto com os respectivos valores contábeis. A diferença entre tais valores é tratada como mais valia ou menos valia e deverá ser baseada em laudo elaborado por perito independente que deverá ser protocolado na Secretaria da Receita Federal do Brasil ou cujo sumário deverá ser registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos. A apresentação do laudo é exigível ainda que o valor da mais-valia ou da menos-valia seja 0 (zero), na forma do disposto no § 3º do art. 92 da IN nº 1.515/14.

Ocorre, todavia, que a mesma Lei manteve em vigor, por mais algum tempo, as normas anteriores sobre esta matéria. O texto do art. 65 da Lei nº 12.973/14 é claro ao dispor que:

Art. 65. As disposições contidas nos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e nos arts. 35 e 37 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, continuam a ser aplicadas somente às operações de incorporação, fusão e cisão, ocorridas até 31 de dezembro de 2017, cuja participação societária tenha sido adquirida até 31 de dezembro de 2014.
Parágrafo único. No caso de aquisições de participações societárias que dependam da aprovação de órgãos reguladores e fiscalizadores para a sua efetivação, o prazo para incorporação de que trata o caput poderá ser até 12 (doze) meses da data da aprovação da operação.

Essa norma, como se vê, afirma que a legislação pretérita poderá vir a ser aplicada até 31 de dezembro de 2017 e anos seguintes até que sejam exauridos os efeitos fiscais em cada caso. Neste período, de acordo com as normas regulamentadoras contidas nos artigos 106 e 107 da IN nº 1.515/14, o sujeito passivo deverá: (a) cumprir as disposições da IN 11/99; (b) confeccionar e manter memória de cálculo relativa ao investimento considerando os métodos e critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007 e enviá-la às autoridades fiscais como parte integrante da Escrituração Contábil Fiscal-ECF; e, (c) manter demonstração sobre a apuração do ágio ou deságio.

Ao prever a confecção de uma simples memória de cálculo e não a apresentação de laudo formal produzido por pessoa independente, a norma assume o caráter de disposição de caráter interpretativo. Enfim, a norma interpreta a regra que dispõe sobre a prova da apuração do valor do ágio, inclusive, pois, o baseado em rentabilidade futura. A prova exigível é apenas e tão somente uma "memória de cálculo" que evidencie - com base nas informações da entidade - a perspectiva de obtenção de lucros futuros segundos os critérios técnicos usuais de avaliação de empresas ou de participações societárias. Para haver memória de cálculo é imprescindível que esses tenham sido feitos, e, para possam ser considerados credíveis, é necessário sejam auditáveis, isto é, que se possa aquilatar a coerência das informações contidas na memória de cálculo com as constantes dos sistemas gerenciais e contábeis da entidade.

Em razão do disposto no item I do art. 106 do Código Tributário Nacional, o caráter interpretativo e, por isso, retroativo, da norma interfere, sem sombra de dúvida, nas decisões ainda não definitivas das autoridades judiciais ou administrativas em que essa questão foi considerada e desde que o contribuinte tenha confeccionado um demonstrativo que possa ser qualificado como "memória de cálculo" digna de crédito. A título de exemplo, faço menção à decisão proferida pelo CARF no Processo no 15504.726513/2011-10 (acórdão no 1302-001.465) que manteve a glosa da amortização fiscal de ágio em razão da falta de laudo. Essa decisão, neste particular, deve ser revista se o sujeito passivo apresentar uma simples "memória de cálculo".

por Edmar Oliveira Andrade Filho  - Advogado e parecerista em São Paulo. Sócio de Andrade e Ramalho Advogados Associados. Contador e autor do livro "Créditos de PIS e COFINS sobre Insumos", 2010, Editora Prognose.

Fonte: FISCOSoft

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