A Lei nº
5.764/71, em seu artigo 24, parágrafo 3º, autoriza as Sociedades Cooperativas a
remunerarem o capital dos cooperados com juros de até 12% ao ano, conforme a seguir
descrito:
§ 3°. É
vedado às cooperativas distribuírem qualquer espécie de benefício às
quotas-partes do capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros
ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros excetuando-se os juros até
o máximo de 12% (doze por cento) ao ano que incidirão sobre a parte
integralizada.
No caso
específico das Cooperativas de Crédito, o artigo 7º da Lei Complementar nº 130,
de 17 de abril de 2009, estabeleceu a seguinte regra, sobre a remuneração do
capital social:
Art. 7º É
vedado distribuir qualquer espécie de benefício às quotas-parte do capital,
excetuando-se remuneração anual limitada ao valor da taxa referencial do
Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic para títulos federais.
Por outro
lado, a Resolução nº 18/78, do Conselho Nacional do Cooperativismo (CNC)¹,
estabeleceu que as Sociedades Cooperativas somente poderão atribuir juros ao
capital dos sócios quando forem apuradas sobras.
O CONSELHO
NACIONAL DE COOPERATIVISMO, em sessões realizadas em 13 de dezembro de 1978,
com base no disposto no artigo 97, item II, da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro
de 1971. RESOLVEU:
I - As
sociedades cooperativas somente poderão pagar juros sobre o valor das
quotas-partes integralizadas do capital quando tiverem sido apuradas sobras.
II - Esta
Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
Brasília,
13 de dezembro de 1978.
Alysson
Paulinelli
Presidente
De imediato,
é importante entendermos a razão pela qual o legislador definiu que as
Sociedades Cooperativas somente poderão atribuir juros ao capital dos sócios
quando forem apuradas sobras.
Um dos
princípios básicos que rege as Sociedades Cooperativas, segundo a Aliança Cooperativa
Internacional (ACI), é o princípio da participação econômica dos associados,
pois os cooperados contribuem equitativamente e controlam democraticamente o
capital de sua cooperativa.
O artigo 80
da Lei nº 5.764/71 prevê que as despesas da sociedade serão cobertas pelos
associados mediante rateio na proporção direta da fruição de serviços, podendo
haver o rateio, em partes iguais, das despesas gerais da sociedade entre todos
os associados, quer tenham ou não, no ano, usufruído dos serviços por ela
prestados, conforme definido no estatuto.
Outrossim,
o inciso VII do art. 4º desta mesma lei estabeleceu a regra do retorno das
sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo
associado, salvo deliberação em contrário da Assembleia Geral.
As sobras,
via de regra, correspondem ao excesso de contribuições dos associados para a cobertura
das despesas da sociedade, pois as cooperativas realizam suas operações sem
qualquer finalidade lucrativa, conforme definido no artigo 3º da Lei nº
5.764/71 ².
Diante do
exposto, é fácil concluir que, não havendo sobras, não há como remunerar o
capital social dos cooperados, pois os referidos juros são lançados no resultado
do exercício, fazendo com que as sobras líquidas sejam reduzidas. Portanto, os
juros sobre o capital social, nas sociedades cooperativas, resultam da própria
contribuição dos cooperados.
Diferentemente,
nas empresas de capital o propósito de remuneração de juros sobre o capital
social é bem distinto, desde o procedimento de cálculo desses juros, como em
relação à condição de remuneração de juros ao capital, conforme previsto no artigo
9º da Lei nº 9.249/95, a seguir transcrito:
Art. 9º A
pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os
juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas,
a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio
líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo -
TJLP.
§ 1º O
efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de
lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e
reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os
juros a serem pagos ou creditados. (Redação dada pela Lei nº 9.430, de 1996)
Nota-se que
os juros sobre o capital, previstos no artigo 9º da Lei nº 9.249/95, são
calculados sobre as contas do patrimônio líquido, pela taxa de juros de longo
prazo (TJLP), porém, o produto resultante deste cálculo é revertido na
proporção do capital dos sócios/acionistas, podendo resultar em um benefício muito
superior aos juros legais autorizados para as cooperativas.
Nota-se,
também, que a remuneração dos juros sobre o capital próprio, no caso das empresas
de capital, independe da existência de lucros no exercício, pois é possível a
utilização de lucros acumulados e reserva de lucros, conforme parágrafo 1º do
art. 9º da Lei nº 9.249/95.
Outro fato relevante
é que o artigo 347 do Decreto nº 3.000/99 prevê a dedutibilidade dos juros na
apuração do lucro real da pessoa jurídica, enquanto que o § 2º desse mesmo
artigo prevê a incidência do imposto na fonte, na forma prevista no art. 668 do
RIR/99, conforme descrito a seguir:
Art. 347. A
pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos de apuração do lucro real, os
juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas,
a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do
patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de
Longo Prazo - TJLP (Lei nº 9.249, de 1995, art. 9º).
§ 1º O
efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de
lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e
reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os
juros a serem pagos ou creditados (Lei nº 9.249, de 1995, art. 9º, § 1º, e Lei
nº 9.430, de 1996, art. 78).
§ 2º Os
juros ficarão sujeitos à incidência do imposto na forma prevista no art. 668
(Lei nº 9.249, de 1995, art. 9º, § 2º).
O artigo
668 do RIR/99, enfaticamente, estabelece a incidência de imposto de renda na
fonte, mas apenas sobre os juros calculados sobre as contas do patrimônio
líquido, na forma prevista no art. 347 do regulamento:
Art. 668.
Estão sujeitos ao imposto na fonte, à alíquota de quinze por cento, na data do
pagamento ou crédito, os juros calculados sobre as contas do patrimônio
líquido, na forma prevista no art.347 (Lei nº 9.249,de 1995, art. 9º,§2º).
De outro lado,
inexiste previsão no RIR/99 sobre a incidência de tributação sobre os juros
pagos pelas cooperativas sobre o capital integralizado:
Art. 348.
São dedutíveis os seguintes encargos:
.......................
II - os
juros pagos pelas cooperativas a seus associados, de até doze por cento ao ano
sobre o capital integralizado (Lei nº 4.506, de 1964, art. 49, parágrafo único,
e Lei nº 5.764, de 1971, art. 24, § 3º).
Nesse contexto,
é importante observar que as empresas de capital possuem o privilégio de poder
remunerar o capital com juros calculados pela TJLP aplicada sobre o patrimônio
líquido (capital e reservas), o que pode gerar uma remuneração elevada,
conforme exemplificado anteriormente, utilizando-se, para tanto, os lucros, lucros
acumulados e reservas de lucros, além do benefício da empresa poder lançar tais
juros como despesa dedutível, para fins de cálculo do imposto de renda e
contribuição social. Assim, o imposto de renda na fonte com alíquota de 15% (quinze
por cento) sobre os juros do capital próprio, via de regra, importa em uma
economia fiscal para as empresas de capital na ordem de 34% (trinta e quatro
por cento), ou seja, 25% de imposto de renda e 9% de contribuição social. No caso
específico dos Bancos, a economia tributária é ainda maior, pois a contribuição
social é devida pela alíquota de 15%, sendo assim, o benefício fiscal passa para
40%, sendo 25% de imposto de renda e 15% de contribuição social.
Este
benefício não ocorre para as sociedades cooperativas, ainda que o artigo 348 do
RIR/99 preveja a dedutibilidade dos juros pagos a seus associados, simplesmente
porque o resultado das cooperativas, denominado de sobras, não sofre tributação.
Em síntese,
é justa a tributação dos juros sobre o capital próprio, nos termos do artigo
347 do RIR/99, pois os referidos juros reduzem o lucro tributável e, consequentemente,
a carga tributária nas empresas de capital.
No caso das
cooperativas, as sobras não constituem renda tributável da pessoa jurídica (cooperativa),
pois as sobras pertencem aos cooperados, assim, as cooperativas não usufruem do
benefício pela dedutibilidade dos juros sobre o capital social, logo, não faz
sentido a tributação dos juros pagos ou capitalizados, uma vez que referidos os
juros apenas reduzem as sobras que não são sujeitas à tributação, mas não
reduzem a tributação na pessoa jurídica, como ocorre nas sociedades de capital.
Em outras
palavras, no caso da empresa de capital, a incidência de juros sobre o capital
importa na transferência de patrimônio da pessoa jurídica para os sócios ou
acionistas, enquanto que na sociedade cooperativa a incidência de juros sobre o
capital não implica em acréscimo patrimonial aos associados, pois os juros que
lhe são pagos e/ou creditados são oriundos das sobras que já lhes pertencem.
Diante da
lacuna legal sobre a tributação do imposto de renda sobre os juros de até 12%
ao ano pago pelas Sociedades Cooperativas, a Receita Federal considera que os
referidos juros se enquadram no conceito de Juros em geral, sobre o qual se
aplica a alíquota de 20% de IRF, conforme manifestação expressa nas soluções de
consultas a seguir transcritas:
“Superintendência
Regional da Receita Federal 9ª Região Fiscal Solução de Consulta nº 25, de 12 de
fevereiro de 2004
Assunto:
Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
Ementa: Os
juros até o limite de 12% ao ano, pagos ou creditados pelas cooperativas a seus
associados, a título de remuneração do capital social, estão sujeitos à
retenção do imposto de renda na fonte à alíquota de 20%.”
“Superintendência
Regional da Receita Federal 1ª Região Fiscal Decisão nº 168, de 26 de junho de
2000
Assunto:
Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
Ementa: JUROS
PAGOS POR COOPERATIVAS. Os juros pagos pelas cooperativas a seus associados pessoas
físicas, como remuneração do capital social, sofrerão tributação exclusiva da
fonte, à alíquota de 20%, na data do pagamento ou crédito, não podendo, no
entanto, ser compensado na declaração de Ajuste Anual.”
“Superintendência
Regional da Receita Federal 1ª Região Fiscal Solução de Consulta nº 99, de 13
de dezembro de 2001
Assunto:
Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
Ementa: JUROS
PAGOS POR COOPERATIVAS. Os juros pagos pelas cooperativas a seus associados pessoas
físicas, como remuneração do capital social, sofrerão tributação exclusiva da
fonte, à alíquota de 20%, na data do pagamento ou crédito.”
Diante do
exposto, concluímos que não existe base legal para a tributação dos juros pagos
ou creditados pelas Sociedades Cooperativas sobre o capital dos seus sócios,
nos termos previstos no artigo 24, § 3º da Lei nº 5.764/71, em que pese o entendimento
da Receita Federal, manifestado através de soluções de consulta. Sendo assim,
diante de todo o exposto, entendemos que as Cooperativas devem recorrer ao Judiciário,
visando isentar-se dessa tributação.
Não menos
importante é a questão de contabilização dos juros sobre o capital próprio,
cujo tema foi tratado pela Receita Federal, através da Instrução Normativa SRF
nº 41/98, a qual estabeleceu:
Art. 1º.
Para efeito do disposto no artigo 9º da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de
1995, considera-se creditado, individualizadamente, o valor dos juros sobre o
capital próprio, quando a despesa for registrada, na escrituração contábil da pessoa
jurídica, em contrapartida a conta ou subconta de seu passivo exigível,
representativa de direito de crédito do sócio ou acionista da sociedade ou do
titular da empresa individual.
Nota-se que
o RIR/99 autoriza a dedutibilidade dos juros pagos pelas pessoas jurídicas aos
seus sócios, e ao mesmo tempo a Receita Federal estabelece que a dedutibilidade
dos juros ocorre quando a despesa for registrada, mostrando que a redução do
lucro tributável ocorre pelo registro contábil dos juros na conta de despesa.
De outro lado,
a Deliberação CVM nº 207/96 estabeleceu que os juros pagos ou creditados pelas companhias
abertas, a título de remuneração do capital próprio, na forma do artigo 9º da
Lei nº 9.249/95, devem ser contabilizados diretamente à conta de Lucros
Acumulados, sem afetar o resultado do exercício. A CVM se reporta
especificamente aos juros sobre o capital próprio, previstos no artigo 9º,
orienta a forma de contabilização aplicável às Cias de capital aberto, as quais
estão subordinadas à CVM, portanto, tal norma não se aplica às Sociedades
Cooperativas.
Conforme já
foi reportado anteriormente, nas Sociedades Cooperativas somente é permitida a remuneração
de juros sobre o capital social quando forem apuradas sobras, de forma que os referidos
juros devem ser lançados como despesas/dispêndios, a fim de que as sobras sejam
ajustadas para fins de cálculo das destinações legais e estatutárias e apuração
das sobras líquidas à disposição da Assembleia Geral.
¹ O
Conselho Nacional do Cooperativismo foi instituído pela Lei nº 5.764/71, art. 97,
cabendo a este órgão, dentre outras, a competência para baixar normas regulamentadoras,
complementares e interpretativas, da legislação cooperativista.
² Celebram
contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a
contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de
proveito comum, sem objetivo de lucro.
Por Contador
Dorly Dickel - Integrante da Comissão de Estudos sobre Contabilidade do Setor Cooperativo
do CRCRS
Fonte: Revista CRC/RS n° 21
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