A reorganização societária das Bolsas de Valores de São Paulo (Bovespa e BM&F), que passaram a operar não mais como associações civis isentas mas via sociedades anônimas, gerou um contencioso tributário intitulado “desmutualização”, que, ante o impacto das autuações lavradas pela Receita Federal, provocou até a necessidade de aperfeiçoamento das condições de um parcelamento especial, como acaba de ser formatado pelo artigo 145 da Lei 13.097/15.
Como outra novidade, a causa recebeu uma importante decisão no Carf, com cancelamento de autuação, de IRPJ e CSLL, que apontava que uma corretora não teria oferecido à tributação o ganho de capital na alienação da participação na associação civil, bem como omitido o ganho não operacional auferido no recebimento da participação no patrimônio da entidade isenta; decisão assim ementada:
Acórdão 1103-001.047 (publicado em 08.01.2015)
BOLSAS DE VALORES CONSTITUÍDAS SOB A FORMA DE ASSOCIAÇÕES CIVIS. DESMUTUALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CISÃO.
Os acréscimos de valor dos títulos patrimoniais decorrentes de valorização do patrimônio social das bolsas de valores constituídas sob a forma de associações civis sem fins lucrativos não constituem receita nem ganho de capital das sociedades corretoras associadas, autorizando-se a sua exclusão na apuração do lucro real desde que não sejam distribuídos e formem reserva para oportuna e compulsória incorporação ao capital.
As associações civis são passíveis de cisão, não se limitando tal instituto apenas às pessoas jurídicas reguladas especificamente pela Lei Societária (Lei 6.404/1976).
A desmutualização das bolsas de valores processo de reorganização da sua estrutura societária, alterando-as de associações civis sem fins lucrativos para sociedades anônimas não resulta em receita tributável sujeita à incidência de IRPJ e CSLL nas corretoras decorrente da valorização dos títulos patrimoniais (avaliados pelo valor contábil atualizado pelo patrimônio líquido das bolsas) permutados por ações. Descabida a alegação do Fisco de devolução de patrimônio das bolsas às corretoras associadas.
Omissão sepultada
Julgando causa de omissão de rendimentos em conta bancária, Turma do Carf decidiu que já não pode ser mais caracterizada a omissão se o titular da conta faleceu, pois a intimação para comprovar a origem dos recursos é personalíssima, não podendo ser cumprida por mais ninguém; fato que esvazia, no caso concreto, a aplicação da norma; assim ementado e fundamentado:
Acórdão 2202-002.913 (publicado em 14.01.2015)
OMISSÃO DE RENDIMENTOS - DEPÓSITOS BANCÁRIOS – CONTA BANCÁRIA MOVIMENTADA PELO "DE CUJUS" – LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO REALIZADO CONTRA O ESPÓLIO – OBRIGAÇÃO PERSONALÍSSIMA
A responsabilidade pela comprovação da origem dos recursos, para efeito do disposto no artigo 42 da Lei n° 9.430, de 1996, por ser uma obrigação personalíssima, deve ser imputada, exclusivamente, ao titular de direito ou de fato da conta-corrente.
Portanto, não há como imputar ao espólio a obrigação de comprovar depósitos bancários feitos à época em que o contribuinte titular de fato da conta-corrente era vivo. Nessas condições, não subsiste a ação fiscal levada a efeito, desde o seu início, contra o espólio e a inventariante.
Voto (...)
No caso de procedimento fiscal instaurado após a morte do contribuinte, tendente a averiguar a regularidade dos depósitos efetuados em contas de titularidade do de cujus, há que se fazer uma divisão temporal quanto a responsabilidade pela comprovação da origem destes depósitos: depósitos efetuados antes e depois da abertura da sucessão.
Visto que o titular da conta, antes da abertura da sucessão, era o de cujus, é a ele a quem se deve imputar o ônus de comprovar a origem dos depósitos efetuados até sua morte, não se podendo transferir tal responsabilidade ao espólio. Assim, sendo a intimação neste caso materialmente impossível, a presunção vista no art. 42 da Lei nº 9.430, de 1996, não se aperfeiçoa em relação aos depósitos efetuados à época em que o contribuinte era vivo.
No caso concreto, não foram atendidos os requisitos que asseguram a legalidade do lançamento no período que antecede a abertura da sucessão. Não é juridicamente possível exigir-se de qualquer pessoa a explicação sobre a movimentação financeira em conta bancária em que não é titular. O fato de uma conta ter sido movimentada por seu esposo ou pai, não a credencia a poder prestar os referidos esclarecimentos.
Compensação em Refis
O Carf, apreciando desdobramentos tributários do Refis da Crise (Lei 11.941/09), já decidiu que (a) débitos parcelados, que se refiram a períodos anteriores a cinco anos, não podem ser reconhecidos para reduzir o resultado e (b) que a diminuição do passivo com o uso de prejuízo é tributável (Acórdão 1402-001.478); também (c) que a redução dos juros de mora para pagamento à vista não deve compor o resultado (Acórdão 1402-001.495).
Agora, apreciando causa de compensação, na qual ficou controvertida parte do direito creditório, pois recolhido com juros de mora a menor, Turma do Carf reconhece a possibilidade, já que conforme benefício do Refis da Crise; assim ementado:
Acórdão 3803-006.831 (publicado em 08.01.2015)
JUROS DE MORA. REDUÇÃO AUTORIZADA POR LEI. DIREITO CREDITÓRIO COMPROVADO.
A Lei nº 11.941, de 2009, autoriza a redução de 45% dos juros de mora no pagamento de débitos vencidos até 30 de novembro de 2008, em razão do quê se deve reconhecer o direito creditório que havia sido indeferido indevidamente com fundamento no recolhimento a menor do referido acréscimo legal.
Segurança jurídica
Enfrentando uma autuação por classificação incorreta em importação, Turma do Carf mantém a desoneração do crédito tributário, inadmitindo apreciação contraditória do fisco; o que, em processo civil, se manifestaria na proibição do venire contra factum proprium; assim ementado:
Acórdão 3403-003.481 (publicado em 05.01.2015)
CLASSIFICAÇÃO FISCAL. IMPORTAÇÃO MODALIDADE ANTECIPADA.
Por imperativo de segurança jurídica, se a Administração autoriza que seja adiantada a importação mediante determinada classificação, baseada na mesma descrição que foi posteriormente utilizada nas declarações de importação, apenas a existência de divergência entre a descrição informada e a descrição concreta do equipamento poderia autorizar a mudança de entendimento da classificação fiscal.
Se não se demonstra divergência entre a descrição concreta do equipamento e a descrição constante na DI e no processo que autorizou a importação antecipada, deve ser mantida a classificação fiscal.
Decisões variadas
a) No Acórdão 9303-003.048 (publicado em 19.12.2014), a CSRF do Carf rejeita que vendas para a ZFM usufruam, sempre, de benefícios para exportação; aduzindo que o tratamento do DL 288/67, que equiparou a exportações as vendas para a ZFM, só tinha efeito para a tributação vigente em 1967, não para as previsões posteriores; e que o que vigorou a partir de 2004 foi uma alíquota zero para a COFINS; assim ementado: “as vendas para a Zona Franca de Manaus, deixaram de ser tributadas somente após a edição da MP n° 202, de 23 de julho de 2004, que reduziu a zero a alíquota aplicável sobre essas receitas”.
b) Duas decisões adotam posições diametralmente opostas em relação à legalidade:
- No Acórdão 1301-001.558 (publicado em 12.01.2015), Turma do Carf não vê como obrigatória a indicação da base legal de alíquota utilizada na tributação; assim ementado: “não consta como exigência formal do auto de infração (art. 10 do Dec. 70.235/72) a indicação do dispositivo legal que veicula a alíquota, bastando à determinação da exigência (inciso V), requisito formal que é atendido no “DEMONSTRATIVO DE APURAÇÃO” do auto de infração, no qual vem à base de cálculo e a indicação expressa do percentual da alíquota aplicada. A não indicação do dispositivo legal que veicula a alíquota não induz cerceamento de defesa”.
- Já em outro sentido, no Acórdão 2403-002.879 (publicado em 12.01.2015) Turma do Carf anula processo e exonera o crédito, pois no Auto de Infração só constavam os números dos diplomas normativos invocados, mas sem os específicos artigos de lei utilizados; assim ementado: “apresentação de fundamentação legal insuficiente caracteriza vício material”.
por Mary Elbe Gomes Queiroz é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.
Antonio Elmo Queiroz é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.
Fonte: Conjur
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