Usualmente o fisco desconsidera operações e contratos dos contribuintes, mas apenas para negar efeito tributário; sem afetar a continuidade, jurídica e fática, das operações e contratos. No caso abaixo, a autuação foi além, pois, para cobrar Contribuições Previdenciárias, desconsiderou para todos os efeitos uma pessoa jurídica, inclusive com baixa no CNPJ, por considerá-la inexistente de fato.
E Turma do CARF manteve a autuação, ressaltando ser também aplicável o art. 50 do Código Civil, que dá poderes para o Judiciário desconsiderar; assim ementado e fundamentado:
Acórdão 2803-003.925 (publicado em 06.01.2015)
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE.
Restou devidamente comprovado a utilização indevida de empresa com o desiderato único de obter benefício tributário indevido, há de se aplicar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Relatório (...)
De acordo com o Relatório Fiscal (fls. ), foram identificados elementos aptos a demonstrar que a “KK” (não optante pelo Simples Nacional) e a “AA” (optante pela referida sistemática) constituem, de fato, uma única empresa, pelo que a fiscalização: emitiu representação administrativa para a baixa de oficio da inscrição da “AA” no CNPJ - Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas; considerou os empregados e sócios formalmente vinculados à “AA” como empregados e sócios da “KK”; e em consequência disto, lavrou em nome da “KK” os Autos de Infração no 51.043.2522 e 51.043.2530, relativos às contribuições incidentes sobre as remunerações pagas aos mencionados trabalhadores.
Voto (...)
No caso concreto, a fiscalização logrou êxito em delinear os requisitos ensejadores do grupo econômico com relação às empresas recorrentes.
Conforme foi descrito no relatório fiscal (fls. 41/54) e na decisão recorrida a fiscalização apresentou todos os elementos de formação e alterações contratuais das recorrentes. Ora, as duas empresas atuam no ramo da alimentação e funcionam no mesmo endereço, possuindo os mesmo procuradores. (...)
Compõe grupo econômico de fato as empresas controladas e administradas conjunta e unitariamente, de forma que se confunde em um grupo de pessoas a administração e controle interno, e a própria atuação de mercado. Foi verificada a confusão na participação acionária, o controle comum da atividade empresarial e a identidade de sede das sociedades.
Assim, entendo que houve a demonstração dos requisitos necessários do grupo econômico (art. 30, IX da Lei n° 8.212/91 c/c art. 2º, § 2º da CLT). Deve-se, portanto, neste ponto, se manter a decisão recorrida lavrada contra o contribuinte.
Da Desconsideração da Personalidade Jurídica
Pode-se conceituar a desconsideração da personalidade jurídica como sendo na essência, que em determinada situação fática a Justiça despreza ou “desconsidera” a pessoa jurídica, visando a restaurar uma situação em que chama a responsabilidade e impõe punição a uma pessoa jurídica, que seria autêntico obrigado ou o verdadeiro responsável, em face da lei ou do contrato.
Dessa forma, a desconsideração da personalidade é essencial para punir abusos e impedir práticas ilícitas.
Nessa senda, destaca-se o art. 50 do Código Civil, em destaque:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Depreende-se da dicção do referido artigo que é necessário utilizar-se desse aparato jurídico em algumas situações definidas em Lei. Dessa maneira, as hipóteses de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica merecem apreciação. (...)
Ademais, tem-se o entendimento de que, apesar da possibilidade de aplicação do art. 50 do Código Civil de 2002, a autoridade fiscal possui o poder de apurar o crédito tributário de maneira a afastar a personalidade jurídica face à autorização proveniente do próprio Código Tributário Nacional. Assim, prepondera que essa atitude revela as nuanças de utilização do afastamento da personalidade jurídica.
Logo, também, entende-se que para a o Ordenamento jurídico Brasileiro, assim como para o direito tributário, faz-se presente a possibilidade de aplicação da desconsideração ou da personalidade jurídica. (...)
Ocorre que, no caso ora em apreço restou devidamente comprovado que a empresa “X” utilizou-se indevidamente da empresa “Y com o desiderato único de obter benefício tributário indevido, conforme bem descrito no Relatório Fiscal (fls. 16/38), há de se aplicar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
por Elmo Queiroz - Advogado sócio de Queiroz Advogados Associados. Vice-presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (IPET). Pós-graduação em Direito Tributário (IBET/SP) e em Docência do Ensino Superior (UFRJ/RJ).
Fonte: Foco Fiscal
Nenhum comentário:
Postar um comentário