Se a multa máxima da Lei Anticorrupção fosse aplicada nos processos investigados pela Operação Lava-Jato, as empresas que respondem a processos administrativos abertos pela Controladoria-Geral da União (CGU), pagariam juntas quase R$ 5 bilhões. A mais afetada seria a Construtora OAS, que poderia ser condenada ao valor de R$ 1,026 bilhão, seguida pela Construtora Queiroz Galvão, cuja pena chegaria a R$ 970,6 milhões. Já o valor mínimo a que conjuntamente poderiam ser condenadas seria R$ 26,12 milhões.
Os cálculos apresentados foram feitos a partir da receita bruta extraída do balanço de 2013 das companhias. Elas são investigadas pela CGU com base nas Leis de Licitações (8.666, de 1993) e a Anticorrupção (12.846, de 2013).
Segundo o ex-ministro da CGU Jorge Hage, as companhias são investigadas por situações ocorridas após 29 de janeiro do ano passado, data em que a lei entrou em vigor. "Há indicações de que houve fatos posteriores no caso das envolvidas na Lava-Jato". Segundo Hage, caberá à comissão que investiga cada caso confirmar.
A norma estipula como punição às empresas, comprovadamente envolvidas em atos ilícitos contra a administração pública, multas que variam de 0,1% a 20% sobre o faturamento bruto - relativo ao exercício anterior ao da instauração do processo administrativo. A pena máxima é a dissolução da empresa, o que só pode ocorrer por ordem judicial.
Esses inquéritos são os primeiros abertos pela CGU a partir da nova lei. Apesar de completar um ano de vigência hoje, a legislação segue sem regulamentação. Por essa razão, juntamente com lacunas apontadas por especialistas, a expectativa é de que pouquíssimas empresas colaborem com investigações administrativas a fim de reduzir possíveis multas - ainda que os valores sejam altos.
Os acordos de leniência também não contam com a participação obrigatória do Ministério Público, fato que é apontado como uma falha e fator de insegurança para as empresas. Por meio desses pactos, as pessoas jurídicas podem reduzir em até dois terços as multas que venham a sofrer, mas a norma não inibe processos judiciais, cível ou penal, contra a companhia, funcionários e seus executivos.
O promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão à formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro de São Paulo, Arthur Pinto Lemos, acredita que não será possível às empresas realizarem acordos sem o envolvimento do Ministério Público e afirma que nesse ponto a lei foi infeliz, por não propiciar abertamente um regime de força-tarefa entre o órgão e as controladorias. "Na prática, contudo, acho que todo bom advogado quando se sentar para fazer algum acordo vai exigir a presença do MP, sob pena de o ajuste que sair ter furos", afirma.
De acordo com um advogado que preferiu não se identificar, a lei não estimula acordos, pois no Brasil esses pactos só reduzem a pena e não protegem o executivo. O Ministério Público, além disso, possui o entendimento de que sempre deve processar criminalmente os envolvidos nessas situações.
Para o subprocurador-geral da República e coordenador da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), que trata do Combate à Corrupção, Nicolao Dino, o órgão tem a obrigação legal de promover ação penal se houver elementos para tanto, mas terá acesso e poderá considerar o acordo de leniência quando pedir a aplicação de penalidade no Judiciário. Ele diz que serão levadas em conta as condições econômicas da empresa, o grau de colaboração etc. Mas como não há nada na lei sobre a questão, a aplicação da pena vai depender do magistrado.
O procurador afirma, porém, que "não necessariamente, um acordo de leniência gerará um processo judicial". Segundo ele, isso pode ocorrer porque deve existir uma atuação conjunta entre MPF e CGU, de forma que o acordo possa levar à identificação de outros envolvidos.
O desembargador Fausto Martin De Sanctis, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso), especialista em casos de lavagem de dinheiro, acredita que os magistrados deverão considerar em suas decisões a colaboração de quem firmou acordo.
Apesar disso, De Sanctis defende a punição das empresas na esfera cível e a responsabilização criminal das pessoas físicas envolvidas paralelamente nos crimes. No caso de companhias de capital aberto, por exemplo, ele indica que membros do conselho de administração, assim como da diretoria devem ser investigados. "No campo criminal tem que ser apurada a responsabilidade do conselho porque ele dá aval para os atos da diretoria", diz.
O desembargador não exclui a aplicação da Lei Anticorrupção em relação às auditorias independentes. "Elas fazem a checagem in loco para saber se as informações contábeis batem com a realidade da empresa. E já há também caso de auditor responsabilizado na esfera criminal em relação a um banco", afirma.
Para De Sanctis, a principal importância da Lei Anticorrupção é seu efeito didático e preventivo e porque suas penas são compatíveis com a gravidade dos atos.
O professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas Luciano de Souza Godoy concorda e acredita que a lei poderá gerar um círculo virtuoso de combate à corrupção. Ainda assim, principalmente em relação a valores, ele entende que a norma será judicializada, pois além da multa, a companhia terá o nome inserido em um cadastro de empresas punidas. Fato que, segundo ele, vai contra as expectativas do Executivo em relação à norma.
O ex-ministro da CGU avalia, porém, que se for preciso aguardar o Judiciário punir as empresas por corrupção será necessário esperar, 10, 15, 20 anos. "Se esperarem que a impunidade acabe somente pelo Judiciário, não acabará", diz. Ele afirma que a esfera administrativa é eficaz, o que é comprovado pelo fato de o órgão já ter tirado do seus quadros mais de cinco mil agentes públicos envolvidos em algum tipo de ilícito e o percentual de retorno desses condenados a suas funções, por decisão judicial, não passar de 10%. "O mesmo vai acontecer em relação à Lei Anticorrupção. Qualificamos nosso pessoal para garantir o respeito à ampla defesa e ao contraditório e, por isso, quem quiser ir ao Judiciário que vá", afirma.
Procuradas, OAS e Queiroz
Galvão preferiram não se pronunciar sobre o assunto.
Fonte: Valor Econômico
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