A reforma trabalhista foi aprovada na Câmara dos Deputados após colecionar algumas polêmicas. A maior delas ocorreu na última semana; na terça-feira (18/04), o governo foi derrotado na votação do requerimento de urgência para PL 6787/2016. No dia seguinte, no entanto, um novo requerimento de urgência foi apresentado, e dessa vez a base do governo conseguiu a aprovação da medida. Durante a votação do segundo requerimento, os deputados da oposição exibiam cartazes criticando o “método Cunha”, em referência à prática que o ex-presidente da Câmara empregava de submeter, sucessivamente, a mesma proposição, até que a aprovação fosse atingida. Na mesma linha, a imprensa falava de uma “manobra” de Rodrigo Maia. Contra a votação, o PSOL recorreu ao Supremo. Alegou que o regimento proibiria nova votação sobre matéria idêntica já rejeitada, e que a aceleração da tramitação prejudicaria a deliberação do projeto. Com a aprovação do projeto na Câmara, a ação deve provavelmente perderá seu objeto, contudo, o debate se mantém.
Mas a prática justifica a intervenção do Supremo?
Para responder a pergunta, é preciso entender o que significa aprovar a urgência. São duas principais consequências. Primeiro, o encurtamento dos prazos. A matéria urgente é rapidamente submetida ao plenário, e as comissões deverão apresentar relatórios sobre a matéria a toque de caixa. Segundo, a limitação na apresentação de emendas à proposição discutida. Apenas a Comissão que apreciou o projeto, ou 1/5 dos membros da Câmara, poderão apresentar emendas em caso de urgência. Isto é, tramitação mais rápida e menos chances de discussão da matéria.
Essas consequências, porém, são determinadas pelo regimento. Em seus nove artigos sobre processo legislativo de leis ordinárias, a Constituição Federal não disciplinou a questão. Abriu espaço para a regulamentação pelas próprias casas legislativas, através da edição dos regimentos internos. O tempo de deliberação das proposições e a possibilidade de apresentação de emendas, em princípio, não são matérias constitucionais, mas sim regimentais.
No caso do Regimento Interno da Câmara, ao contrário da argumentação levantada pelo PSOL, nada impede que sejam formulados sucessivos pedidos de urgência, ainda que de idêntico teor, pois o artigo 163 é claro ao dizer que apenas se considera prejudicado “o requerimento com a mesma, ou oposta, finalidade de outro já aprovado”, o que não se aplica ao caso, eis que o primeiro requerimento foi rejeitado. Portanto, a votação sucessiva visando a aceleração da tramitação não se tratou de uma “manobra”, mas sim da utilização de um mecanismo concebido pelo órgão que tem a competência para cuidar da matéria.
Se as normas procedimentais da Câmara não proíbem a votação sucessiva de requerimentos de urgência, e se o mesmo Regimento autoriza que temas tão sensíveis sejam incluídos na pauta do plenário da noite para o dia, pegando os parlamentares e a população de surpresa, o problema não parece ser jurídico, mas sim do desenho do processo legislativo editado pelos deputados a partir da autorização da Constituição. O problema é da Câmara e de seus parlamentares; a estes cabe definir os poderes da maioria, a forma de exercício das obstruções, a previsibilidade da tramitação e da pauta.
O tema da reforma trabalhista é politicamente disputado, divide a opinião de especialistas, e parece impopular. Contudo, nada disso é motivo suficiente para exigir uma intervenção do Supremo no caso. No contexto da crise política, houve uma aceleração e intensificação das intervenções de juízes sobre o processo legislativo. Contudo, o processo legislativo é, em grande parte, uma criação dos próprios legisladores; de acordo com a própria jurisprudência do Supremo, a intervenção judicial deve ser excepcional – apenas quando estiverem em jogo, no caso de propostas de emenda à Constituição, a patente violação de alguma das cláusulas pétreas, ou quando houver violação de regra regimental que reproduza exigências diretamente previstas na Constituição. Mais uma vez, esse não é o caso do projeto de reforma trabalhista. Para que ainda faça sentido dizer que a intervenção judicial nesses casos é excepcional, o Supremo deve deixar a política fazer o seu papel.
por Luiz Fernando Gomes Esteves - Professor do Cefet-RJ e mestre em Direito Público pela UERJ
Fonte: Jota
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