quarta-feira, 3 de maio de 2017

Sanções contra a irresponsabilidade fiscal

Infelizmente, estamos a ver que a desobediência ao tripé orçamentário – equilíbrio fiscal, transparência e planejamento orçamentário – vem gerando uma severa e grave situação financeira para diversos Estados brasileiros, fulminando a saúde das contas públicas e prejudicando toda a sociedade.

O advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) trouxe a lume, no âmbito do Direito Financeiro, uma preocupação que se insere na discussão da teoria geral do direito: o que fazer quando uma determinada norma jurídica proibitiva não é cumprida espontaneamente?

Por isso, a LRF, que tem por escopo estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, prevê a punição à irresponsabilidade fiscal de diversas formas, as quais podem ser agrupadas em dois níveis ou espécies: a) sanções institucionais; e b) sanções pessoais.

As sanções institucionais são de natureza financeira e atingem o próprio ente federativo, órgão ou poder que descumprir uma regra que lhe foi imposta em matéria financeira. Essas punições consistem em três tipos: 1) suspensão de transferências voluntárias (exceto para a saúde, assistência social e educação); 2) suspensão de contratação de operações de crédito; 3) suspensão de obtenção de garantias.

O objetivo principal destas sanções, as quais recaem sobre os próprios entes federados, é compelir o respectivo ente a cumprir as determinações legais em matéria de responsabilidade fiscal, por meio da ferramenta de restrição ao acesso a recursos financeiros vindos daquelas operações.

Contudo, em que pese o caráter pedagógico desta espécie de sanção, é a população em geral do ente federado aquela mais afetada, pois poderá não receber os bens e serviços que deveriam ser prestados pelo Estado se este não mais dispuser dos recursos necessários a partir das restrições mencionadas.

Apenas para exemplificar, uma das sanções institucionais é aquela presente no art. 23, § 3º da LRF, ao estatuir que, se o ente não reduzir o excesso de despesa de pessoal previsto no art. 20 no prazo legal (em dois quadrimestres, sendo pelo menos 1/3 no primeiro), este não poderá: I – receber transferências voluntárias; II – obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; III – contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.

Já as sanções pessoais, como o próprio nome indica, são aplicáveis diretamente à pessoa do agente público que violar a legislação fiscal. Apresentam diversas naturezas e são previstas em leis esparsas, sem prejuízo de uma aplicação cumulativa, em razão da relativa independência das esferas penal, civil e administrativa.

É o art. 73 da LRF que estabelece serem as infrações a seus dispositivos punidas pessoalmente ao agente infrator segundo o Decreto-Lei nº 2.848/1940 (Código Penal), a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950 (Lei de Crimes de Responsabilidade das autoridades da União e dos Estados e que regula o respectivo processo de julgamento), o Decreto-Lei nº 201/1967 (que dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores) e a Lei nº 8.429/1992 (que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de improbidade administrativa), bem como de acordo com as demais normas da legislação pertinente.

Assim, em primeiro lugar, temos as sanções pessoais de natureza política, as quais ensejam a suspensão dos direitos políticos e a perda de cargo eletivo ou função pública. A suspensão de direitos políticos pode variar entre 3 e 10 anos, a depender da gravidade da infração, sendo prevista nos três incisos do art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) como sanção por atos ímprobos, dentre os quais se encontram tipificados alguns de natureza financeira, como o de realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea (art. 10, VI); conceder benefício fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie (art. 10, VII); ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento (art. 10, IX); agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda (art. 10, X); liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular (art. 10, XI).

Por sua vez, a sanção pessoal de perda do cargo eletivo ou função pública por meio de julgamento político encontra previsão nos seguintes diplomas que definem os “crimes” de responsabilidade (na verdade, infrações político-administrativas) das respectivas autoridades públicas: a) Decreto-Lei nº 201/1967 para prefeitos e vereadores; b) Lei nº 1.079/1950 para Presidente da República, Ministros de Estado, Procurador-Geral da República e seus respectivos equivalentes estaduais; bem como Ministros do STF e Presidentes de todos os Tribunais, dentre outras autoridades.

Exemplo recente de aplicação da sanção de perda de cargo eletivo se deu no julgamento do processo de impeachment da ex-Presidente da República Dilma Rousseff, em que o Senado Federal entendeu que a ex-Presidente cometeu os crimes de responsabilidade consistentes em contratar operações de crédito com instituição financeira controlada pela União e editar decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional, previstos no artigo 85, inciso VI e art. 167, V da Constituição Federal, bem como no artigo 10, itens 4, 6 e 7, e artigo 11, itens 2 e 3 da Lei 1.079/1950, ficando assim condenada à perda do cargo de Presidente da República Federativa do Brasil.

A perda da função pública também pode se dar por ato de improbidade administrativa, como previsto nos três incisos do art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). Mas, neste caso, a perda da função é decretada por decisão de natureza jurisdicional e não por juízo político feito pelas Casas Legislativas.

As sanções de natureza administrativa e cível, além da mencionada perda da função pública por decisão judicial, podem ser: a) a imposição do pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial, em caso de enriquecimento ilícito (art. 12, I, Lei nº 8.429/1992), de até duas vezes o valor do dano, no caso de lesão ao erário (art. 12, II, Lei nº 8.429/1992) ou de até cem vezes o valor da remuneração do agente nos atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 12, III, Lei nº 8.429/1992); b) a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por prazos de dez, cinco ou três anos; c) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; d) ressarcimento integral do dano ao Erário.

A Lei nº 10.028/2000, em seu art. 5º, prevê ainda uma multa de 30% dos vencimentos anuais do agente que der causa a violações contra as leis de finanças públicas nas hipóteses previstas em seus quatro incisos. Tal infração administrativa será processada e julgada pelos Tribunais de Contas.

Por fim, existem as sanções pessoais de natureza penal, encontrando fundamento no Código Penal, que sofreu relevantes alterações pela Lei nº 10.028/2000, chamada de “Lei dos Crimes Fiscais”, e inseriu no Código Penal um capítulo específico para os Crimes Contra as Finanças Públicas, instituindo oito tipos penais próprios (art. 359-A até art. 359-H).

Antes da promulgação dessa lei, as condutas reputadas como criminalmente atentatórias às finanças públicas eram punidas essencialmente com base no art. 315 do Código Penal (emprego irregular de verbas ou rendas públicas).

As condutas tipificadas como crimes contra as finanças públicas pelo Código Penal podem ser assim sintetizadas: contratação de operação de crédito, sem autorização legislativa; inscrição de despesas não empenhadas em restos a pagar; assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura que não possa ser paga no mesmo exercício financeiro; ordenação de despesa não autorizada por lei; prestação de garantia graciosa; não cancelamento de restos a pagar inscritos em valor superior ao permitido em lei; aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura; oferta pública ou colocação de títulos no mercado sem previsão legal.

Todas as condutas apresentam previsão para o infrator de penas privativas de liberdade de detenção ou reclusão, podendo ser substituídas por penas restritivas de direitos ou multa nos casos autorizados pelo art. 44 do Código Penal. Trata-se de crimes dolosos e, em sua maioria, independem da produção de resultado danoso, classificando-se como crimes formais.

Apesar de considerarmos a tipificação penal feita pela Lei nº 10.028/2000 uma positiva evolução legislativa, criticamos a adoção pelo legislador da orientação do direito penal mínimo, ao fixar penas brandas ao infrator, viabilizando a aplicação de medidas alternativas à prisão.

Se todas estas sanções forem corretamente aplicadas diante da violação das normas das finanças públicas, teremos uma razoável proteção da sociedade contra atos de irresponsabilidade fiscal dos gestores públicos. Do contrário, continuaremos a assistir à má-gestão das finanças públicas e o verdadeiro penalizado será o cidadão.

Marcus Abraham
Professor Adjunto de Direito Financeiro. Doutor em Direito Público. Mestre em Direito Tributário. MBA em Direito Empresarial. Desembargador Federal do TRF da 2ª Região. Ex-Procurador da Fazenda Nacional. Diretor da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região. Membro Correspondente da Academia Paulista de Letras Jurídicas.

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