A proposta de reforma previdenciária apresentada pelo governo, atualmente em discussão no Congresso Nacional, torna mais difícil o acesso às prestações da Previdência Social, tendo como principal justificativa a necessidade de equilíbrio financeiro, objetivando reduzir o seu suposto déficit.
Como se sabe, é bastante questionável o alegado desajuste no custeio da Seguridade Social, pois este ocorre não só de forma direta, ou seja, por meio de contribuições sociais, mas também indireta, isto é, com a utilização de recursos dos orçamentos fiscais dos entes políticos (art. 195 da Constituição da República), em consonância com o princípio da diversidade da base de financiamento da Seguridade Social (art. 194, parágrafo único, inciso VI, da Constituição Federal de 1988) [1].
Nesse sentido, o art. 457, §§ 1º e 2º, da CLT, com redação dada pelo Projeto de Lei 6.787-B/2016, passa a assim dispor:
“§ 1º Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador.
§ 2º As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário”.
Como é possível notar, diversas parcelas que até então tinham natureza salarial passam a não mais integrar a remuneração do empregado.
Apenas as “gratificações legais”, ou seja, previstas em lei (como o décimo terceiro salário ou gratificação natalina), passam a integrar o salário, o que indica a exclusão das gratificações apenas ajustadas contratualmente ou pagas com habitualidade (ajuste tácito).
As diárias para viagem, mesmo que excedam de 50% do salário, deixam de integrar a remuneração para fins trabalhistas e previdenciários.
Da mesma forma, os prêmios e os abonos, ainda que habituais, passam a não integrar a remuneração, não se incorporam ao contrato individual de trabalho (o que significa que podem ser modificados ou excluídos pelo empregador) e deixam de ser base de incidência do FGTS e das contribuições previdenciárias.
Essa alteração reduz, evidentemente, o nível remuneratório do empregado, com repercussões prejudiciais no cálculo de diversas outras parcelas trabalhistas, como, por exemplo, horas extras, adicional noturno, férias, aviso prévio indenizado e FGTS.
Além disso, a modificação em análise também gera substancial redução no valor das contribuições previdenciárias, as quais têm incidência sobre o salário de contribuição e são devidas por empregados e empregadores (art. 195, incisos I, a, II e art. 167, inciso IX, da Constituição da República).
As contribuições para a Seguridade Social do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada incidem justamente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados à pessoa física que lhe preste serviço.
Além disso, as contribuições para a Seguridade Social do empregado, como segurado da Previdência Social, incidem sobre a sua remuneração.
Portanto, se há déficit da Previdência Social, é incoerente pretender reduzir os valores destinados ao seu custeio, agravando ainda mais o suposto desequilíbrio econômico financeiro da Seguridade Social.
Ainda de forma nitidamente contraditória com o discurso de déficit da Previdência Social, a Emenda Constitucional 93/2016, ao modificar o art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ampliou o percentual de desvinculação de recursos da União (DRU), passando a prever que são desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% da arrecadação da União relativa às contribuições sociais.
Com isso, torna-se insustentável a alegação de insuficiência de recursos da Seguridade Social se o que se pretende, na realidade, é a exclusão de parcelas da base de cálculo das contribuições previdenciárias, e o que existe é a desvinculação de contribuições da Seguridade Social, fazendo com que parte de seus valores deixem de ser utilizados em suas finalidades específicas, relativas à concessão das prestações previdenciárias, de Saúde e de Assistência Social.
Ademais, a reforma trabalhista, ao excluir a natureza remuneratória de diversas parcelas, pode prejudicar não apenas os empregados, mas toda a sociedade, gerando redução no nível remuneratório global das pessoas, o que gera menor consumo e enfraquecimento da economia, além de acarretar menores valores a serem recolhidos para o custeio da Previdência Social.
A legitimidade das reformas trabalhista e previdenciária exige, assim, maior coerência, seriedade, transparência e ampliação do debate com a sociedade.
As mudanças em áreas de notória relevância social não podem ser feitas com base em discursos inconsistentes, padronizados e sem conteúdo verdadeiro, utilizando apenas frases de efeito, como “déficit previdenciário” e “modernização da legislação trabalhista”.
[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito da seguridade social. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 102-105.
por Gustavo Filipe Barbosa Garcia
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla. Professor Universitário em cursos de graduação e pós-graduação. Advogado e Consultor jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2.ª, 8.ª e 24.ª Regiões, Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e Auditor-Fiscal do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, titular da Cadeira nº 27. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro de Conselhos Editoriais de diversas Revistas e Periódicos especializados na área do Direito. Autor de vários livros, estudos e artigos jurídicos.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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