A recente alteração da Lei nº 9.307/1996, para expressamente permitir arbitragem em conflitos envolvendo o Poder Público, corroborando entendimento jurisprudencial já consolidado, reacendeu o debate acerca da possibilidade de aplicar este instituto na relação entre Fisco e contribuintes. O tema não é novo e vem ocupando o debate público desde a apresentação do PLP 469/2009, cujo objetivo é disciplinar a arbitragem e transação em matéria tributária, e desde maio de 2015 aguarda parecer na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.
Em paralelo a esse movimento, o Código de Processo Civil de 2015 previu e ampliou as hipóteses de negócio processual e audiências de conciliação que, em tese, podem ser manejadas dentro do contexto das discussões tributárias, além de a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) ter trazido possibilidades de conciliação e transação em matéria tributária.
A bem-sucedida experiência de Portugal no uso da arbitragem em matéria tributária deve nos servir de inspiração à reflexão sobre o tema
Do ponto de vista do Judiciário, a situação tampouco parece melhor. Não raro, as disputas entre Fisco e contribuintes levam mais de 15 anos para ser definidas. Os casos da constitucionalidade do crédito-prêmio de IPI e da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, ambos julgados pelo Plenário do STF, são exemplares nesse sentido. Some-se a isso certa indefinição advinda da possibilidade de modulação de efeitos das decisões tomadas, o que adiciona uma nova dose de tempo e incerteza a cada discussão.
Ao lado da morosidade, surge ainda questão de extrema relevância, que é a ineficiência das ações exacionais. É sabido que a taxa de sucesso na recuperação de débitos inscritos em dívida ativa executados judicialmente é bastante baixa, especialmente em face do alto custo de manutenção desses processos no Judiciário. Devem ainda ser considerados os custos das garantias mantidas pelos contribuintes nesses processos e também o ônus financeiro advindo das sucumbências impostas por demandas absolutamente desnecessárias.
Todo esse cenário de onerosidade, morosidade e quebra de confiança incentiva o debate sobre o uso de métodos alternativos de resolução de conflitos em matéria tributária, especialmente se elas se mostrarem mais eficientes, como sinalizam recentes programas nesse sentido. Cite-se, por todos, o "Concilia Bahia" (Lei 13.449/2015) e a "Semana da Conciliação em Execução Fiscal", realizada Estado do Pará, vencedor do Prêmio "Conciliar é Legal" de 2014, com taxas de êxito em conciliação de até 98% no mês de maio daquele ano.
Nesse contexto, porém, o primeiro desafio a ser enfrentado é o da alegada indisponibilidade da receita tributária: ela realmente existe ou trata-se de um mito? O fato de o sistema tributário prever hipóteses de renúncias de receita, mediante a observância de requisitos que lhe deem legitimidade jurídica, tais como a representatividade democrática, não viabilizaria também a transação e arbitragem em matéria tributária, observados os mesmos critérios?
As respostas a essas questões e outras relevantes, tal qual a definição dos momentos no ciclo de positivação da relação jurídica tributária nos quais haveria a possibilidade abstrata de adoção de tais métodos, a possibilidade de extensão da transação para o montante devido de tributo ou a limitação de tal possibilidade apenas às penalidades, dentre outras, requer análise detalhada de cada um dos instrumentos alternativos de solução de controvérsia, à luz, tanto quanto possível, de experiências internacionais. A bem-sucedida experiência de Portugal no uso da arbitragem em matéria tributária deve nos servir de inspiração à reflexão apurada sobre o tema.
A situação atual do contencioso tributário no Brasil demanda análise concreta e aprofundada de alternativas à judicialização, com vistas não apenas ao benefício dos contribuintes, mas também e especialmente, diante da necessidade de maior eficiência na arrecadação e gestão do dinheiro público – tema premente diante do estado atual das contas dos entes da Federação.
Tathiane Piscitelli, Andréa Mascitto e Priscila Faricelli são, respectivamente, professora da FGV Direito SP; advogada associada de Pinheiro Neto Advogados e advogada de Trench, Rossi e Watanabe Advogados
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Por Tathiane Piscitelli, Andréa Mascitto e Priscila Faricelli
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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