Embora venha ganhando adeptos no Congresso a ideia de que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda deva acabar, a opinião não faz sucesso com quem entende do assunto. Em audiência pública nesta terça-feira (3/11), na Comissão de Tributação e Finanças da Câmara dos Deputados, tributaristas discordaram sobre qual deve ser o futuro próximo do Carf, mas foram unânimes em defender sua existência, já quase centenária.
O motivo da audiência foi o Decreto 8.441/2015, que criou uma “gratificação por participação” a ser paga aos conselheiros representantes dos contribuintes. Isso foi uma mudança drástica na forma de pagamento dos julgadores. Antes eles recebiam ajudas de custo para ir às sessões, e agora a previsão é que recebam jetons.
Depois, veio o problema de ordem técnica. Como o decreto criou despesa fixa e periódica, deveria constar na Lei de Diretrizes Orçamentárias, mas não consta. Portanto, há dúvida sobre a legalidade de os conselheiros recém-nomeados poderem receber para julgar.
E, na dúvida, as atividades estão paradas desde março. Primeiro por causa da operação zelotes, que investiga denúncias de venda de votos no Carf. Depois devido à questão técnica da LDO e da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe o registro de pagamento de salário como se fosse despesa corrente.
O resultado é que só os conselheiros indicados pela Fazenda Nacional podem exercer suas atividades. E eles têm decidido tudo o que podem fazer de forma monocrática, como embargos de declaração ou agravos.
Meio termo
Diante do quadro, o deputado deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) concluiu que o Carf hoje está “ferido de morte”. “Depois desses problemas todos, quem vai ter coragem de julgar a favor do contribuinte?”
O presidente do Instituto de Direito Tributário do Paraná, Rogério Prado Vermelho, foi quem respondeu: “Não podemos matar a vaca para tratar dos carrapatos”. Heleno Torres, professor de Direito Financeiro da USP, completou, depois: “O contencioso administrativo tributário está na Constituição Federal. Que se acabe com o Carf, mas o contencioso administrativo fiscal é um direito fundamental dos contribuintes”.
Torres foi o único dos que falaram na audiência a defender o decreto. Para ele, a nova remuneração é uma gratificação, e por isso não precisa estar na LDO. Poderia entrar na conta dos gastos correntes, por exemplo.
O presidente do Movimento de Defesa da Advocacia, Marcelo Knopfelmacher, discorda veementemente. Para ele, além da questão técnica, há o problema da paridade: enquanto os representantes dos contribuintes ganham jetons, os representantes do Fisco continuam sendo remunerados como se fossem servidores.
Knopfelmacher defendeu, por isso, o Projeto de Decreto Legislativo que pretende cassar o decreto que criou a “gratificação por participação”. Para ele, a solução é que se “recomece do zero”. O projeto é de autoria do deputado federal Bruno Covas (PSDB-SP), que presidiu a mesa da audiência pública.
“Não podemos deixar o contribuinte numa situação inferior, quase como se fosse um pedinte. Vai ter julgador de duas classes?”, afirmou. Para ele, a regulamentação da remuneração foi feita “de forma açodada”.
Interesses
Heleno Torres reconheceu que o projeto do deputado Bruno Covas “chama a atenção porque há aparente injustiça” no decreto. “Mas temos uma decisão a tomar. Qual é o maior interesse? Que o Carf volte a julgar ou que os conselheiros sejam remunerados?”
Ele lembrou que há o equivalente a R$ 600 bilhões em discussão nos processos parados no Carf, “e a taxa Selic continua correndo, inclusive pra gente que não tem nada a ver com os fatos aqui comentados”.
A resposta veio do advogado Antonio Augusto Pereira de Carvalho, outro dos convidados da audiência: “O maior interesse público é que todos sejam tratados da mesma forma pela lei”. Carvalho é presidente da Comissão de Contencioso Administrativo Tributário da OAB-SP e vice-presidente do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, a versão paulista do Carf.
Segundo ele, “as restrições para representantes dos contribuintes e do Fisco são as mesmas, mas os direitos, não”. “O decreto criou uma terceira categoria jurídica no funcionalismo. Há os servidores concursados, que têm o regime de trabalho estatutário, os ocupantes de cargos comissionados, que têm praticamente os mesmos direitos, mas sem estabilidade, e agora há os conselheiros do Carf, que não têm nada. Não têm férias, 13º salário, licença, folga, nem mesmo o tempo de serviço conta para aposentadoria.”
A proposta de Heleno Torres é que a Comissão Mista de Orçamento do Congresso crie uma regra emergencial para que se resolva a questão da remuneração para 2015. E, para 2016, que se aprove o Projeto de Lei 3/2015, do Congresso, que inclui a remuneração dos membros do Carf na Lei Orçamentária.
Exemplos
Ao final do debate, o deputado Bruno Covas pediu para que os participantes dessem exemplos de tribunais administrativos estaduais que funcionam bem e cujos exemplos podem ser seguidos pelo Carf.
Marcelo Knopfelmacher lembrou do Tribunal Administrativo Tributário de Pernambuco, o Tate, no qual os conselheiros dos contribuintes devem ser aprovados em concurso. “Mas há um detalhe: lá quem mantiver uma autuação ou multa fiscal ganha gratificação. Isso é imoral. Que parcialidade é essa?”
O advogado Augusto Pereira de Carvalho lembrou de um estudo da Fundação Getulio Vargas que acompanha as cortes administrativas tributárias e atribui notas a elas. O estudo existe há dois anos e analisa a transparência de seu funcionamento, a paridade de armas e a publicação de entendimentos, entre outras coisas.
As notas vão de 0 a 100 e já houve três avaliações. Nas duas primeiras, o TIT-SP ficou em primeiro lugar. Na última, o vencedor foi o Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina (TAT-SC). “E ambos têm um funcionamento bastante semelhante ao que era o Carf até pouco tempo atrás”, emendou. “Apenas a título de exemplo, o Tate de Pernambuco ficou em 23º lugar, entre os 27 tribunais estaduais.”
Fonte: Conjur
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