O Superior Tribunal de Justiça divulgou no último dia 2 de fevereiro a Súmula 585, que trata da responsabilidade do alienante pelo pagamento de IPVA. O seu texto é bastante enfático ao afastar a responsabilidade tributária solidária do ex-proprietário com base no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro.
Uma leitura apressada da súmula poderia levar à falsa conclusão de que o alienante não poderia ser responsabilizado, do ponto de vista tributário, pela não comunicação de venda aos órgãos de trânsito em nenhuma hipótese.
Art. 134 do CTB. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.
Diversas Fazendas Públicas tentaram ampliar a aplicação do dispositivo para responsabilizar o antigo proprietário por débitos tributários enquanto o alienante estivesse em mora com o o dever legal de comunicar a venda.
Os contribuintes sustentaram que a transferência de propriedade de bem móvel ocorreria com a tradição e que o IPVA seria um tributo de natureza real. Como o fato gerador do tributo seria a propriedade, não sendo o alienante mais proprietário, não haveria a ocorrência do fato gerador do tributo.
Ao analisar os diversos julgados que formaram a súmula, percebe-se exatamente essa discussão. As Fazendas Públicas com a defesa da responsabilidade solidária como decorrência do artigo 134 do CTB e os contribuintes defendendo a aplicação do Código Civil[1].
Os pressupostos para a aplicação da súmula são bem simples: comprovação de alienação e fundamento para a responsabilidade tributária no art. 134 do CTB.
Contudo, tal situação não abarca a hipótese de a legislação estadual prever responsabilidade do alienante enquanto não houver a comunicação de venda do veículo automotor.
De fato, diversas legislações estaduais tratam do tema de maneira específica. É o caso, por exemplo, do artigo 10, inciso V, da Lei 10.849/1992 de Pernambuco e do artigo 6o, inciso II, da Lei 13.296/2008 de São Paulo:
Art. 10 da Lei 10.849/92. São responsáveis, solidariamente, pelo pagamento do IPVA e acréscimos devidos: (...)
V - o proprietário do veículo que o alienar ou o transferir, a qualquer título, até o momento da respectiva comunicação ao órgão público encarregado do registro e licenciamento, inscrição ou matrícula. (Lei nº 14.229/2010)
Artigo 6º da Lei 13.296/08. São responsáveis pelo pagamento do imposto e acréscimos legais: (...)
II - o proprietário de veículo automotor que o alienar e não fornecer os dados necessários à alteração no Cadastro de Contribuintes do IPVA no prazo de 30 (trinta) dias, em relação aos fatos geradores ocorridos entre o momento da alienação e o do conhecimento desta pela autoridade responsável;
Nesses casos, a responsabilidade tributária do alienante que não comunica ao órgão de trânsito persiste por força de disposto na legislação estadual e não em razão do artigo 134 do CTB.
A Súmula 585 foi bastante específica e abordou somente a hipótese de não incidência do Código de Trânsito Brasileiro. Os precedentes que subsidiaram o enunciado não trataram da circunstância de a legislação estadual tratar de maneira específica sobre o tema. Assim, a responsabilidade tributária do alienante que não comunica o órgão de trânsito pode persistir não por aplicação do Código de Trânsito Brasileiro, mas por força da legislação estadual, o que impede a aplicação da súmula 585 do STJ para todos os casos.
[1] STJ, REsp: 1116937/PR, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 08/10/2009; STJ, AgRg no AREsp: 382552/SC, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, DJe 21/11/2013; STJ, AREsp: 728647/SC, Relatora: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJ 01/07/2015; STJ, REsp: 1528438/SP, Relatora: Ministra REGINA HELENA COSTA, DJ 08/06/2015; STJ, REsp: 1180087, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 20/05/2010; STJ, REsp: 1180087, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 20/05/2010; STJ, AgRg no AREsp: 770.700/SP, Relatora: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe 17/11/2015; STJ, AgRg no Resp Nº 1.540.127/SP, RELATOR: MINISTRO HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 14/09/2015; STJ, STJ, REsp 1.540.072-SP, MINISTRO HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 11/11/2015.
Silvano José Gomes Flumignan é advogado e professor da Asces-PE e do CEJ/PGE-PE. Mestre e doutor em Direito pela USP. Pesquisador visitante da Universidade de Ottawa.
Fonte: Conjur
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