Um assunto sempre relevante no Processo Judicial Previdenciário é a irrepetibilidade dos benefícios previdenciários concedidos judicialmente e posteriormente cassados. Sobretudo após o julgamento proferido pelo STJ no REsp 1.401.560/MT, na sistemática dos recursos repetitivos.
Nesse julgado representativo de controvérsia firmou-se a tese de que: “A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.”
O regramento da tutela antecipada, no CPC/73 (art. 273, § 3º), fazia referencia aos artigos 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A, todos daquele diploma legal, que remetem à tutela específica e à execução provisória da sentença.
O art. 588, do CPC/73, foi revogado em 2006 e substituído pelo cumprimento de sentença, onde devem ser observados os artigos 475-I e 475-O, relativos ao cumprimento provisório da sentença, e, aí, se exige a restauração ao status quo ante quando revogada a tutela antecipada pela sentença ou acórdão que lhe sucederem.
O CPC/2015 conferiu à questão tratamento similar, cujo quadro normativo se encontra nos arts. 296 e 300 a 302, sendo inviável dissertar a respeito aqui, pois essa matéria demandaria, por si mesma, outro artigo.
Destaco apenas que se o art. 300, do CPC/2015, possibilita ao juiz a prestação de caução, para concessão da tutela de urgência, ao mesmo tempo permite seja dispensada no caso da parte economicamente hipossuficiente (caso típico dos segurados da Previdência Social).
O tema da irrepetibilidade das verbas previdenciárias não pode ser discutido apenas à luz do texto frio da norma processual.
Deve-se sublinhar que o conteúdo do REsp 1.401.560/MT não atende as particularidades das ações previdenciárias, que destacamos em nosso Curso de Processo Judicial Previdenciário: partes hipossuficientes economicamente, em grande assimetria social e processual em relação à autarquia previdenciária, o caráter alimentar dos benefícios.
Há que se efetuar, também, o necessário distinguishing: o Resp nº 1.401.560/MT não trata da devolução de prestações de natureza assistencial, visto que fala expressamente em “devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos”, e faz menção apenas ao art. 115, da Lei 8.213/91, que estabelece o RGPS (a Assistência Social é objeto de norma diversa, a Lei 8.472/93).
A interpretação dada pelo STJ à questão está longe de ser unânime ou incontroversa[1]. O STF possui precedentes em sentido diverso[2] e a TNU editou a Súmula 51:
“Os valores recebidos por força de antecipação dos efeitos de tutela, posteriormente revogada em demanda previdenciária, são irrepetíveis em razão da natureza alimentar e da boa-fé no seu recebimento”.
Não se pode perder de vista que muitas tutelas antecipadas são buscadas pelas partes e seus advogados em virtude, justamente, de um certo nível de confiança no sistema judicial. Caso contrário eventualmente não haveria a procura por esse tipo de antecipação dos resultados do julgamento.
Esse fenômeno é esmiuçado em brilhante passagem de ARAKEM DE ASSIS:
“Dentro do quadro ortodoxo da presumível probidade dos litigantes (art. 5º, do NCPC), o autor ajuizou a pretensão processual, supondo-se titular do efeito jurídico pretendido perante o réu. A favor dessa pretensão, aquilatada positivamente através de juízo de verossimilhança, até logrou um provimento judicial favorável, quiçá sentença de primeiro grau nesse mesmo sentido, a confirmar a expectativa originária. O insucesso final apaga todo o caminho percorrido, debitando responsabilidade pelo custo financeiro do processo e, ainda, obrigando a indenizar a contraparte. (…) É como se existisse a obrigação de o autor não perder a causa. (…) E acrescente-se, o Estado não tem o dever de indenizar pelo equívoco no prognóstico do juiz.” (ASSIS, Arakem, Processo Civil Brasileiro, vol. II, Tomo II, S. Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 480)
Não se pode desprezar também que muitas das tutelas antecipadas e liminares concedidas judicialmente, mas posteriormente cassadas, derivam de um fenômeno que não deixa de ser uma certa patologia do sistema: uma profunda oscilação jurisprudencial, cujos reflexos negativos recaem unicamente sobre os jurisdicionados/segurados. Aqui novamente me escudo em ARAKEM DE ASSIS:
“Figure-se o caso de o autor ingressar em juízo confiante no êxito da pretensão, porque em seu sentido inclinara-se a jurisprudência dominante, obtendo medida de urgência satisfativa, mas a demora do processo leva a demanda a ser julgada na oportunidade em que os tribunais superiores reverteram a primitiva interpretação através de precedente. Não é razoável obriga-lo a ressarcir o réu vitorioso.” (ASSIS, Arakem de, op.cit., p. 480-481)
Também é polêmico, no caso de tutelas antecipadas concedidas ex officio, exigir a devolução, pois “não se mostraria equânime responsabilizar uma das partes pelo dano à outra” (ASSIS, Arakem de, op.cit. p. 482).
Outra ideia crítica que deve ser debatida seriamente: o montante a ser devolvido ao INSS, calculado entre a tutela antecipada e a decisão posterior que a revoga (sentença ou acórdão), pode muitas vezes ser elevado em virtude da demora judicial na apreciação de recursos, algo que está completamente fora do alcance de atuação do segurado – único penalizado neste caso.
Como se vê, no âmbito do Processo Judicial Previdenciário a irrepetibilidade das prestações derivadas de tutela antecipada é fenômeno complexo, particular, e merecedor de exame mais detido.
[1] A litigiosidade previdenciária tem origem justamente na diversidade de interpretações a respeito da legislação que estabelece os benefícios previdenciários. Para saber a respeito, sugiro a leitura da minha obra específica: Resolução do conflito previdenciário e direitos fundamentais.
[2] A exemplo destes: ARE 734199, Relatora Rosa Weber, Primeira Turma, DJ 09/09/2014, ou AI 829661, Relatora Rosa Weber, Primeira Turma, DJ 18/06/2013.
por Marco Aurélio Serau Junior é Doutor e Mestre em Direitos Humanos. Diretor Científico-Adjunto do IBDP. Membro do Conselho Editorial de diversas revistas jurídicas. Autor.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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