Quando o contribuinte – pessoa física ou jurídica – sofre um auto de infração, tem ele a oportunidade de efetuar o pagamento com redução do valor da multa se o fizer em trinta dias ou, caso não se conforme com o lançamento, pode defender-se na esfera administrativa.
Apresentada a defesa, suspende-se a exigibilidade, nos termos do artigo 151 do Código Tributário Nacional. Enquanto demorar o processo administrativo tem o contribuinte direito à certidão positiva com efeito de negativa. Portanto, o fato de ter sofrido um auto de infração não o impede de desenvolver suas atividades.
Em nossa coluna de 16 de dezembro de 2016 sob o título Na guerra entre fisco e contribuintes, quem perde é a justiça tributária, assinalamos a necessidade de que seja colocado em discussão projeto de lei que há muito tempo está no Congresso, com o objetivo de criar um Código de Defesa do Contribuinte nacional.
Ali invocamos a Lei Complementar Estadual de São Paulo 939/2003 que criou um Código desse tipo para os contribuintes paulistas.
Mas é bom que se registre a existência do “Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte” instituído pela Lei 12.325 de 15 de setembro de 2010. No seu artigo 1º, a lei afirma que se trata de uma data de conscientização cívica a ser celebrada anualmente, no dia 25 de maio, com o objetivo de mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte. Na prática isso parece nada significar, pois nesses mais de 6 anos de vigência da lei não vi nenhuma celebração sobre isso.
A primeira dificuldade com que se defronta o contribuinte na defesa administrativa é a que se relaciona com as provas. O lançamento fiscal deve basear-se em provas que geralmente são obtidas na escrituração fiscal ou contábil do contribuinte.
Em determinados casos o fisco lança o tributo e as multas com base em documentos obtidos em outro local. Uma situação muito comum é quando o fisco alega irregularidades ou falsidade em documentos de fornecedores que teriam fornecido mercadorias ao contribuinte. Nesses casos o fisco considera “inidôneos” tais documentos e impugna os créditos utilizados.
Sobre tal assunto, em 11 de julho de 2016 apresentamos nesta coluna um estudo denominado “Comerciante tem de se cercar de cuidados ao importar mercadorias”. Tais cuidados também são válidos para operações no mercado interno.
Quando o contribuinte apresenta provas razoáveis da legitimidade de suas operações, não podem os agentes fiscais desprezar tais provas para embasar autos de infração. A Lei Complementar Estadual nº 939 de 3 de abril de 2003, que criou o “Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte” diz em seu artigo 2º:
“Artigo 2º -São objetivos do Código:
I- promover o bom relacionamento entre o fisco e o contribuinte, baseado na cooperação, no respeito mútuo e na parceria, visando a fornecer ao Estado os recursos necessários ao cumprimento de suas atribuições;
II - proteger o contribuinte contra o exercício abusivo do poder de fiscalizar, de lançar e de cobrar tributo instituído em lei;
III - assegurar a ampla defesa dos direitos do contribuinte no âmbito do processo administrativo-fiscal em que tiver legítimo interesse;
VI - assegurar uma forma lícita de apuração, declaração e recolhimento de tributos previstos em lei, bem como a manutenção e apresentação de bens, mercadorias, livros, documentos, impressos, papéis, programas de computador ou arquivos eletrônicos a eles relativos;”
Uma questão que pode e deve ser apresentada já na defesa administrativa, é a que se relaciona com a cobrança de multas exageradas e juros cobrados de forma indevida. Ainda que isso dificilmente seja apreciado em favor do contribuinte nessa fase, é legítimo que, desde o início, o exagero seja atacado.
Quando as multas são superiores ao valor do tributo que se reputa devido, ou mesmo representem mais do que 30% do seu valor, elas podem ser consideradas inconstitucionais, pois ferem o inciso IV do art. 150 da CF. Embora o dispositivo refira-se apenas a tributo ao vedar o confisco, jurisprudência e doutrina entendem aplicável às multas tal limitação. Assim a decisão do TRF-1(DJU de 20/8/99):
“A multa, a pretexto de desestimular a reiteração de condutas infracionais, não pode atingir o direito de propriedade, cabendo ao Poder Legislativo, com base no princípio da proporcionalidade, a fixação dos limites à sua imposição. Havendo margem na sua dosagem, a jurisprudência, com base no mesmo princípio, tem , no entanto, admitido a intervenção da autoridade judicial.”
O Supremo Tribunal Federal já decidiu:
‘Ação Direta de Inconstitucionalidade – Parágrafos 2º e 3º do art. 57 do ADCT do Estado do Rio de Janeiro , que dispõem sobre multa punitiva nas hipóteses de mora e sonegação fiscal. – Plausibilidade da irrogada inconstitucionalidade, face não apenas à impropriedade formal da via utilizada, mas também ao evidente caráter confiscatório das penalidades instituídas.” (ADIN 551-RJ in RTJ-138/55)
“É confiscatória e inconstitucional, por conflitar com o artigo 150, IV, da Constituição Federal, a multa que ultrapasse o limite de 30% do tributo. Ela, como obrigação tributária, é acessória e, nessa condição, não pode ultrapassar o principal. (STF, RE 81.550 in RTJ 74/319).”
Acerca dos juros de mora no âmbito do direito tributário/ financeiro, a União fixou o percentual a ser aplicado, por preferência a taxa Selic, não cabendo aos Estados, Distrito Federal e Municípios dispor em sentido diverso, estabelecendo índices superiores ao valor da taxa de juros da União, sob pena de infringência ao o disposto no artigo 24, inciso I, e parágrafo 4º, da Carta Magna.
Por outro lado, o contribuinte não pode desprezar o conteúdo da defesa e dos recursos administrativos, pois essa é uma fase cujos custos são menores e que, se bem aproveitada, pode resolver a questão de forma mais rápida e econômica. As Fazendas públicas apresentam uma tendência de procurar mais agilidade na solução dos problemas decorrentes dos lançamentos e a esfera administrativa pode ser um bom caminho nessa direção.
por Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Conjur
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