segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Internet das coisas (IoT) – A tributação na era digital

  1. CONSULTA PÚBLICA DO PLANO NACIONAL DE IOT REALIZADA PELO MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÕES E COMUNICAÇÕES (MCTIC)



O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC)[1] submete o Plano Nacional de IoT (Internet of Things) à Consulta Pública com o objetivo de identificar oportunidades e desafios no papel do Estado, no que diz respeito ao modelo de governança de IoT no Brasil, e ao direcionamento de modelos de negócio, com o objetivo de alavancar o desenvolvimento do ecossistema de M2M/IoT (Machine to Machine).

No item (13), “assuntos regulatórios” a consulta pública endereça duas questões específicas sobre tributação: (subitem 15) qual impacto a carga tributária do Brasil pode ter sobre o ecossistema de Internet das Coisas? e (subitem 16) existem outros fatores fiscais ou tributários que impeçam o desenvolvimento do Ecossistema?

Este texto foi elaborado para apresentação no Workshop “Quais os desafios jurídicos para o desenvolvimento da Internet das Coisas (IoT) no Brasil?”, que ocorrerá na FGV DIREITO SP em 07/02/2017, evento que conta com apoio do BNDES e do consórcio formado entre a McKinsey, a Fundação CPqD e o escritório Pereira Neto, Macedo Advogados.

2. QUE É INTERNET DAS COISAS?

A Internet das Coisas, simbolizada pela sigla IoT (do inglês, Internet of Things),  representa uma inovação tecnológica do sistema global de redes de computadores que conectam usuários do mundo inteiro que conhecemos pelo nome de internet: (i) a internet conecta pessoas; (ii) a internet das coisas conecta dispositivos eletrônicos utilizados no dia-a-dia (aparelhos eletrodomésticos, eletro portáteis, máquinas industriais, meios de transporte, etc), mediante a evolução tecnológica experimentada nas últimas décadas nos setores de wireless, inteligência artificial e nanotecnologia.

Juridicamente, no direito positivo brasileiro, o conceito de internet das coisas (IoT) encontra-se definido no Decreto 8.234/2014 como “sistemas de comunicação máquina a máquina (M2M) os dispositivos que, sem intervenção humana, utilizem redes de telecomunicações para transmitir dados a aplicações remotas com o objetivo de monitorar, medir e controlar o próprio dispositivo, o ambiente ao seu redor ou sistemas de dados a ele conectados por meio dessas redes”.

As atividades de internet das coisas envolvem serviços de telecomunicações e serviços de valor adicionado (“SVA”). Para a Lei Geral de Telecomunicações (Lei n. 9.472/97 – LGT): (i) serviços de telecomunicações representam o “conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação”, entendendo-se, por telecomunicação, a “transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” (LGT, art. 60) e; (ii) serviços de valor adicionado (SVA), a “atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações” (LGT, art. 61).

As dúvidas surgem quando a comunicação não fica restrita à IoT, permitindo adicionalmente o uso de serviços de telecomunicações pelos proprietários das “coisas”. Tome-se, por exemplo, os serviços de tecnologia de rastreamento e monitoramento veicular, que são compostos por: (i) serviço de telecomunicações que dá suporte à conexão entre os equipamentos embarcados nos veículos; e (ii) serviço de valor adicionado correspondente ao rastreamento propriamente dito e análise dos dados gerados pelos equipamentos embarcados nos veículos.

Além disso, imagine-se que a empresa de tecnologia de rastreamento e monitoramento atuasse também disponibilizando conexão à internet para comunicação do usuário do veículo com outros usuários dos serviços de telecomunicações, funcionando como revendedora de serviço de telecomunicações, demandando a obtenção das autorizações necessárias junto aos órgãos competentes.

3. DESAFIOS E ENTRAVES TRIBUTÁRIOS PARA EVOLUÇÃO DA INTERNET DAS COISAS (IoT) NO BRASIL

Genericamente, os vários tributos que no Brasil oneram consumo, renda, folha e patrimônio são ruins para as empresas, para o cidadão e até mesmo para o fisco. Os tributos sobre a renda e sobre a folha, com inúmeros regimes jurídicos distintos, prejudicam o emprego, o salário e a equidade.

Especificamente, no que diz respeito à internet das coisas, há múltiplos tributos que incidem sobre todo espectro negocial dessa atividade: além dos tradicionais incidentes sobre a produção e consumo de bens e serviços (ICMS, IPI, PIS/COFINS e ISS), temos FISTEL (TFI – taxa de fiscalização de instalação e TFF – taxa fiscalização de funcionamento), FUST (1%) e FUNTTEL (0,5%).

Tais tributos são complexos, descoordenados, cumulativos, repletos de obrigações acessórias e geradores de enorme contencioso. Tal situação degrada o ambiente de negócios, implica perda da competitividade nacional e dificulta o controle político da carga tributária.

A falta de transparência ilude a percepção do cidadão e usuário dos bens e serviços digitais sobre os tributos embutidos nos preços, subtraindo o debate republicano e informado sobre a carga tributária incidente sobre o setor.

Tais desafios e entraves podem ser resumidos e classificados em cinco categorias: a) carga tributária desproporcional à essencialidade do produto/serviço; b) problemas de cumulatividade; c) problemas de imprecisão do fato gerador e guerra fiscal; d) reavaliação da relação custo/benefício das taxas FISTEL (TFI e TFF) e; e) reavaliação da relação custo/benefício das Contribuições FUST e FUNTTEL.



  • Carga tributária desproporcional à essencialidade do produto/serviço:



  1. as alíquotas do ICMS sobre o serviço de comunicação praticadas pelos Estados da federação estão entre 25% a 35%, cobradas por dentro (o imposto incluído na própria base de cálculo);
  2. serviço de comunicação e fornecimento de energia elétrica, essenciais para o desenvolvimento do setor de IoT, são enquadrados pelas legislações estaduais no mesmo critério aplicado para bens supérfluos (bebidas alcoólicas, armas e munição, perfumes, fogos de artifício etc);
  3. o tema está sob análise do STF, no âmbito do Recurso Extraordinário 714.139, em sede de repercussão geral, para avaliação de ofensa aos princípios da isonomia tributária e da seletividade previstos na Constituição Federal.



  • Problemas de cumulatividade:



  1. cumulatividade entre os tributos potencialmente incidentes na atividade do IOT: ICMS, IPI, PIS/COFINS e ISS;
  2. ineficácia técnica de isenções e não-incidências que anulam os créditos da etapa anterior e ensejam cumulatividade (IPI e ICMS);
  3. PIS/COFINS cumulativo;
  4. IPI cumulativo para uso e consumo;
  5. ICMS cumulativo para uso e consumo;
  6. ISS cumulativo, conforme LC 116 (em especial, novos Itens inseridos pela LC 157/2016: armazenagem de dados (item 1.03), elaboração de programas (item 1.04) e propaganda e publicidade (item 17.25);
  7. problemas inerentes à substituição tributária do ICMS, quando o fato gerador do substituído não se realiza e implica direito ao crédito do ICMS, pois os procedimentos para reaver os créditos são ineficientes, morosos e complexos.



  • Problemas de imprecisão do fato gerador e guerra fiscal:

  1. guerra Fiscal ICMS x ISS;
  2. guerra Fiscal ICMS x ICMS (27 Estados);
  3. guerra Fiscal ISS x ISS (5.760 munícipios);
  4. insegurança e imprevisibilidade na aplicação e interpretação das hipóteses abertas do ICMS-comunicação pelos 27 Estados;
  5. imprecisão na distinção entre serviços de comunicação e outros serviços conexos e SVAs para definição da incidência de ICMS ou ISS (serviço de comunicação x Cloud, por exemplo);
  6. insegurança sobre a incidência do ICMS ou ISS relativo às operações com software, programas, aplicativos, disponibilização de conteúdo, por qualquer meio, ante a publicação do Convênio CONFAZ ICMS nº 181/15;
  7. insegurança de como serão inseridos nas respectivas legislações municipais e aplicados os novos itens da LC 116 (em especial, os inseridos pela LC 157/2016, armazenagem de dados (item 1.03), elaboração de programas (item 1.04) e propaganda e publicidade (item 17.25)).

  • Reavaliação da relação custo/benefício das taxas FISTEL (TFI e TFF):



  1. reavaliação da adequação e oportunidade (há retorno efetivo?) das taxas FISTEL (taxa de fiscalização de instalação e taxa de fiscalização de funcionamento) ao art. 77 do Código Tributário Nacional (fato gerador = o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição);
  2. nova visão sobre a cobrança do FISTEL pode potencializar outras formas de cobranças, as quais deverão ser mais aderentes ao modelo de IoT;
  3. avaliação sobre a possibilidade da aplicação de modelos mais flexíveis em que o fato gerador poderia ser o uso (mas que poderiam obstar a natureza jurídica de taxa);
  4. avaliação sobre a ampliação para categorias mais detalhadas de dispositivos/serviços do Decreto 8.234/2014, de maneira a contemplar serviços em razão de seu impacto social (redes inteligentes[2] de distribuição e mensuração de energia elétrica e água), por área de serviço (segurança, rastreamento, pagamento, saúde, controle remoto, medição e dispositivos para o consumidor) ou dispositivos/soluções por especificação técnica (número de nós, alcance, potência, mobilidade, taxa de dados etc).



  • Reavaliação da relação custo/benefício das Contribuições FUST e FUNTTEL:



  1. a contribuição ao FUST (1%) vem cumprido sua finalidade de garantir a universalização dos serviços de telecomunicações?
  2. a contribuição ao FUNTTEL (0,5%) vem cumprindo sua finalidade de estimular a inovação tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas e médias empresas a recursos e equipamentos para ampliar a competitividade da indústria brasileira?

4. COMO DEVERIA SER A TRIBUTAÇÃO DA INTERNET DAS COISAS (REFORMA DA QUALIDADE DO SISTEMA TRIBUTÁRIO)? E OS RISCOS DO “APERFEIÇOAMENTO DO OBSOLETO” (ROBERTO CAMPOS)

Há dois caminhos para pensarmos os desafios da tributação da internet das coisas.

O primeiro, mais pragmático, é seguir rumo ao “APERFEIÇOAMENTO DO OBSOLETO (na feliz expressão de Roberto Campos, procurando adaptar o modelo de negócios desta nova tecnologia ao sistema tributário atual brasileiro, buscando incentivos fiscais e enfrentando os dilemas federativos da repartição de competências entre União, Estados e Municípios que impõe a abstrata e artificial separação entre mercadorias e serviços.

O segundo caminho, mais idealista, mas inexorável, é pensar qual posicionamento o Brasil pretende obter diante dessa nova ordem mundial da revolução tecnológica para desenhar um sistema tributário simples, neutro, transparente e isonômico que favoreça a livre concorrência e incentive o desenvolvimento desta política pública, com o mínimo de distorções e com o menor custo possível para a sociedade.

5. REFORMA DA QUALIDADE DA TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO: SIMPLES, NEUTRO, TRANSPARENTE, ISONÔMICO QUE FAVOREÇA A LIVRE CONCORRÊNCIA E O AMBIENTE DE NEGÓCIOS[3]

O CCiF[4] defende que o Brasil precisa de urgente reforma da qualidade do sistema tributário orientada para o desenvolvimento. Obra de infraestrutura institucional que é fundamental para a indústria produzir, o país exportar e a economia prosperar. É nossa porque cabe a nós, brasileiros, decidir que sistema tributário queremos para o país que sonhamos.

Todo o sistema tributário brasileiro carece de reforma, mas a tributação sobre o consumo é a mais disfuncional e a que mais urgentemente requer simplificação. A melhor forma de atingir este objetivo seria através de um NOVO imposto geral sobre o consumo de caráter nacional, baseado no modelo internacionalmente consolidado do IVA (imposto sobre o valor adicionado), que substituiria gradualmente o IPI, o PIS/COFINS, o ICMS e o ISS.

A estratégia de novo tributo modelar justifica-se pela grande contaminação dos tributos atuais por isenções, incentivos e regimes especiais. Possibilita, também, fazer a transição em um prazo relativamente longo, permitindo que as empresas se ajustem e que as políticas de incentivo sejam redesenhadas e se apoiem em instrumentos mais apropriados.

O objetivo final é a uniformização da legislação nacional da tributação sobre o consumo, criando novo cenário de futuro para o empreendedorismo no Brasil e mantendo a arrecadação constante.

A função da tributação moderna é arrecadar, não a de distribuir favores. Os incentivos fiscais e regimes especiais devem ser eliminados, abrindo espaço para a adoção de alíquotas uniformes e mais moderadas. Sem privilégios, a tributação se torna mais justa e onde todos pagam, todos pagam menos.

No modelo proposto, a não-cumulatividade é plena: o crédito é financeiro e irrestrito. Todo o tributo pago pela empresa na aquisição de bens e serviços constitui seu crédito, aplicável contra o tributo que deve pagar sobre os bens e serviços vendidos. Extingue-se a anomalia do “crédito físico” e garante-se devolução imediata dos créditos acumulados, qualquer que seja a sua origem.

O IGC[5] deve incidir sobre base ampla, alcançando o universo de bens e serviços e todas as formas de organização da atividade econômica.

As alíquotas da CGC e do IGC devem ser as mesmas para todos os bens e serviços. A tributação não deve depender da classificação de bens e serviços. A alíquota única é essencial para o empoderamento do cidadão como contribuinte efetivo e protagonista do debate político sobre carga tributária.

O IGC deve desonerar completamente as exportações de bens e serviços, garantindo-se a manutenção integral do crédito (tributação no destino). Tampouco devem onerar o investimento. O investimento deve gerar crédito integral e, caso não haja débitos suficientes, o crédito acumulado deve ser imediatamente ressarcido.

A base de cálculo dos novos tributos deve ser a receita líquida de impostos. O modelo proposto não admite a chamada tributação “por dentro”, prática obscura de fazer o imposto integrar a própria base de cálculo.

Propõe-se que o IGC seja criado com uma alíquota inicial de 1%, reduzindo-se compensatoriamente as alíquotas do PIS/COFINS. A vigência inicial da IGC com alíquota de 1%, durante dois anos, permitiria avaliar adequadamente o funcionamento deste tributo e estimar seu potencial de arrecadação. Após este período de teste, a alíquota do IGC seria elevada progressivamente e a dos demais tributos que serão substituídos reduzida progressivamente, completando-se a transição em 10 anos.

A arrecadação seria mantida constante durante toda a transição, com o aumento do IGC correspondendo exatamente à redução do IPI, do PIS/COFINS e do ICMS e do ISS. A segurança jurídica para os contribuintes e para o fisco exige um período longo de transição.

As contribuições ao FUST e FUNTTEL deveriam ser reavaliadas em razão da verificação de suas finalidades originais, bem como as taxas de fiscalização de instalação e funcionamento do FINTEL.

Os impostos aduaneiros de importação e exportação deveriam ser modelados de modo a atingir as políticas públicas desenhadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações para desenvolvimento da internet das coisas no Brasil.

O modelo proposto é simples, neutro, transparente e isonômico. A introdução desse novo paradigma traria grande avanço à tributação do consumo. Reduz a insegurança jurídica. Elimina a cumulatividade e os efeitos distorcivos da substituição tributária. Acaba com as práticas de cálculos “por dentro” e retenção indevida de créditos acumulados. Incentiva a livre concorrência e melhora o ambiente de negócios, promovendo o exercício da cidadania fiscal rumo à responsabilidade dos governantes negociada, democraticamente, nas urnas.

É jogo tipo ganha-ganha, construindo o futuro do Brasil[6].

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[1] http://www.participa.br/cpiot/itens-da-consulta
[2] http://exame.abril.com.br/revista-exame/o-brasil-na-onda-das-smart-grids/
[3] Artigo JOTA “É hora da reforma da qualidade da tributação sobre o consumo”: http://jota.info/e-hora-da-reforma-da-qualidade-na-tributacao-sobre-o-consumo
[4] http://ccif.com.br/
[5] Ver “As 20 vantagens da Contribuição Geral sobre o Consumo”: http://jota.info/20-vantagens-da-cgc-x-piscofins-reforma-da-qualidade-sistema-tributario  e “A URV Tributária e o fim da guerra fiscal do ICMS”  http://jota.info/artigos/urv-tributaria-e-o-fim-da-guerra-fiscal-icms-11072016, ambos disponíveis no JOTA.
[6] Ver “Nossa Reforma Tributária” http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,nossa-reforma-tributaria,10000060810  (no Estadão).

Eurico Marcos Diniz de Santi - Sócio fundador do SANTI, ESTEVÃO, SIMÃO & CABRERA Advocacia Institucional, Professor e Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais na FGV Direito SP, Prêmio Jabuti melhor livro de direito em 2008 e Diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).

Fonte: Jota.info/

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