A possibilidade de estados e municípios usarem até 80% dos depósitos judiciais de causas tributárias é uma espécie de “pedalada não financeira”, e desestimula governantes a fazerem reformas para equilibrar suas contas. Além disso, essa manobra — autorizada pela Lei Complementar 151/2015 — prejudica contribuintes e advogados, pois não há prazo para eles receberem seus valores de volta, sendo pagos pelo demorado trâmite dos precatórios.
Essa é a opinião dos advogados e colunistas da ConJur Fernando Facury Scaff e Gustavo Muller Brigagão. Os dois proferiram palestras em Belo Horizonte nesta quarta-feira (14/09), primeiro dia do XX Congresso Internacional de Direito Tributário. O evento, que vai até sexta (16/9), é organizado pela Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt).
Segundo o advogado, a autorização para que estados e municípios usem valores de depósitos judiciais é diferente da mesma prerrogativa concedida à União pela Lei 9.703/1998. Isso porque o governo federal pode emitir moeda para garantir a quitação de sua dívida. Como aqueles entes públicos não tem esse poder, eles vão ter que aumentar tributos para assegurar a devolução dos valores tomados arbitrariamente de contribuintes.
“Isso me parece um saque. O problema é que vai nos levar a uma falência ainda pior, pois estamos apenas adiando a resolução do problema. Para fins tributários, a importância é que a gente corre risco de não ver o dinheiro devolvido. Nós, contribuintes e advogados tributaristas, precisamos entrar nesse debate, pois só os fiscos estão devidamente representados nele. Cada vez é mais perigoso advogar contra o Poder Público nesse país”, lamentou Scaff.
Brigagão também criticou a autorização dessa pedalada não financeira. A seu ver, a prática é inconstitucional e injusta com os contribuintes, que ficam sem saber quando receberão o dinheiro de volta.
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Em sua palestra, Gustavo Brigagão — que é professor da FGV — afirmou que os investidores estrangeiros têm uma visão negativa sobre o sistema tributário brasileiro. Isso ocorre por três razões: complexidade, insegurança jurídica e dificuldade na resolução dos conflitos.
O primeiro aspecto decorre da coexistência de três esferas legislativas e arrecadatórias (União, estados e municípios). O segundo, dos conflitos entre tributos (por exemplo, se incide IMCS ou ISS em uma transação), poderes e entendimentos dos tribunais. Já o terceiro ponto diz respeito à inclinação pró-Fisco das cortes judiciais e administrativas. Na visão do advogado, isso fica claro nos votos de qualidade (para desempate) no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que são contrários ao contribuinte 96% das vezes.
Dessa forma, uma reforma tributária para recolocar o Brasil na rota do crescimento econômico deveria concentrar-se em resolver esses problemas, conforme Brigagão. Ele ainda sugere a criação de um Imposto de Valor Agregado Federal, que acabaria IPI, ICMS, ISS e PIS/Cofins e teria sua arrecadação dividida entre os entes federativos de forma semelhante à que ocorre no Simples. Com isso, aponta o tributarista, haveria uma simplificação drástica no sistema.
Também com esse objetivo, Fernando Scaff recomenda a eliminação de 50% das obrigações acessórias — basicamente, as de preencher documentos e fornecer informações. Outra medida que ajudaria o país a sair da crise econômica na visão dele seria a redução de alíquotas de IPI, ICMS e PIS/Cofins, algo relativamente fácil de ser feito, uma vez que não exige alteração constitucional.
Por sua vez, o professor da USP Estevão Horvath declarou ser preciso acabar com a desigualdade fiscal que reina no Brasil por causa da prevalência de tributos indiretos. Para mudar essa situação, ele propôs a instituição de um imposto para artigos de luxo e bens supérfluos.
No entanto, o tributarista alertou que nenhuma reforma fiscal pode mitigar princípios constitucionais, por mais nobres que sejam os objetivos de aumentar a igualdade e fazer o país voltar a crescer.
Fonte: Conjur
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