
O CPC/2015 deve ser aplicado de forma supletiva quando inexista legislação especial tratando do processo administrativo tributário. Já a aplicação subsidiária se dará apenas naquelas hipóteses em que a legislação especial se omitiu em regulamentar determinada questão de ordem processual que é regulada no novo Código.
Em se tratando da aplicação subsidiária, será necessário que as legislações hoje existentes passem por um processo de adaptação, com a necessária modernização e contemplação de princípios que foram aperfeiçoados ou mesmo introduzidos no sistema pela nova legislação como a maximização do contraditório, a cooperação entre aqueles que litigam, a primazia do julgamento de mérito com a superação de aspectos formais que podem ser sanados no curso do processo e a uniformidade das decisões, dentre outros.
Neste contexto, já se identifica uma preocupação da comunidade jurídica em propor essas alterações, como a que vem sendo empreendida pela FGV Direito SP. O Núcleo de Direito Tributário Aplicado, em parceria com o MDA – Movimento de Defesa da Advocacia, tem debatido as alterações necessárias à lei do processo administrativo do estado de São Paulo para adequá-la ao novo contexto processual estabelecido pelo CPC/2015. As primeiras conclusões da pesquisa serão apresentadas em evento a ocorrer no próximo dia 06 de outubro, no auditório da FGV Direito SP.
Se o novo CPC, por meio do seu artigo 15, pretende promover uma interferência externa no processo administrativo tributário ao determinar sua aplicação subsidiária, a proposta que é pensada pela parceria entre o Núcleo de Direito Tributário Aplicado e o MDA é uma interferência interna, que se dará pela reformulação e adequação das normas que regulam o processo administrativo tributário. Pretende-se que os valores incorporados como fundamentais às relações processuais passem a compor as legislações do processo administrativo tributário.
A importância dessa interação do CPC/2015 com o processo administrativo tributário é verdadeira condição de efetividade do direito, pois, como bem apontado na exposição de motivos do Anteprojeto do novo Código:
“Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade”.
Sendo a justiça tributária em estado de conflituosidade somente alcançada por meio do processo, instrumento por excelência de realização do direito material, é também o processo administrativo tributário um mecanismo para seu atingimento. A pergunta que se coloca, então, é a seguinte: quais os limites que devem nortear estas adaptações das leis que regem o processo administrativo? Essa resposta parte da necessária diferenciação entre normas que regulam o processo administrativo e aquelas que são estritamente procedimentais e, portanto, regem o procedimento administrativo; o encadeamento dos atos que conformam o rito do processo administrativo.
Não são essas normas (as de procedimento) que as inovações do CPC/2015 tocam. O movimento pretendido pelo Código privilegia a proteção do bem da vida controvertido, e não o rito processual. Por essa razão, qualquer complementação ou alteração interna que seja promovida nas legislações dos processos administrativos tributários deve ter preocupação desse quilate: a tributação tal como distribuída constitucionalmente.
Dessa forma, assim como se deu na elaboração do novo Código, e isso está estampado em sua exposição de motivos, o trabalho do Núcleo de Direito Tributário Aplicado e do MDA tem precipuamente cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o “juiz administrativo” possa proferir decisão de forma mais próxima à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.
Para atingir esse desiderato, necessariamente deve o processo administrativo tributário estar concatenado com o processo civil, pois, antes de ser administrativo e tributário, é processo, é mecanismo de solução de conflito de interesses. Adjetivar o processo de “tributário” é tomar como pressuposto da relação processual um conflito de interesses entre fisco e contribuinte, o que não infirma o fato de que processo tributário é, também, processo civil. Assim, à falta de um código específico, as contendas entre fisco e contribuinte serão resolvidas por meio das regras do processo civil, entrincheiradas no CPC, o ponto de partida, o norte e o sul de todo e qualquer instrumento de solução de conflito de interesse não penal. É o que preleciona Paulo Cesar Conrado:
“Processo tributário é processo civil, particularizado pela circunstância, única, de a relação jurídica que o precede logicamente alinhar-se ao específico ramo didático do direito tributário”.
Com o novo Código, oportunidades se abrem para repensar a efetividade do processo administrativo tributário. E justamente porque é processo, sofre das mesmas mazelas do processo judicial. Se a tentativa é consertá-las e até mesmo, melhorá-las, a fagocitose dos microssistemas é bem-vinda e crucial para a sobrevivência da ideia que acreditamos que o código pretende propagar: a existência de um modelo constitucional de direito processual, algo maior do que qualquer código ou legislação de processo administrativo tributário.
Por Juliana Furtado Costa AraujoDoutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora do Mestrado Profissional da FGV Direito SP. Procuradora da Fazenda Nacional em SP
Por Camila Campos VergueiroMestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora de Direito Tributário e Processo Tributário da FGV Direito SP e do IBET. Advogada em São Paulo
Fonte: Jota
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