É antigo o quadro absolutamente complexo e, por vezes, ambíguo, imposto ao contribuinte dentro do direito brasileiro em matéria tributária. A premissa constitucional de segurança jurídica, da qual decorre a estabilidade e previsibilidade, parece um pensamento utópico, que se distancia a cada publicação oficial.
Vejamos, por exemplo, a situação daquele contribuinte que possui um benefício fiscal de crédito presumido de ICMS e necessita definir as suas premissas tributárias, fiscais e contábeis.
Melhor seria se a jurisprudência administrativa entendesse pela tese da imunidade tributária
Entre julho de 2011 e julho deste ano, foram publicados 27 acórdãos sobre a matéria e absolutamente todos foram julgados com base no mesmo entendimento. Portanto, podemos afirmar que trata-se de jurisprudência da referida Corte e que, a saber, tem sido aplicada pelos tribunais.
Todavia, tal cenário de estabilidade não foi transportado para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). No mesmo período, foram publicados 27 acórdãos sobre a matéria. Entretanto, 16 tiveram resultado pró-fisco e apenas 11 terminaram com decisão favorável ao contribuinte.
Não bastasse a discrepância de posicionamentos, apenas em cinco oportunidades a jurisprudência do STJ foi citada pelos relatores, e mais, no recente acórdão 3301-002.966 o conselheiro que seguiu o entendimento do STJ foi voto vencido na ocasião.
Patentemente, nenhum conselheiro está vinculado ao entendimento do STJ, inclusive porque tal questão ainda será debatida no Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 835.818/PR, que teve repercussão geral reconhecida.
Porém, a insegurança jurídica causada pela divergência dos cenários, continuará causando prejuízos aos contribuintes até lá, notadamente porque o "conforto" oferecido pelo Judiciário é lento, impõe custas e requer depósito judicial na maior parte dos casos.
Cenário ainda mais obscuro para os contribuintes é encontrado na tributação do Imposto de Renda e da CSLL sobre o crédito presumido de ICMS, vez que, nesta matéria, sequer o STJ chegou a algum consenso.
A 2ª Turma, por exemplo, possui um posicionamento consolidado no sentido de que o crédito presumido de ICMS aumenta indiretamente o lucro tributável e, portanto, deve compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A 1ª Turma, por outro lado, já decidiu sob a perspectiva da tese da imunidade tributária no AgRg no REsp 1.227.519/RS e no AgRg no REsp 1.461.415/SC. Por certo, caberá ao STF a definição sobre a matéria, em momento oportuno.
Por ora, cabe ao contribuinte a interpretação sobre a correta aplicação do direito tributário dentro do seu caso concreto.
Pois bem, a não incidência de tais tributos sobre o crédito presumido de ICMS se justificaria pelo fato de a Lei Complementar nº 101/00 (que estabelece normas de finanças públicas e de gestão fiscal) definir em seu artigo 14, parágrafo 1º, que a concessão de crédito presumido configura renúncia à receita do ente federado.
Desta forma, se algum Estado renuncia à sua receita, mediante concessão de crédito presumido, temos que tal parcela inserida no resultado da pessoa jurídica possui, na verdade, origem estadual. Releva destacar que o Estado renuncia a obtenção de tal parcela em prol do desenvolvimento econômico do seu território.
Se sobre esta parcela de origem estadual a União busca exercer poder de tributar, há clara ofensa ao pacto federativo, do qual decorre a imunidade recíproca prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição Federal. Esta configura uma limitação constitucional ao poder de tributar, de tal forma que o crédito presumido de ICMS não poderia ser alcançado por qualquer tipo de tributação.
Cabe dizer que, quando caracterizado como subvenção para investimento, o crédito presumido de ICMS já será excluído da apuração do lucro real se respeitadas as normas específicas de escrituração (agrupadas, em especial, na Instrução Normativa nº 1.515/14). Entretanto, quando caracterizado como subvenção para custeio, irá compor o lucro operacional por expressa previsão legal (artigo 392, I, do Regulamento do Imposto de Renda).
Sem adentrar as condições específicas de classificação das subvenções, fato é que o cenário é desafiador para aqueles que pretendem conseguir decisão favorável à classificação de seus benefícios fiscais de crédito presumido de ICMS como subvenção para investimento. A análise é casuística e depende dos termos estabelecidos no regime especial de tributação concedido pelo Estado, bem como da utilização e escrituração dos recursos subvencionados.
Para os contribuintes em estágio de planejamento, melhor seria se a jurisprudência administrativa entendesse pela tese da imunidade tributária do crédito presumido de ICMS, especialmente se o contribuinte entender que o seu benefício fiscal é caracterizado como uma subvenção para custeio. Entretanto, mesmo quando provocada pelos contribuintes, tal tese não prevaleceu. Seguimos rumo à utopia.
por Vitor Soares Marinho é advogado do Veríssimo, Moreira & Simas Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário