O compasso de espera de décadas por uma reforma tributária é o grande entrave para a atualização do Código Tributário Nacional (CTN), que completa 50 anos em outubro. A afirmação é da ministra Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com ela, o Código de 1966 não é substituído porque se está aguardando uma reforma no plano constitucional.
Em entrevista ao JOTA, Regina Helena afirma que o CTN é um sobrevivente de três Constituições e que a legislação que serve como norma geral de tributação é omisso em vários aspectos, inclusive em relação às contribuições sociais que são o maior alvo de litígio nos tribunais.
“O CTN foi concebido à luz da Constituição de 1946, entrou em vigor três meses antes da Constituição de 67, ou seja, começou a ficar defasado naquele momento”, afirma, acrescentando que apesar das omissões e descompassos com a Constituição, o CTN deve permanecer “por muito tempo”.
“Isso porque a dificuldade de uma reforma constitucional é recorrente. Mas por que não fazer ajustes pontuais, como incluir normas gerais de contribuições? Seria um avanço”, opina.
No dia 19 de outubro, o STJ realiza o Seminário sobre os 50 anos do CTN. Entre os participantes estão ministros da Corte e juristas veteranos, que testemunharam o início do Código que criou regras iguais de tributação para a União, os Estados e os municípios.
Leia a entrevista:
O Código não dialoga muito bem com a Constituição porque ele é muito anterior a ela. O CTN é de 1966, entrou em vigor em janeiro de 1967. Ou seja, ele se reportava a Constituição de 1946. Em março daquele ano veio uma nova Constituição. Depois a CF de 1988. O CTN é um sobrevivente, sobreviveu a três Constituiçōes. Se um lado isso mostra a virtude da lei por outro lado há muitos institutos que a CF prevê e o CTN não conhece, há coisas que o Código diz e que não foram recepcionadas pela Constituição.
O CTN, por exemplo, desconhece as contribuiçōes sociais, que são tributos muito importantes, que tem fundamento no artigo 149 da Constituição. E hoje são os tributos mais polêmicos, aqueles que ensejam maior litigiosidade. Não há normas gerais sobre esses tributos. A Constituição introduziu institutos e conceitos novos que o CTN não conhece. Então, nessas situações, não existem normas gerais. Ficamos como se não houvesse código. E há outras coisas que o Código diz que são incompatíveis com a Constituição, então foram revogadas ou não recepcionadas.
Além de o CTN não dialogar adequadamente com a CF que é superior e mais recente, sempre essa história da reforma tributária surge como entrave à reforma do CTN. Não se substituiu o Código de 66 porque sempre se está aguardando uma reforma no plano constitucional.
Já tivemos inúmeras emendas constitucionais para fazer a reforma que trouxeram mudanças no capítulo do sistema tributário na Constituição, mas nunca de maneira abrangente – sempre pontuais. Não se consegue levar adiante reforma tributária porque, claro, é muito difícil, envolve há questões políticas, econômicas. Desde que eu nasci há tentativas de reforma tributária – e faz tempo que eu nasci (risos).
É um problema porque o CTN começou a se defasar já em 67, logo que nasceu.
O Judiciário não consegue resolver essa defasagem?
É possível, mas é um trabalho árduo. No caso do STJ, que tem a missão de uniformizar a interpretação da lei federal – e as mais importantes são os códigos -, há uma dificuldade em relação ao CTN porque a Constituição trata de forma densa de matéria tributária. Com outros códigos não há tanta dificuldade porque a constituição fala muito menos que de matéria de tributação.
Quanto mais a CF fala sobre determinado assunto menos pode falar a legislação que lhe é subordinada. Embora a Constituição traga princípios de direito penal, processo civil e penal ela ficou num nível mais básico. Então o CTN fica muito refém do que a Constituição diz. Se dizer algo contrario ao que prevê a Constituição ele está revogado.
Podemos atribuir a longevidade do Código à incapacidade de fazer uma reforma tributária?
Esse é um ponto. Não seria má em dizer que ele só viveu porque é difícil fazer reforma constitucional, mas isso é um grande entrave para se pensar na substituição da legislação.
Mas o CTN tem qualidades, é um texto bem escrito. A grande virtude do CTN é antes dele não havia nenhuma uniformidade de norma sobre tributação. Havia a Constituição, e leis esparsas da União, dos Estados e dos Municípios. Estamos numa federação, temos União, Distrito Federal, Estados e municípios – quatro tipos de entes políticos – e cada um legislava o que bem entendia.
Se hoje achamos que o sistema é complexo – e é – antes era uma confusão total. O CTN significou um avanço imenso ao estabelecer regras que todos os entes devem seguir.
Com todo o sistema tributário estruturado na CF ainda precisaríamos de um Código?
Precisa sim porque as normas constitucionais são abrangentes, por mais que a CF seja detalhista na matéria tributária, são normas abertas. O Código explicita e desdobra aquilo que a Constituição diz. Então, certamente há espaço para ele. Mas se formos comparar o Código de Processo Civil tem muito mais espaço para falar sobre o processo civil do que tem o CTN em tributação. Em doutrina costumamos falar que a Constituição antecipa as normas tributárias.
Depois de 50 anos vividos de um código que passou por três Constituições, qual o balanço que podemos fazer dele? O objetivo do seminário é discutir isso. O que o CTN conseguiu disciplinar de forma adequada e o que não? Quais as perspectivas? Temos a ideia de que podemos avançar sem substituirmos o Código até porque há a situação de que sem reforma tributária não há novo Código. Há projetos de alteração do CTN que não andam há anos.
Mas acredito que permaneceremos com o Código atual por muito tempo porque a dificuldade de uma reforma constitucional é recorrente. Mas por que não fazer ajustes pontuais, como incluir normas gerais de contribuições? Seria um avanço.
Qual a relação entre o CTN e o sistema tributário atual tem a União como, digamos, a personagem principal na arrecadação e repartição de receitas? O Código contribuiu para isso?
A responsável por isso é a Constituição porque ela reparte as competências. No meu entender o Código pouco influiria nisso. Realmente existe uma concentração, que vem de Constituições anteriores, de competência da União para tributar. Temos uma federação centralizada. A União tem uma competência gigantesca, arrecada o maior número de impostos, arrecada as contribuições – as sociais, gerais, interventivas. Os Estados e municípios só podem recolher as contribuições providenciarias dos servidores. E esse recorte sempre é levantado quando se pensa em uma reforma tributária: será que nesse momento histórico a repartição deve permanecer assim?
A questão é que precisa dar os maiores instrumentos arrecadatórios para quem tem mais gasto, então se pressupõe que o constituinte considerou que a União precisaria de mais dinheiro por ter mais encargos.
Mas é a Constituição a grande demarcadora das discussões tributárias, o Código faz o papel de desdobrar, explicitar e detalhar o que a CF falou – não pode inventar ou falar contra.
Fonte: Jota
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