sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Notas explicativas e demonstrações sem embromação


Passadas as publicações de 2015, mas começando a se aproximar o final de 2016, talvez seja o momento de voltar a esse assunto. 

Pesquisa da Abrasca, associação que representa companhias abertas, mostrou que, em 2014, após a emissão da OCPC 07 sobre notas explicativas, houve uma redução até que significativa do tamanho dessas notas; e alguns trabalhos acadêmicos evidenciaram razoável melhora na qualidade delas. Já em 2015 não foram percebidas mudanças da mesma intensidade.

Mas o que é assustador é a não observância daquilo que determinam as normas internacionais (que, sendo adotadas, produziriam um efeito devastador para as receitas dos jornais). A saber, entre outras normas:

— Todas as informações financeiras relevantes precisam ser evidenciadas, mas só devem ser informadas as relevantes. Ou seja, as normas são claríssimas ao condenar o oferecimento de notas irrelevantes! 

— Somente devem ser dadas as informações que forem capazes de produzir mudanças nas decisões de credores e investidores. (CPCP 00 sobre estrutura conceitual, parágrafos OB2, QC6, QC11 etc.). E a administração deve afirmar isso, segundo a OCPC 07. 

— Notas exigidas por pronunciamentos específicos só devem ser dadas se tiverem essa característica de materialidade e relevância. 

— Notas sobre políticas contábeis, apenas as específicas da empresa e caso se referiram a valores relevantes (até a Lei das S.As. já diz isso desde 1976, no artigo 176).

Esses princípios se aplicam também integralmente ao conteúdo das próprias demonstrações. Só que continua assustador o número de notas e de linhas nas demonstrações contábeis que não atentam para a materialidade e a relevância das informações. Daí talvez a explicação para eu ter recebido um pedido para fazer uma apresentação sobre a matéria no Congresso Brasileiro do Conselho Federal de Contabilidade, sob o mesmo título-chamariz desta coluna. Aliás, adorei o título. Porque o que parece é exatamente o que diz a OCPC 07: repetições e informações irrelevantes só servem para desviar a atenção do leitor, ou seja, para embromar.

Assustei-me ao pegar a elite — as 25 empresas participantes do Prêmio Transparência Anefac/Fipecafi/Serasa deste ano. As melhores! Numa delas, escolhida aleatoriamente, peguei um valor igual a 1,5% do ativo, igual também a 2,5% do patrimônio líquido, e 10% do lucro líquido, tomei-o como o limite do que é material e contei: 20% das linhas do balanço são sobre valores irrelevantes; no resultado, o mesmo percentual; no fluxo de caixa, incríveis 43% de linhas sobre valores irrelevantes. E, nas notas explicativas, assustadores 35% de espaço gastos com valores inferiores ao número que considerei como material! E o que é importante, o maior valor em toda a demonstração, igual a mais de 100% do patrimônio líquido, com apenas um décimo de uma das 14 páginas do jornal (essa é para pensar em casa…). Incrível!

Acredito que o melhor caminho para se dar um salto enorme em direção à efetiva transparência, sem embromação, seja o seguinte: a administração da companhia determina o que considera valor material sob a ótica dos credores e investidores, diz qual é esse número, e só informa a partir dele. A não ser naquele caso em que as próprias normas afirmam, o que é lógico: a nota pode não ser relevante hoje, mas contém informações que levarão a números materialmente significativos no futuro.

O exercício feito mostra que essa trilha pode ser mesmo muito promissora. Claro, só os acionistas dos grandes jornais não vão gostar, mas sinto muito. O que não podemos é continuar embromando usuários da informação contábil, partindo do princípio de que o que é relevante está sendo dado.

por Eliseu Martins é professor emérito da FEA-USP e da FEA/RP-USP, consultor e parecerista na área contábil

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