A situação econômica do país pode melhorar um pouco com as medidas que nossos governantes anunciam. Todavia, a reforma da previdência, o estabelecimento de limites nas despesas, a privatização de alguns setores da atividade pública e mesmo a redução do número de servidores são medidas que por certo vão gerar sérias reações de grupos organizados da sociedade. Ainda que tudo isso seja colocado em prática, não podemos nos esquecer que seus resultados não serão obtidos de forma rápida.
A sociedade brasileira já sofre uma pressão enorme com o elevado número de desempregados, a redução das atividades industriais e a crise no mercado imobiliário.
Diante desse quadro de perigosa ruptura social, não pode o governo (seja federal, estadual ou municipal) permanecer na sua cômoda posição de alheamento, como se nenhuma relação tivesse com esse quadro tão negativos.
Ora, o que temos visto, no caso de atraso de pagamento de tributos, em especial dos devidos por empresas, é apenas a criação de problemas ainda maiores para os devedores.
O sórdido e ilegal instrumento do protesto de dívidas tributárias tem se generalizado em todo o país. Isso aumenta o problema do devedor e na maioria dos casos não leva ao pagamento. Empresas de pequeno e médio porte, que são as que respondem por parte relevante dos empregos que ainda existem, quando recebem o aviso do cartório, são obrigadas a dar preferência ao pagamento dos seus empregados, da conta de energia elétrica, telefone e fornecedores.
A autorização legal para o protesto desobedeceu normas de elaboração de leis, como demonstramos nesta coluna em 7 de janeiro de 2013, logo após o surgimento da Lei 12.767.
Embora haja decisões judiciais reconhecendo a legitimidade da lei, também já se decidiu em sentido contrário, quando foi aplicado o princípio de que a cobrança deve ser feita da forma menos gravosa para o devedor. Eis aí mais uma demonstração da insegurança jurídica a que nos submetemos.
Em diversas ocasiões deixamos clara a nossa posição de que o pagamento do tributo é dever cívico e necessário para o país. Mas a situação financeira hoje não é normal e tal situação não pode ser ignorada pelo governo, o responsável por isso.
Já foram concedidos no passado, tanto pela União quanto pelos Estados e Municípios, parcelamentos de dívidas tributárias em prazos dilatados e até com algumas reduções para prazos menores que os máximos. Alguns desses procedimentos especiais de liquidação de débitos surgiram em época onde a situação não era tão grave como hoje.
Por outro lado, já foi divulgado o propósito de se promover uma securitização da dúvida ativa da União, no que alguns Estados também estariam interessados.
A securitização seria uma negociação com instituições financeiras, que adiantariam o valor da dívida ativa ao governo mediante um desconto ou deságio, ante os riscos e demora na liquidação.
Nossos governos (União, estados, DF e municípios) estão com sérias dificuldades financeiras. Os bancos sabem disso e por certo vão obter o máximo de deságio possível. Na verdade, são intermediários a se beneficiar de valores gerados e pertencentes a terceiros. Seu único objetivo é lucrar o máximo que puderem.
Feitas essas considerações, claro está que para a obtenção de Justiça Tributária mais recomendável é que os próprios devedores, especialmente as empresas, possam ser o alvo dessa grande renegociação, criando-se um amplo programa de parcelamento especial com prazos e encargos adequados à atual situação, evitando-se os intermediários.
São as empresas, especialmente as médias e pequenas, que encontram hoje mais dificuldade para manter-se em dia com suas obrigações tributárias. E enquanto não se colocarem em situação regular com o fisco, suas atividades sofrem limitações como, por exemplo, a não obtenção de certidões negativas que lhes possibilitem participar de concorrências.
Alguém poderia questionar o fato de que a concessão de um novo e amplo programa de parcelamento seria um estímulo ao não pagamento. O argumento não resiste a uma análise lógica. Quem já tem condições de pagar não precisa disso e não se sujeita aos acréscimos que incidem nessas operações. Para evitar o tal estímulo bastaria que o fisco adotasse mecanismos eficazes de acompanhamento dos pagamentos. Não é razoável, por exemplo, que possa demorar mais de um ano apenas para consolidar uma dívida, o que depende apenas de alguns cálculos.
Também não parece justa a negativa de uma renegociação, quando sabemos que clubes de futebol recentemente se favoreceram com parcelamentos de até 25 anos. Como todos sabem, essas entidades não são e nunca foram relevantes na economia brasileira e não são exemplos de boa conduta no cumprimento de suas obrigações fiscais e sociais.
Nossa economia precisa recuperar-se e uma ampla renegociação tributária é um instrumento adequado para isso. Precisamos adotar uma política de pacificação não apenas na área política, mas principalmente no campo econômico e tributário. Sem isso ficaremos o resto deste século procurando culpados pelos nossos problemas. O que precisamos não é encontrar os culpados, mas as soluções.
por Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Conjur
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