quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Quando não é legal tributar a cultura

O acórdão 2301-004.750 consubstancia precedente para a área cultural brasileira pois, à unanimidade, Turma e Câmara da Segunda Seção do CARF conheceu e deu provimento a apelo voluntário de contribuinte/recorrente, consubstanciado decisão pelo direito – do Museu de Arte Moderna de São Paulo – à restituição de “IRRF sobre remessas ao exterior com finalidade de remuneração pela exposição no Brasil de obras de artes do acervo cultural” estrangeiro.

Na hipótese analisada, temos que promoveu a instituição cultural remessa de valores a empresa domiciliada na Argentina; sendo que o pedido creditório foi indeferido em primeira instância administrativa sob o argumento de que tais “remessas ao exterior pagamento de coordenação de exposições, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte, por caracterizarem remuneração pela prestação de serviços (sic).”

Em recurso voluntário ao CARF foi sustentado que:

(i) à espécie não se aplicaria a “Lei Rouanet” para fins de indeferir a restituição reclamada;

(ii) o caso é de remessa de valores ao exterior para pagamento de prestador de serviço estrangeiro contratado para atuar em eventos de exposição de artes no Brasil;

(iii) a instituição cultural recorrente não é atingida pela “Lei Rouanet”, uma vez que é sociedade sem fins lucrativos que tem como fonte doações e investimentos feitos de pessoas jurídicas, estas sim beneficiárias da mencionada “lei”; e,

(iv) a isenção prevista no Regulamento do Imposto de Renda datado de 1994 (RIR/94) não está condicionada a concessão de benefício “à prévia aprovação do projeto por parte do Ministério da Cultura, diferentemente da lei Rouanet“.

E para prover o apelo interposto, concluindo pelo direito da contribuinte/recorrente à restituição de IRRF sobre as remessas de valores ao estrangeiro, aquele Colegiado afastou a aplicação do Ato Declaratório Normativo COSIT n. 20/00, bem como atraiu para o caso concreto a isenção prevista no artigo 755, XI do RIR/94.

O afastamento daquele Ato Declaratório Normativo COSIT n. 20/00 deu-se sob o fundamento de que teria havido equívoco pela autoridade administrativa quando não diferenciou o tratamento tributário a ser dispensado para o rendimento oriundo de prestação de serviços na área cultural, para o do pagamento pela exposição de evento ou acervo de arte.

Na situação do rendimento oriundo de prestação de serviços na área cultural o objeto da “contratação é a prestação do serviço em si mesmo, sem relação com a finalidade do bem jurídico a que se visa alcançar com a norma: a abertura para o intercâmbio de conhecimentos científicos, da educação e da cultura.”

Na situação de pagamento pela exposição de evento ou acervo de arte, “o que se está remunerando é a entrada no país de conhecimentos científicos, educacionais e culturais desenvolvidos em outros países e não pelo que aqui no Brasil já temos“.

Assim, definiu-se que a previsão contida na “Lei Rouanet” não se aplicaria ao caso examinado, uma vez que dita “Lei” tem por princípio valorizar o produto cultural gerado no Brasil; sendo que a análise da restituição reclamada do IRRF, pela contribuinte/recorrente, tem por pilar a remuneração de entidade estrangeira pela execução, coordenação e supervisão da apresentação, ao público brasileiro, de coleção de arte alienígena, tratando-se, então, de mero repasse de valores ao exterior, e para o prestador desses serviços, dos custos incorridos para efetivação daquele evento cultural.

O intercâmbio cultural propiciado contemplaria a hipótese de isenção prevista no RIR/94, alinhada que está a mesma com o Manual do Imposto de Renda Retido (MAFON), disciplinador de regra pela “não sujeição ao IRRF pela fonte pagadora no Brasil nos casos de rendimentos de pessoas jurídicas residentes ou domiciliados no exterior provenientes de serviços com fins culturais“.

Concluindo pelo direito da instituição cultural brasileira à restituição do IRRF na hipótese de remessas de valores ao exterior e para pagamento de entidade estrangeira prestadora de serviços, garantidora da efetiva exposição de obras de arte no Brasil, fez ainda consignar o Colegiado – com destaque – que a produção cinematográfica, mesmo tendo fim cultural, não seria abarcada por tal norma de isenção, e que, consequentemente, sujeitar-se-ia a tributação observada a alíquota de 25% (vinte e cinco por cento).

Por Dalton Cesar Cordeiro de Miranda
Advogado e consultor em Trench, Rossi e Watanabe Advogados

Fonte: Jota

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