Muitas empresas são questionadas pelo fisco estadual no que se refere ao recolhimento do ICMS sobre os valores recebidos em contrapartida à locação de bens móveis (equipamentos) utilizados na prestação de serviços de comunicação.
As autoridades fiscais afirmam que os equipamentos locados pelas empresas seriam necessários à prestação dos serviços de comunicação e, com isso, o ICMS deveria incidir sobre o valor da locação desses bens. Essa exigência, entretanto, é absurda e deve ser afastada em linha inclusive com o entendimento pacífico dos tribunais superiores.
Com base nesse permissivo constitucional e em atenção ao disposto no artigo 146, inciso III, também da CF, a hipótese de incidência do imposto sobre a prestação do serviço de comunicação foi disciplinada por intermédio da Lei Complementar ("LC") nº 87/96:
"Art. 2º. O imposto incide sobre:
(...)
III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a repetição, e a ampliação de comunicação de qualquer natureza".
Ocorre que, na maioria dos casos em que as autoridades fiscais exigem o ICMS sobre a locação de equipamentos, esta ocorre de forma desvinculada da prestação dos serviços de comunicação, de forma que os clientes podem, inclusive, adquiri-los ou locá-los de terceiros sem que isso interfira na continuidade da prestação dos serviços de comunicação.
As receitas obtidas com o aluguel dos equipamentos não se confundem com aquelas oriundas do serviço de comunicação e, assim, não podem ser incluídas na base de cálculo do ICMS, sob pena de ofensa a dispositivos legais e constitucionais.
Além disso, é importante ressaltar que a locação de bens móveis não se equipara nem se confunde com qualquer espécie de prestação de serviços. Nas palavras do Professor José Eduardo Soares de Melo, "o cerne da materialidade da hipótese de incidência não se circunscreve a ?serviço?, mas a uma ?prestação de serviço?, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de ?fazer?, de conformidade com os postulados e diretrizes do direito privado" (1).
Nesse sentido, a locação de bens não reúne as características necessárias à prestação de serviços, visto que é nitidamente uma "obrigação de dar", e não uma "obrigação de fazer". Isso fica evidente na análise do artigo 565 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002) (2).
Esse entendimento já foi confirmado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal ("STF") no julgamento do Recurso Extraordinário nº 116.121/SP (3). Naquela oportunidade, a Suprema Corte manifestou seu entendimento de que na locação de bens móveis não está configurada hipótese de prestação de serviço.
Portanto, conforme definido pelo STF, temos que a locação de bens móveis não pode ser considerada serviço e muito menos um serviço de comunicação, estando a exigência do ICMS nesse caso em flagrante confronto com os dispositivos legais e constitucionais que regem a matéria.
Ainda que se admitisse que a locação de bens móveis pode ser equiparada a uma prestação de serviços, isso não seria suficiente para validar a exigência do imposto. Isso porque a incidência do ICMS não pressupõe a existência de um serviço qualquer, mas sim da prestação de um serviço de comunicação.
Nesse sentido, como já definido pelo Superior Tribunal de Justiça ("STJ") em outras oportunidades e de acordo com o disposto na CF, na LC nº 87/96 e na Lei Geral de Telecomunicações ("LGT"), somente há serviço de comunicação quando um terceiro, mediante prestação negocial-onerosa, possibilita que interlocutores (emissor/receptor) transmitam, recebam ou emitam informações de qualquer natureza. Essa situação, contudo, não ocorre com a mera locação dos equipamentos em questão.
Pretender que o aluguel dos equipamentos seja tributado pelo ICMS resulta na absurda conclusão de que, nos casos em que o cliente optar por locar os equipamentos de terceiros que não sejam empresas de telecomunicações, esse aluguel estará também sujeito à incidência do ICMS, bem como seria necessário admitir que as empresas locatárias de equipamentos necessitariam obter licença na ANATEL para prestação de serviços de comunicação.
Logo, como já foi frisado, não é qualquer receita obtida por uma empresa de telecomunicações que necessariamente é receita tributável pelo ICMS. Esse aspecto já foi objeto do voto do Min. Castro Meira proferido no julgamento dos EDcl no REsp nº 456.650/PR, que uniformizou o entendimento do STJ no sentido da não incidência do ICMS sobre o serviço de provedor de acesso à Internet, justamente por não se confundir com o serviço de comunicação.
Assim, em respeito aos artigos 150, I (4), da CF/88, 97 e 114, ambos do Código Tributário Nacional ("CTN") (5), o ICMS só incidirá quando houver uma prestação de serviços de comunicação, conceito esse de significado restrito e definido, não sendo possível a cobrança do ICMS sobre outras receitas que não as decorrentes da prestação dos serviços de comunicação, por falta de previsão legal e constitucional.
E foi com base em todos os argumentos delineados acima que a Primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.176.753, sob a sistemática de recurso repetitivo, pacificou o entendimento de que o ICMS não incide sobre a locação de bens móveis (equipamentos) realizada pelas empresas de telecomunicações.
Mais que isso, ao analisar a questão, o STF entendeu que a eventual contrariedade à CF seria indireta, o que inviabiliza a o processamento do recurso extraordinário e, consequentemente, análise da questão meritória por parte da Suprema Corte, tornando definitivo o posicionamento do STJ sobre a matéria.
Resta evidente, portanto, que as receitas recebidas em decorrência do aluguel de equipamentos não se confundem com as receitas obtidas com a prestação dos serviços de comunicação, e tampouco podem ser incluídas na base de cálculo do imposto estadual.
Notas
(1) In Aspectos Teóricos e Práticos do ISS, Ed. Dialética, SP, 2000, p. 29.
(2) Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado, ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.
(3) Após o julgamento pelo Plenário nos autos do Recurso Extraordinário nº 116.121-3/SP, o STF já decidiu da mesma maneira em reiteradas decisões, a saber: em decisões monocráticas proferidas nos RE nºs 451.737/SC e 425.281/RO e no AI nº 487.120/RJ; e, por votação unânime, nos Acórdãos proferidos no AgRg no AgIn nº 485.707/DF e na QO em AC nº 661/MG
(4) Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...)
(5) Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; (...)
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; (...)
Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.
(Livro) ISS Questões Polêmicas - 3ª Edição
O Livro apresenta reflexões, sobre as relevantes decisões dos tribunais nacionais. Também aborda questões polêmicas do ISS envolvendo a locação de bens móveis.
(Livro) Coleção Curso de Tributos Indiretos Vol 1 - ICMS - 3º Edição
O Livro aborda os temas pertinentes aos sujeitos da obrigação tributária; a quantificação do imposto em suas diversas atividades operacionais; a não cumulatividade; os diversos ângulos da guerra fiscal entre as unidades federativas.
por Ana Carolina Carpinetti
Advogada. Graduada pela Universidade de São Paulo e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Integrante do Pinheiro Neto Advogados.
Henrique Amaral Lara
Advogado.
Fonte: Thomson Reuters
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