Os valores relacionados a operações de compras realizadas por empresas varejistas, descasadas de uma concomitante operação de compra e venda, teriam natureza de doação por serem transferidos por mera liberalidade da empresa.
A 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), em 15/03/2016, negou provimento a recurso especial interposto pelo contribuinte relacionado a auto de infração que fora lavrado em face de uma rede de supermercados. Na ocasião, a maioria dos conselheiros entendeu que estariam sujeitos à tributação pelo PIS/COFINS os valores (i) recebidos quando comprovado que o ingresso destes seria proveniente de serviços prestados ao fornecedor e (ii) referentes a mercadorias recebidas em operações não relacionadas com a operação principal de compra e venda, em virtude do consequentemente aumento do patrimônio líquido da empresa varejista:
Comprovado que os ingressos registrados em contas contábeis intituladas de descontos são, em verdade, provenientes de serviços prestados pelo autuado incidem as contribuições ao PIS e COFINS não cumulativos.
PIS E COFINS NÃO-CUMULATIVOS. DOAÇÕES.
Mercadorias entregues sem vinculação a operação de compra e venda configuram doação, e não bonificações em mercadorias, sendo regularmente tributadas pelas contribuições não-cumulativas.”(Acórdão nº 9303-003.515)
Ou seja, apesar das recentes modificações na legislação tributária pátria decorrentes da crise mais intensa dos últimos anos, um ponto importante ainda encontra-se sem solução quanto à não-cumulatividade das contribuições ao PIS e da COFINS, sendo de grande importância o enfrentamento da questão para a definição do tratamento tributário dos descontos comerciais ou bonificações em face do disposto nas Leis 10.637/02 e 10.833/03.
Vale esclarecer que o objetivo do Governo Federal ao introduzir essa sistemática no Sistema Tributário Nacional foi justamente prosseguir com toda a restruturação da cobrança de contribuições sobre o faturamento das empresas, que foi iniciada para alguns setores da economia de forma concentrada (monofásica).
A intenção original e o discurso proferido pelas autoridades administrativas eram de que a cadeia produtiva seria desonerada com o fim de incentivar o desenvolvimento econômico brasileiro, contudo as referidas contribuições começaram a preocupar as empresas pátrias. Com a globalização e os incrementos nas relações comerciais internacionais, restou clara a incapacidade dos nossos empresários de competir internacionalmente em face da incidência em todas as etapas da cadeia produtiva (“em cascata”), o que culminou em um aumento no percentual de mais de 10% no preço do produto brasileiro frente ao seu concorrente internacional.
Assim, superando essa moldura discricionária e retrógrada implantada em nosso sistema tributário, deve ser analisado que a hipótese de incidência das contribuições ao PIS e da COFINS consiste no auferimento de receita pelo contribuinte, ou seja, o faturamento mensal da pessoa jurídica, assim entendido como o total das receitas, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
Diante desse cenário e do disposto no Pronunciamento Técnico CPC 30, o auferimento de receita seria proveniente da (i) venda de bens, (ii) prestação de serviços e (iii) utilização por parte de terceiros de outros ativos que suscitam juros, royalties e dividendos, pois representam efetivamente acréscimo patrimonial para o contribuinte.
No que concerne às bonificações/descontos comerciais, trata-se normalmente da concessão comercial realizada pelo vendedor ao comprador, ocasionando na diminuição do preço do bem ou na entrega de quantidade maior que a estipulada, sendo certo que, nos casos dos grandes varejos, geralmente estão vinculadas ao desempenho de vendas, veiculação de propaganda, estratégias promocionais (alteração do preço de mercado/liquidação/ “encontrão”), “price/rebate”, exposição de mercadorias, dentre outros.
Contudo, a Instrução Normativa SRF 51/78, que disciplina procedimentos de apuração da receita de vendas e serviços, para tributação das pessoas jurídicas, define que a receita líquida de vendas/serviços seria a receita bruta das vendas e serviços, diminuída (i) das vendas canceladas, (ii) dos descontos e abatimentos concedidos incondicionalmente e (iii) dos impostos incidentes sobre as vendas.
Diante do exposto, as autoridades administrativas já se pronunciaram no sentido de que os valores referentes às bonificações concedidas seriam excluídos da receita bruta para fins de determinação da base de cálculo do PIS e da COFINS, somente quando se caracterizarem como descontos incondicionais concedidos, sendo estes aquelas parcelas redutoras do preço de vendas, quando constarem da nota fiscal de venda dos bens ou da fatura de serviços e não dependerem de evento posterior à emissão desses documentos.
Quanto a este entendimento, através do posicionamento recente do Conselheiro Carlos Augusto Daniel Neto, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da Terceira Seção de Julgamento do CARF entendeu que a exigência do registro da bonificação na nota fiscal seria uma forma de garantir (a) o não condicionamento a nenhum outro evento ou circunstância posterior à operação e (b) a vinculação direta à operação realizada.
Nesse caso, restou consignado que seria possível o reconhecimento da Nota de Crédito Internacional ter natureza de bonificação (redutora de custo) desde que referente a cada operação de importação e quando evidenciado o recebimento efetivo com o registro contábil na conta adequada:
“NOTA DE CRÉDITO INTERNACIONAL. PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA. NATUREZA JURÍDICA DE BONIFICAÇÃO. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO.
Não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins os valores recebidos a título de bonificação, via Nota de Crédito Internacional, quando haja elementos que vinculem inequivocamente a bonificação às operações realizadas, ausência de condição para o recebimento das Notas de Crédito, e comprovação do efetivo recebimento dos valores.” (Acórdão nº 3402-003.072)
No entanto, a doutrina e a jurisprudência do CARF vêm divergindo com relação a esse tema, pois alguns doutrinadores (seguidos por parte dos julgadores administrativos) entendem que esses valores a título de bonificações/descontos comerciais seriam apenas reduções do preço de aquisição (redutores de custo) quando da compra de determinado produto por parte da empresa, que revenderá o mesmo, independentemente de ser condicional ou incondicional.
Uma outra parte entende que na medida em que esses valores estiverem desvinculados das operações de venda e que as bonificações/descontos comerciais são transferidos por mera liberalidade da empresa, não existiria o auferimento de receita nessa operação em face da sua natureza de doação:
“PIS/PASEP. BASE DE CÁLCULO. BONIFICAÇÕES. MODALIDADES. NATUREZA JURÍDICA. DESCONTO INCONDICIONAL. DOAÇÃO. EXCLUSÃO. NÃO-INCIDÊNCIA. PROVA.
As bonificações podem ser vinculadas ou desvinculadas de operações de venda. As primeiras são redutoras do preço e, quando concedidas sem vinculação a evento futuro e incerto, têm natureza de desconto incondicional. As segundas, por serem desvinculadas da venda, são transferidas por liberalidade da empresa, apresentando natureza de doação. Em ambos os casos não há incidência dos PIS/Pasep e da Cofins, uma vez que os descontos incondicionais são excluídos da base de cálculo (Lei nº 10.833/2003, art. 2º, § 3º, V, “a”; Lei nº 9.718/1998, art. 3º, § 2º, I; Lei nº 10.637/2002, art. 1º, § 3º, V, “a”; Lei nº 9.715/1998, art. 3º, parágrafo único) e porque, ao bonificar por liberalidade, a empresa promove uma doação de mercadoria, não auferindo qualquer receita desta operação. A exigência de prova de ligação com uma concomitante operação de venda, por sua vez, somente faz sentido para a primeira espécie de bonificação. Para as bonificações desvinculadas de operações de venda, basta a apresentação das notas fiscais e dos contratos que lhe servem de suporte, provas estas devidamente acostadas aos autos.” (Acórdão nº 3802-003.548)
No entanto, outra linha interpretativa é encontrada no caso de um grande varejista (Acórdão 3403-003.385) julgado no final de 2014, no sentido de que as bonificações/descontos comerciais não se incluiriam no rol de exclusões descritos na legislação, pois os fornecedores contribuiriam financeiramente com os varejistas em face do seu interesse em obter alguma contrapartida, o que se afastaria dos conceitos de desconto incondicional e de receita financeira.
Após muita discussão, ao buscar pacificar o entendimento sobre a matéria, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (acórdão disponibilizado em 04/04/16), órgão máximo do tribunal administrativo federal, entendeu que os descontos obtidos perante os fornecedores a título de distribuição de mercadorias, atividades de propaganda, aniversário, inauguração, reforma e reinauguração de lojas, fidelização e bonificações, deveriam ser considerados como receita para fins de incidência do PIS e da COFINS:
“BASE DE CÁLCULO. DEDUÇÕES.
Os descontos obtidos pelo Contribuinte junto aos fornecedores que não constam da nota fiscal de venda dos bens ou da fatura de serviços integram a base de cálculo do PIS/Cofins não cumulativo.”
Agora, ao se posicionar novamente sobre a matéria através do acórdão nº 9303-003.515 (acórdão disponibilizado em 10/08/16), a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais fixou o entendimento de que as obrigações com propaganda, exposição em espaço com maior visibilidade, atividades de promoção, dentre outros, não poderia ser caracterizada como desconto, mas sim como um serviço prestado pelo comerciante ao fornecedor, o que culmina no dever de inclusão na base de cálculo do PIS e da COFINS.
Além disso, quanto às mercadorias entregues sem vinculação à operação de compra e venda, os julgadores entenderam que na medida em que o vendedor estaria entregando algo maior do que o combinado/obrigado, tal medida se afastaria do conceito de bonificação e se aproximaria da natureza jurídica de doação. Nesse sentido, prevaleceu o entendimento do Conselheiro Júlio César Alves Ramos no sentido de que os valores referentes a essas mercadorias recebidas deveriam ser consideradas como receitas pelos varejistas para fins de tributação do PIS e da COFINS, em face do aumento de seu patrimônio líquido.
Diante do exposto e do Plano Anual de Fiscalização da RFB para o ano-calendário de 2016, o contribuinte deve se preparar para a fiscalização dessas práticas comerciais através da revisão dos contratos com seus fornecedores, da definição de procedimentos contábeis/fiscais que viabilizem as suas operações bem como do estudo aprofundado de seu modelo de negócio pela área jurídica tributária.
Por Allan George de Abreu FalletMestrando em Direito Tributário pela PUC-SP; Pós-graduado em Direito Tributário pela FGV; Especialista em Tributação Internacional pela Northwestern University e Universiteit Leiden, em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público e em Processo Administrativo Fiscal pela Associação Brasileira de Direito Financeiro. Coordenador Tributário do escritório Cabanellos Schuh Advogados Associados e Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB em SP
Fonte: Jota
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