A tributação de lucros auferidos por controladas e coligadas de pessoas jurídicas brasileiras localizadas no exterior foi um dos temas mais debatidos dos últimos meses. Após o longo período de tramitação da Medida Provisória nº 627, de 2013, convertida na Lei nº 12.973, de 2014, a matéria voltou ao centro das atenções com a publicação da decisão proferida pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em caso que cuidava da relação entre a regra anterior – artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01 – e os tratados internacionais tributários celebrados pelo Brasil.
Naquela oportunidade, o STJ se posicionou pelo prestígio dos tratados internacionais e o reconhecimento de que estes afastam a aplicação do aludido artigo 74, refletindo, diga-se de passagem, posição que já havia sido acolhida no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 2.588 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em que, pelo sistema do voto médio, foram alcançados seis votos amparando a aplicação dos tratados internacionais nesses casos.
Nas primeiras semanas de vigência da Lei 12.973, uma questão ganhou relevância nos debates sobre a nova sistemática de tributação em bases universais: seria a interpretação da 1ª Turma do STJ aplicável ao contexto das novas regras, ou haveria algo na redação dos artigos 76 e 77 da Lei 12.973 que afastaria a interpretação da Corte?
A interpretação do STJ e do STF seguirá sendo aplicável à sistemática inaugurada pela Lei nº 12.973
Ao analisarmos as opiniões que vêm sendo expostas, notamos, nessa fase inicial, alguma confusão e desconforto com a redação da Lei 12.973. O tema não é novo e foi alvo de debates durante o processo legislativo no Congresso Nacional.
Quando da edição da MP 627, notou-se, imediatamente, uma alteração redacional na comparação das novas regras com o artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01. Enquanto este último fazia referência à adição, na apuração do imposto no Brasil, dos "lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior", o artigo 73 da MP 627 passou a fazer referência à "parcela do ajuste do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior equivalente aos lucros por ela auferidos antes do imposto sobre a renda".
A intenção do Fisco estava clara. Com o intuito evidente de afastar uma interpretação judicial desfavorável, buscou-se redação para o texto da MP 627 que indicasse que teria havido uma alteração substancial da regra de tributação. Neste particular, a redação do caput do artigo 73 da MP 627 se manteve inalterada na Lei 12.973 (artigo 77).
Daí a questão posta inicialmente: teria havido, com a entrada em vigor da Lei 12.973, uma alteração substancial das circunstâncias jurídicas que poderia levar à inaplicabilidade da interpretação do STJ à nova sistemática de tributação em bases universais? Quer-nos parecer que não.
Com efeito, um tema bastante debatido na última década é aquele da relação entre forma e substância na tributação. De uma maneira geral, o Fisco acusa os contribuintes de muitas vezes, mediante a adoção de estruturas em que a forma está descasada da substância econômica, buscar a redução da tributação aplicável a uma determinada transação.
Ora, supor que a mera alteração da expressão "lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior" por "parcela do ajuste do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior equivalente aos lucros por ela auferidos" teria representado uma alteração substantiva no fato econômico (materialidade do Imposto de Renda) a que se aplica a legislação tributária é se apegar às mais ultrapassadas manifestações de formalismo jurídico.
É muito salutar a introdução, no debate tributário, de valores éticos e morais. Porém, a ética não é via de mão única. Deve ser praticada por todos e, talvez principalmente, pelo poder público, a quem a Constituição direcionou, no caput do artigo 37, o princípio da moralidade.
Não é crível que se possa argumentar, com seriedade, que a variação do valor do investimento, equivalente aos lucros, é algo diferente dos próprios lucros, ainda mais quando o parágrafo 1º do artigo 77 da Lei 12.973 reforça que "a parcela do ajuste de que trata o caput compreende apenas os lucros auferidos no período, não alcançando as demais parcelas que influenciaram o patrimônio líquido da controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior".
A leitura atenta desses dispositivos da lei não deixa espaço para dúvidas. Por mais que se tenha adotado uma expressão verbal distinta, a nova regra, assim como a antiga, trata da tributação de lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior.
Sendo assim, não se pode duvidar em nenhum momento de que a interpretação do STJ e do STF, referente à aplicação dos tratados internacionais no contexto das regras de tributação de lucros auferidos no exterior, seguirá sendo aplicável no âmbito da sistemática inaugurada com a entrada em vigor da Lei 12.973, ao menos naquelas situações em que a empresa controlada no exterior exerça atividade operacional que gere a produção de renda ativa, a afastar qualquer indício de abuso na utilização do tratado internacional.
Dizemos há muito tempo que o Fisco também faz planejamento tributário. Algumas vezes tal planejamento tributário tem substância econômica, em outras reflete o abuso de formas jurídicas com vistas a aumentar a arrecadação, ou, como se passa na situação em tela, para tentar afastar a aplicação de tratado internacional celebrado pelo Brasil, o que é inadmissível e certamente será repelido pelos tribunais pátrios.
por André Martins de Andrade e Sergio André Rocha são sócios titulares de Andrade Advogados Associados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Valor Econômico
Via Alfonsin.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário