Recentemente a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional publicou a Portaria 396 (em 20/04/2016), que regulamenta o Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos, sob o fundamento de aumentar a eficiência da recuperação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União, o que é louvável, eis que visa atender ao disposto no artigo 37 da Constituição Federal (princípio da eficiência).
O devedor incluído nesse Regime estará submetido a procedimentos especiais de diligenciamento patrimonial, procedimento de protesto extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa, procedimento especial de acompanhamento de parcelamentos e procedimento de acompanhamento de execuções garantidas por depósito integral, carta de fiança, seguro garantia ou penhora, bem como das execuções suspensas por decisão judicial.
Obviamente que a PGFN não irá desistir da cobrança dessas execuções fiscais de valores inferiores a R$ 1 milhão, não havendo que se cogitar da hipótese de que a União estaria renunciando a essas importantes receitas, em afronta ao que dispõe a Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que no inciso II do § 3º de seu artigo 14 autoriza apenas o cancelamento de débitos, cujo montante seja inferior aos dos respectivos custos de cobrança[1].
A Procuradoria da Fazenda Nacional, a partir da Portaria 396, irá, na verdade, otimizar e aprimorar a cobrança dos créditos tributários, embora quem atue na área tributária esteja sendo surpreendido com diversos despachos proferidos pelos juízes das varas de execuções fiscais federais determinando a suspensão das execuções nos termos do artigo 40 da Lei 6.830/80, e a remessa dos autos ao arquivo. Poderá mesmo ocorrer a referida suspensão dessas execuções, mas haverá um controle rígido para evitar a ocorrência de prescrição intercorrente, nos termos do artigo 22 da Portaria 396.
Ademais, mesmo que a execução tenha sido ajuizada somente contra a pessoa jurídica devedora, o parágrafo único do artigo 21 prevê de que no caso de deferimento de redirecionamento a devedor não constante na Certidão de Dívida Ativa, a suspensão da execução fiscal deverá ser precedida de determinação para inclusão do nome do corresponsável nos sistemas da dívida ativa.
Assim sendo, em casos em que não foi ainda requerido ainda o redirecionamento da execução aos sócios, a PGFN irá realizar tal requerimento, que sendo deferido pelo juiz da causa, possibilitará inclusão do nome do corresponsável nos sistemas da dívida ativa, que deverá preceder a suspensão da execução. Assim, constarão também no polo passivo da execução fiscal os sócios e responsáveis tributários, e caberá a estas pessoas físicas, caso sejam indevidamente incluídas no polo passivo de execuções fiscais, impugnar a inclusão através das medidas judiciais apropriadas.
Também há na Portaria 396 a possibilidade de protesto extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa, sendo este um dos procedimentos aos quais está sujeito o devedor incluído no Regime Diferenciado de Cobrança (RDCC), visto que o artigo 10 da Portaria 396 determina que as Certidões de Dívida Ativa dos devedores incluídos nesse Regime poderão ser encaminhadas para protesto judicial por falta de pagamento, desde que o débito não esteja com a exigibilidade suspensa ou com garantia integral, ou ainda esteja sendo objeto de parcelamento.
No mais, o artigo 11 da Portaria 396 faz referência a outra Portaria PGFN, a Portaria 429, de 4 de julho de 2014, que em sua redação original limitava o valor da Certidão de Dívida Ativa passível de protesto extrajudicial a R$ 50 mil, conforme estava previsto em seu artigo 1º, mas este dispositivo foi alterado pela Portaria PGFN 693, de 30/9/2015, que suprimiu o valor máximo para protesto.
Não é demais lembrar que o protesto de Certidão de Dívida Ativa foi reconhecido como válido pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.126.515/PR, Min. Herman Benjamin), porém recentemente têm sido proferidas pelos tribunais de Justiça estaduais diversas decisões que reconhecem que o Protesto de Certidões de Dívida Ativa é sanção política e tem o propósito de constranger o devedor ao pagamento da dívida, como se observa da ementa abaixo transcrita da lavra da Nona Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida em 18/8/2016:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. PROTESTO DE CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. MEDIDA DESNECESSÁRIA. PROPÓSITO DE CONSTRANGER O DEVEDOR AO PAGAMENTO DA DÍVIDA. SANÇÃO POLÍTICA. INADMISIBILIDADE.
Protesto de certidão de dívida ativa da Fazenda Pública.Medida desnecessária e abusiva. Ofensa ao princípio da legalidade, ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Sanção de natureza política. Propósito de constranger o devedor a recolher o tributo à margem da execução fiscal e das garantias processuais asseguradas ao devedor. Sentença reformada.Pedido procedente. Recurso provido. (Apelação nº 1024617-76.2014.8.26.0564, Relator Desembargador Dr. Décio Notarangelli, j. em 18/08/2016).
Assim, constatamos que o objetivo da Portaria em questão é aprimorar a cobrança dos créditos tributários inscritos em dívida ativa, em observância ao princípio da eficiência da Administração Pública, insculpido no artigo 37 da CF/88, e em breve muitas pessoas físicas consideradas responsáveis tributários pela Fazenda Nacional poderão ser surpreendidas tanto pela sua inclusão no polo passivo de execuções fiscais, como também com eventuais protestos de Certidões da Dívida Ativa, que poderão inviabilizar suas atividades empresariais e a concessão de créditos pessoais, e em virtude disto deverão estar mais atentas sobre quais medidas deverão ser adotadas para coibir eventuais abusos que ultrapassem o poder-dever da Administração Pública de promover com eficiência a cobrança do Crédito Tributário.
1 No âmbito da PGFN, nos termos da Portaria MF 75, de 22 de março de 2012, é permitido que seja requerido pelo Procurador da Fazenda Nacional o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais já ajuizadas, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não ocorrida a citação do devedor e não conste nos autos garantia à satisfação dos créditos.
por Fátima Pacheco Haidar é advogada tributarista em São Paulo. Conselheira julgadora do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo. Ex-juíza do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. Ex-Conselheira da OAB-SP.
Fonte: Conjur
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