O ministro Luiz Fux quer o Supremo Tribunal Federal (STF) defina, por meio de repercussão geral, os limites da multa aplicada pelo Fisco em razão de sonegação, fraude ou conluio tendo em vista que a Constituição proíbe o uso de tributos com efeito de confisco (artigo 150, inciso IV).
Atualmente, a Receita Federal aplica penalidade de 150% sobre a totalidade ou diferença do tributo não recolhido, não declarado ou declarado de forma incorreta. A multa é prevista no parágrafo primeiro do artigo 44 da Lei 9.430/1996.
Além de Fux, o ministro Teori Zavascki também reconheceu a repercussão geral da questão. Os demais ministros têm até 29 de outubro para se manifestar.
O assunto gera polêmica, especialmente porque o valor da multa é muito superior ao do imposto devido.
De acordo com a própria manifestação de Fux, o Supremo tem reconhecido o efeito confiscatório da multa, justamente quando ultrapassa o valor do tributo devido ou quando é desproporcional à conduta do contribuinte.
No caso concreto (RE 736090), um posto de combustível de Blumenau (SC) recorreu da decisão da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que admitiu a aplicação da multa de 150%. Para os desembargadores, a punição tem previsão legal quando comprovado o conluio entre empresas. Na sentença, o juiz havia reduzido a penalidade para 100% do valor do tributo diante do princípio do não confisco.
A Receita cobra um débito milionário do posto e de outras empresas do mesmo grupo econômico por suposta omissão de receitas, o que levou ao não pagamento de tributos como Imposto de Renda, CSLL, PIS e Cofins, em 2001 e 2002.
Neste mês, o Ministério Público Federal defendeu a inconstitucionalidade do artigo 12 da Medida Provisória 685, que prevê a multa de 150% caso a empresa não abra planejamentos tributários que acarretem em pagamento menor de impostos, entre outras hipóteses.
Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a penalidade afronta o princípio que veda o uso de tributo com efeito de confisco. Segundo ele, a regra incide não só na cobrança do tributo, mas também na aplicação de multas por descumprimento de obrigação acessória, como é o caso.
Leia a íntegra da manifestação do ministro Luiz Fux:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. MULTA FISCAL QUALIFICADA. SONEGAÇÃO, FRAUDE E CONLUIO. 150% SOBRE A TOTALIDADE OU DIFERENÇA DO IMPOSTO OU CONTRIBUIÇÃO NÃO PAGA, NÃO RECOLHIDA, NÃO DECLARADA OU DECLARADA DE FORMA INEXATA (ATUAL § 1º C/C O INCISO I DO CAPUT DO ARTIGO 44 DA LEI FEDERAL Nº 9.430/1996). VEDAÇÃO AO EFEITO CONFISCATÓRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. QUESTÃO RELEVANTE DOS PONTOS DE VISTA ECONÔMICO E JURÍDICO. TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. Os limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, tendo em vista o disposto no artigo 150, IV, da Constituição Federal, que veda o efeito confiscatório na seara tributária, é tema controvertido que revela inequívoca repercussão geral.
2. Relevância da matéria e transcendência de interesses. Manifestação pela existência de repercussão geral da questão constitucional.
MANIFESTAÇÃO: Trata-se de recurso extraordinário interposto por Posto Tropiferco Ltda. e Outro, com fundamento na alínea a do permissivo Constitucional, contra acordão que assentou, verbis:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. APELAÇÃO. LEGITIMIDADE. IRPJ. IRRF. CSLL. PIS. COFINS. OMISSÃO DE RECEITAS PELO SALDO CREDOR EM CAIXA E POR DEPÓSITOS BANCÁRIOS SEM COMPROVAÇÃO DE ORIGEM. PAGAMENTO A BENEFICIÁRIOS NÃO IDENTIFICADOS. MULTA QUALIFICADA.
Quando a separação de estruturas não passa de formalismo com a finalidade de não pagar tributos, resta autorizada a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica das empresas do mesmo grupo econômico.
Se a empresa não comprova a origem dos valores, está autorizada a presunção de omissão de receita, podendo a autoridade tributária proceder à autuação.
Incide imposto de renda retido na fonte sobre o pagamento efetuado pelas pessoas jurídicas a beneficiário não identificado.
Este TRF, por seu órgão especial, rejeitou a arguição de inconstitucionalidade do art. 44, II da Lei nº 9.430/96, em sua redação original, no incidente de n° 2005.72.06.001070-1. Não há falar em aplicação retroativa de lei mais benigna; pois a Lei 11.488/2007 não reduziu o percentual da multa qualificada de 150%, apenas realocou a sua redação para o parágrafo primeiro do artigo 44 da Lei 9.430/96. Verificada a existência do conluio entre as pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico de fato, tendente à sonegação fiscal, há de ser aplicada a multa qualificada de 150%.
Nas razões de apelo extremo, sustenta preliminar de repercussão geral e, no mérito, aponta violação ao artigo 150, IV, da Constituição Federal. Alega que a multa fiscal de 150% teria caráter confiscatório.
É o relatório.
Atendidos os demais requisitos formais do recurso, passo ao exame da repercussão geral da matéria debatida.
A questão controvertida encerra a análise de tema constitucional relevante dos pontos de vista econômico e jurídico que transcende os interesses das partes envolvidas, pois alcança potencialmente todos os entes federativos e contribuintes.
Discute-se, na espécie, a razoabilidade da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, no percentual de 150% (cento e cinquenta por cento) sobre a totalidade ou diferença do imposto ou contribuição não paga, não recolhida, não declarada ou declarada de forma inexata (atual § 1º c/c o inciso I do caput do artigo 44 da Lei federal nº 9.430/1996), tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório na seara tributária.
Destaco que a discussão posta nos autos, razoabilidade da multa fiscal qualificada, não se confunde nem com aquela travada no RE 640.452, Rel. Min. Roberto Barroso, Tema nº 487, em que se controverte acerca do eventual caráter confiscatório de multa fiscal isolada aplicada em razão do descumprimento de obrigação acessória decorrente de dever instrumental, nem com aquela veiculada no RE 882.461, Rel. Min. Luiz Fux, Tema nº 816, que recai sobre a razoabilidade da multa fiscal moratória.
Impende considerar que a aferição da existência de efeito confiscatório na aplicação de multas fiscais demanda, em regra, o exame de matéria de fato, o que atrai o óbice da Súmula nº 279 do STF, que dispõe, verbis: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.
Nada obstante, esta Corte, em algumas oportunidades, considerou confiscatórias, sob uma ótica abstrata, multas fiscais fixadas em montantes desproporcionais à conduta do contribuinte, mormente quando ultrapassam o valor do tributo devido. Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO – MULTA – VALOR SUPERIOR AO DO TRIBUTO – CONFISCO – ARTIGO 150, INCISO IV, DA CARTA DA REPÚBLICA. Surge inconstitucional multa cujo valor é superior ao do tributo devido. Precedentes: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551/RJ – Pleno, relator ministro Ilmar Galvão – e Recurso Extraordinário nº 582.461/SP – Pleno, relator ministro Gilmar Mendes, Repercussão Geral. (RE 833.106, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe de 12/12/2014)
(…) TRANSGRESSÃO, NO ENTANTO, PELA LEI Nº 8.846/94 (ART. 3º E SEU PARÁGRAFO ÚNICO), AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CONFISCATORIEDADE TRIBUTÁRIA – SUSPENSÃO CAUTELAR DA EFICÁCIA DE TAL PRECEITO LEGAL – MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA, EM PARTE.
A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
– É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição da República. Hipótese que versa o exame de diploma legislativo (Lei 8.846/94, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multa fiscal de 300% (trezentos por cento).
– A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas.
– O Poder Público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do quantum pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais.
(…). (ADI 1.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJ de 24/11/2006, grifos originais)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2.º E 3.º DO ART. 57 DO ATO DAS DOSPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO-RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA.
A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal.
Ação julgada procedente. (ADI 551, Rel. Min. Ilmar Galvão, Plenário, DJ de 14/2/2003)
Cabe a esta Corte, portanto, em atenção ao princípio da segurança jurídica e tendo em vista a necessidade de concretização da norma constitucional que veda o confisco na seara tributária, fixar, no regime da repercussão geral, as balizas para a aferição da existência de efeito confiscatório na aplicação de multas fiscais qualificadas.
Ex positis, nos termos do artigo 543-A, § 1º, do Código de Processo Civil, combinado com o artigo 323, § 1º, do RISTF, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
Publique-se.
Brasília, 6 de outubro de 2015.
Ministro LUIZ FUX
Relator
Documento assinado digitalmente
Por Bárbara Pombo
Fonte: Jota
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