Em meio à crise econômica por que passa o Brasil, a principal iniciativa do governo foi mirar as fontes de receita primária e ampliá-las, com diversas medidas para aumento de tributos. Nesse cenário, foi editada a MPv nº 692, publicada em 22 de setembro, que instituiu alíquotas progressivas para o Imposto de Renda sobre o Ganho de Capital, incidente sobre os ganhos auferidos pela pessoa física (ou jurídica exceto as tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado) na alienação de bens e direitos de qualquer natureza.
A atual alíquota geral do imposto, de 15%, comportará, a partir de 2016, majoração, a depender do valor do ganho tributável, incidindo a (a) 20% sobre a parcela que exceder a R$ 1 milhão; (b) 25% sobre o ganho de capital superior a R$ 5 milhões; e (c) 30% sobre o que exceder a R$ 20 milhões. Esta sistemática progressiva sem adentrar o mérito de sua justeza sob o ponto de vista dos princípios de direito tributário atrai um evidente problema de ordem prática: se se tributam progressivamente as parcelas do ganho, o que fazer nas hipóteses em que uma só operação de alienação possa ser dividida em tantos fatos geradores quantos bastem para fugir à incidência das alíquotas majoradas do tributo?
A questão fiscal pode constituir indesejável complicador à realização de negócios no país
A possibilidade de se considerar indivisível a totalidade da participação societária para efeito de tributação na alienação de quotas ou ações já comporta questionamentos. Ilustrativamente, cabe destacar que o Código Civil considera divisível e, nesse caso, de per si a quota para fins de transferência, muito embora preveja ser permitido à lei considerar indivisíveis bens naturalmente divisíveis.
A questão principal, porém, está na parte final do dispositivo. Em que pese a redação dúbia, este parece exigir a aplicação da progressividade às alienações sucessivas, por pessoa física, de parcelas da participação que detenha no capital social de uma mesma pessoa jurídica. Esta previsão, da forma como posta, tem grande potencial de estimular um movimento de diluição de estruturas societárias, com a segregação de uma mesma atividade empresarial em diversas sociedades, dentro de um mesmo grupo econômico, ao menos nas fases de reorganização prévenda de participações. Em paralelo a isto, é de se esperar também uma significativa redução nas operações envolvendo a alienação de empresas holding, visto que será menos oneroso alienar participações diretas, em separado, que participações indiretas sobre as mesmas empresas, acumuladas em uma única pessoa jurídica.
Com a diluição do valor de mercado da pessoa jurídica, seja através da desconcentração dos grupos societários, seja através da segregação de uma mesma empresa em diversas sociedades distintas, o ganho de capital, que toma como base a participação individualizada por pessoa jurídica, será necessária e proporcionalmente reduzido.
Este movimento vai na contramão do dinamismo que a realidade empresarial exige e em sentido oposto ao que ocorre nos países capitalistas mais desenvolvidos. A concentração de grupos de sociedades em estruturas administrativas mais eficientes seja por vantagens no escalonamento e na segregação das atividades do grupo, por questões de controle ou, até mesmo, meramente por facilitar a sucessão dentro de um grupo familiar confere organicidade aos grupos empresariais e tem sido repetidamente adotado por grandes corporações, que formam robustas cadeias societárias com complexos sistemas de divisão de participações e atividades.
Esse cenário, estimulado que será por razões prioritariamente fiscais, trará ainda mais insegurança na realização de negócios no Brasil, vez que certamente atrairá para boa parte das operações de M&A o olhar desconfiado da fiscalização, sedenta que estará por trazer à tona a pecha do planejamento abusivo e da interminável discussão acerca da elisão fiscal, com o que pretenderá desconsiderar eventos societários e fazer recair, sobre os alienantes, a tributação escalonada e majorada por multa e encargos.
Convém lembrar que os contribuintes estão ainda às turras com a Declaração de Planejamento Tributário instituída pela MPv nº 685/2015, que pretende obrigá-los a declarar à Receita "o conjunto de operações realizadas no ano-calendário anterior que envolva atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo", decorrentes da prática de atos ou negócios jurídicos sem propósito negocial, com forma atípica ou previamente discriminados em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Em tempos de acentuada desvalorização da moeda nacional que, na concepção dos investidores internacionais, levou a preços irrisórios boa parte dos ativos no Brasil, a questão fiscal pode constituir indesejável complicador à realização de negócios no país.
por Renato Moreira Trindade é advogado tributarista, pós-graduado em direito empresarial, com concentração em tributário, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio de Mello Alves & Trindade Advogados
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Fonte: Valor
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