Quando o (originalmente) argentino Jorge Mario Bergoglio foi anunciado como Papa Francisco, os vaticanistas de plantão correram para entender o que havia acontecido. A resposta para a linha de atuação do novo Papa foi sendo dada aos poucos e ainda suscita alguma discussão.
Um Papa diferente, de origem latino-americana, escolhido em um conclave também diferente. Ao contrário das reuniões episcopais anteriores, o conclave que escolheu Francisco fora anunciado tempos antes (em razão da renúncia do Pontífice anterior). Por isso, todos os interessados na sucessão de São Pedro puderam se preparar, e, mesmo assim, a primeira reação foi de surpresa.
A publicação da Medida Provisória nº 627, que veio para extinguir o Regime Tributário de Transição (RTT), tem as suas semelhanças à escolha do Papa Francisco: também foi anunciada – e aguardada ansiosamente – e também gerou muita surpresa. Assim como o novo papado, o verdadeiro alcance dessa medida provisória será conhecido no tempo, depois de muito estudo, análise e discussão por parte dos tributaristas de plantão. Mas, uma coisa já se pode afirmar: trata-se de uma reforma na legislação dos tributos sobre a renda (Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL) e sobre a receita (contribuições para o PIS e Cofins).
Motivada pela alteração do marco regulatório contábil no Brasil, com a implementação dos padrões internacionais de contabilidade (IFRS), a medida provisória não se limitou a disciplinar os efeitos dessas mudanças para a apuração dos tributos mencionados, indo além, para corrigir alguns pontos das regras tributárias já tradicionais. No que fez muito bem, aliás, este texto pretende destacar o que pode e deve ser comemorado nessa pequena, mas importante, reforma tributária, a saber:
Conhecimento sobre os IFRS: uma das críticas gerais ao RTT é que ele teve vida longa demais para algo que se denomina “transitório”. O que se percebe da leitura da medida provisória é o preparo dos seus relatores em relação aos padrões internacionais de contabilidade. Os técnicos da Receita Federal aproveitaram esse tempo para estudar profundamente as normas contábeis trazidas pelas manifestações do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), a ponto de absorverem os jargões da contabilidade internacional. Com isso, é possível identificar referência direta a diversos Pronunciamentos do CPC.
Fortalecimento do Lalur: mais do que manter o Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur), a medida provisória o fortalece, revigora a sua utilização, ao mesmo tempo em que o transforma em eletrônico, acompanhando o desenvolvimento tecnológico atual. No fim de 2008, publiquei o livro “Impacto da Lei nº 11.638, de 2007, sobre os tributos e a contabilidade”, no qual pedia, mais do que sugeria, que o Lalur fosse o grande instrumento para controlar os reflexos tributários dos IFRS (CPC). Sem dúvida, a posição da Receita nesse sentido simplifica os controles fiscais e garante a segurança jurídica dos contribuintes.
Unificação do conceito de receita bruta: no mundo das transações econômicas, e, por isso, também nos registros contábeis (“accounting follows economics”), existe apenas um conceito de receita bruta. Essa unicidade não era observada, ou, pelo menos, não era tão clara, na legislação dos variados tributos sobre a renda (lucro) e sobre a receita. A medida provisória unifica o conceito de receita bruta para fins tributários, fazendo referência cruzada entre os dispositivos legais que tratam de IRPJ/CSLL e contribuições para o PIS/Cofins.
Reconhecimento da amortização do intangível: antes da mudança do padrão contábil, os bens incorpóreos eram registrados em conta do ativo imobilizado, podendo ser depreciados de acordo com a sua natureza. Quando a Lei nº 11.638, de 2007, criou a conta de ativo intangível para esses bens, surgiu a dúvida sobre a possibilidade da sua amortização. Dentre os bens intangíveis, uma marca, normalmente, tende a ganhar valor, não sendo justificada a sua amortização, mas, do contrário, uma patente pode ser explorada por prazo determinado, o que implica o seu esgotamento, justificando a amortização. Agora, essa situação está expressamente tratada na legislação tributária.
Por fim, quero destacar, ainda de maneira mais destacada (desculpem o pleonasmo), o tema dos dividendos. Assunto bastante polêmico durante a vigência do RTT, a medida provisória apresentou a solução que me parece acertada: não há dois lucros, um societário e outro fiscal, portanto, não há o que se falar em “tributação do excesso de dividendos”.
Essa posição fica cristalina quando a estrutura da apuração dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL) está alicerçada no Lalur. Os ajustes tributários concernentes aos padrões internacionais de contabilidade (IFRS/CPC) não serão processados em uma escrituração específica para fins fiscais, elaborada de maneira prévia à apuração de IRPJ/CSLL. Esses ajustes serão feitos diretamente no Lalur, como adições ou exclusões, cuja consequência é o reconhecimento de apenas um lucro passível de distribuição – aquele apurado com base nas normas contábil-comerciais.
Parabéns aos técnicos da Receita e do governo federal, de maneira geral, que participaram da redação da Medida Provisória nº 627! Vamos ao trabalho de interpretação e aplicação das suas normas, mas, antes, à algumas correções no Congresso Nacional.
por: Edison Fernandes
Fonte: Valor Ecônomico
Via CFC
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