Há um conto de Luís Fernando Veríssimo em que um casal se divorcia porque os filhos ficaram traumatizados já que eles eram os únicos adolescentes com pais casados e felizes. Como a felicidade supera o casamento, pai e mãe – oficialmente divorciados – continuam a se encontrar em jantares à luz de velas, hotéis e viagens românticas.
Por esse tipo de relação, a contabilidade e a tributação viveram por 30 anos. Em 1976, com a publicação da Lei das Sociedades por Ações, foi declarado o divórcio entre as normas contábeis e as normas jurídicas. Porém, no ano seguinte, um decreto-lei marcava o primeiro “jantar clandestino” entre o casal recém divorciado. E assim se seguiu, com encontros cada vez mais íntimos, até 2007.
Quando o marco regulatório da contabilidade no Brasil adotou os padrões internacionais de contabilidade (International Financial Reporting Standards – IFRS) , a separação, que era “de direito”, passou a ser “de fato”. A contabilidade rompeu seu vínculo com a tributação, que, por sua vez, aceitou-o e radicalizou, por meio da neutralidade fiscal, introduzida pelo Regime Tributário de Transição (RTT).
Tal separação perdurou por quase 6 anos, até o início deste mês, quando foi publicada a medida provisória que pretende extinguir o RTT. Isso porque, à semelhança do que ocorreu em 1977, a legislação sobre o imposto de renda pretende vincular o tratamento tributário de algumas operações ao seu expresso reconhecimento na contabilidade.
Isso é o que ocorre, por exemplo, no “ajuste decorrente de avaliação a valor justo na investida”, para o qual não haverá incidência de tributos “se o ganho for evidenciado contabilmente em subconta vinculada à participação societária, com discriminação do bem, do direito ou da obrigação da investida objeto de avaliação com base no valor justo, em condições de permitir a determinação da parcela realizada, liquidada ou baixada em cada período”.
É bem verdade que alguns ajustes requeridos pelos padrões internacionais de contabilidade devem ser controlados de maneira adequada para produzirem efeitos fiscais. Esse controle, contudo, não precisa ser procedido nas demonstrações financeiras. Se assim for, corre-se o risco de as normas contábeis aplicadas no Brasil serem consideradas diferentes dos padrões internacionais, o que seria um prejuízo de imagem e de custo de capital para as empresas brasileiras.
Esse controle, então, pode ser feito na escrituração fiscal, representada não por outra contabilidade, mas pelo Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) . Já há, inclusive, emendas à medida provisória nesse sentido.
Na relação entre as normas contábeis e as normas tributárias é saudável que cada um siga o seu caminho, ainda que mantenham algum tipo de contato. É vantajoso para as empresas e para a economia do país que haja essa separação. Portanto, aceitemos definitivamente o divórcio entre a contabilidade e a tributação.
Fonte: Valor Econômico
Via Contábeis
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