A Receita Federal está vencendo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a complexa e bilionária discussão sobre preço de transferência – regras aplicadas em importações ou exportações para evitar a sonegação fiscal por meio de vinculadas no exterior. Dos 25 julgamentos realizados desde 2010 em turmas do órgão, 17 são favoráveis ao Fisco. Os contribuintes contam com apenas oito precedentes favoráveis.
A palavra final, porém, será dada pela Câmara Superior de Recursos Fiscais – órgão máximo do Carf – e, segundo advogados, há chances de o contribuinte vencer a disputa. Em jogo, estão cerca de R$ 8,1 bilhões em cobranças contra 350 multinacionais, realizadas a partir de 2004 pela Receita Federal. No Judiciário, a discussão ainda é incipiente. Há três decisões do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul). Apenas uma é favorável às empresas.
No Carf, a farmacêutica Eli Lilly do Brasil conseguiu, em março, cancelar um auto de infração de R$ 13,9 milhões lançado em novembro de 2010. A decisão chama a atenção de advogados por ser a primeira manifestação da 1ª Turma da 1ª Câmara do Carf sobre o assunto. De nove turmas ordinárias do conselho, apenas essa ainda não havia analisado a questão.
O conselho está julgando a legalidade da Instrução Normativa (IN) nº 243, editada pela Receita Federal em 2002. As empresas sustentam que a norma teria criado um método de cálculo – para estabelecer o valor limite de dedução no Imposto de Renda e na CSLL com gastos na compra de insumos do exterior – mais oneroso e não previsto em lei. A metodologia faz parte das regras do preço de transferência, que estabelece margens de lucro de insumos ou produtos envolvidos em operações de empresas brasileiras com sua matriz ou subsidiárias no exterior.
Para os conselheiros da 1ª Turma da 1ª Câmara do Carf, a fórmula de cálculo de ajuste de preços prevista na IN é ilegal por ser diferente da prevista na Lei nº 9.430, de 1996. A lei instituiu as regras de preço de transferência no Brasil com o objetivo de evitar que empresas brasileiras remetam receitas a mais para fora do país com o intuito de recolher menos tributos.
“Os ajustes [de preços] feitos com base nesta fórmula, que sejam maiores do que o determinado pela fórmula prevista na lei, não têm base legal e devem ser cancelados”, afirma em seu voto o conselheiro Carlos Eduardo de Almeida Guerreiro.
A norma contestada pelos contribuintes vigorou até 2012, quando foi editada a Lei nº 12.715, que alterou as regras do preço de transferência, e “estancou” a fonte do litígio. “Como o Fisco tem cinco anos para fiscalizar as empresas haverá novos autos de infração até 2017″, diz o advogado Diego Marchant, do escritório Machado Meyer.
Em setembro, uma multinacional fabricantes de materiais para construção civil também conseguiu cancelar, na 2ª Turma da 2ª Câmara do Carf, um auto de infração de R$ 4 milhões. Segundo o advogado da empresa, Abel Amaro, coordenador da área tributária do Veirano Advogados, o auto original era de R$ 24 milhões, mas foi reduzido pela própria Delegacia da Receita Federal que constatou erro do fiscal ao interpretar as declarações de ajustes de preços do contribuinte.
Para fundamentar seu voto pela ilegalidade da instrução normativa, o conselheiro Carlos Alberto Donassolo calculou que, pela fórmula da lei, o preço parâmetro do insumo do contribuinte seria de R$ 55. Pela IN, o valor cairia para R$ 18. “Ou seja, dessa diferença a empresa teria que recolher IR e CSLL”, afirma Abel Amaro.
No dia 10 de setembro, a LG conseguiu cancelar um auto de infração na 1ª Turma da 3ª Câmara. Mas obteve decisão desfavorável na 2ª Turma da 3ª Câmara. Para os conselheiros, a IN é legal por cumprir melhor a finalidade de evitar o deslocamento indevido de lucros para o exterior. “Não cabia ao legislador pormenorizar, em texto de lei, o método de cálculo do preço parâmetro”, diz na decisão o conselheiro Alberto Pinto Souza Junior, relator do caso.
Para advogados e procuradores da Fazenda Nacional, é certo que, pela complexidade do assunto e divergência de entendimento, a disputa só será pacificada no Judiciário. “Independentemente do resultado na Câmara Superior do Carf, a questão será levada à Justiça”, afirma Diego Marchant. Segundo Abel Amaro, a estratégia das empresas ainda é enfrentar a disputa, primeiro, na esfera administrativa. “Na Justiça, porém, é mais fácil o juiz entender que a instrução normativa não pode ir além da lei”, diz.
Procuradas pelo Valor, a Eli Lilly do Brasil e a LG preferiram não comentar as decisões. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não retornou até o fechamento desta edição.
Fonte: Valor Econômico
Via LegisWeb
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