segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Novo Refis

Pela vez primeira na história, a Lei de  Diretrizes Orçamentárias – LDO – a vigorar no exercício de 2017 prevê um superávit primário negativo da ordem de R$130 bilhões de reais para cobrir o rombo de R$170 bilhões de reais deixados pelo governo anterior. O governo atual abandonou a técnica da contabilidade pública criativa para enganar a população, o que era uma atividade rotineira até o final do governo Dilma. O governante atual está tentando superar a crise financeira do Estado com medidas transparentes.

Com esse propósito remeteu no ano passado projeto legislativo objetivando a prorrogação, a partir de fevereiro de 2017, do Programa de Repatriação de Ativos que saíram do País. Só que a proposta legislativa em discussão mantém a proibição dos exercentes de cargos e funções públicas e seus parentes de usufruírem do benefício legal que, além de atentar contra o princípio da isonomia tributária irá diminuir consideravelmente o ingresso de receitas públicas. Compreende-se a delicada situação no cenário nacional em que a classe política encontra-se sob crítica e pressão popular, mas, preceito constitucional da isonomia não pode ser atropelado. Se até os condenados criminalmente em segunda instância, porém, sem trânsito em julgado, podem se beneficiar do RERCT, não se pode entender a discriminação dos integrantes da classe política. Afinal, se comprovada a origem ilícita dos bens repatriados, anula-se a DECART ficando sem efeito o benefício cambial e tributário. Contudo, o projeto em discussão representa um avanço à medida que inclui a multa administrativa no produto da arrecadação do IR para fins de partilha com os Estados, DF e Municípios,  afastando o perigo de um confronto judicial.

Outra medida para suavizar o efeito do desequilíbrio orçamentário, sem aumentar a pressão tributária para não agravar a crise econômica, é a retomada do Programa de Recuperação Fiscal – Refis. Desta feita ele veio com a roupagem de Programa de Regularização Tributária – PRT – que representa um instrumento de rápida realização da receita pública derivada.

De fato, a Medida Provisória nº 766, de 5-1-2017, instituiu no âmbito da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional o regime de parcelamento de créditos tributários e não tributários, sob a denominação de Programa de Regularização Tributária – PRT –, prevendo quatro modalidades de parcelamento dos débitos de natureza tributária ou não vencidos até o dia 30 de novembro de 2016. Prescrevem o art. 2º e parágrafos:

“Art. 2º  No âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o sujeito passivo que aderir ao PRT poderá liquidar os débitos de que trata o art. 1º mediante a opção por uma das seguintes modalidades:

I – pagamento à vista e em espécie de, no mínimo, vinte por cento do valor da dívida consolidada e liquidação do restante com a utilização de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL ou com outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;

II – pagamento em espécie de, no mínimo, vinte e quatro por cento da dívida consolidada em vinte e quatro prestações mensais e sucessivas e liquidação do restante com a utilização de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL ou com outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;

III – pagamento à vista e em espécie de vinte por cento do valor da dívida consolidada e parcelamento do restante em até noventa e seis prestações mensais e sucessivas; e

IV – pagamento da dívida consolidada em até cento e vinte prestações mensais e sucessivas, calculadas de modo a observar os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada:

a) da primeira à décima segunda prestação – 0,5% (cinco décimos por cento);
b) da décima terceira à vigésima quarta prestação – 0,6% (seis décimos por cento);
c) da vigésima quinta à trigésima sexta prestação – 0,7% (sete décimos por cento); e
d) da trigésima sétima prestação em diante – percentual correspondente ao saldo remanescente, em até oitenta e quatro prestações mensais e sucessivas.

  • 1ºNas hipóteses previstas nos incisos I e II do caput, se houver saldo remanescente após a amortização com créditos, este poderá ser parcelado em até sessenta prestações adicionais, vencíveis a partir do mês seguinte ao pagamento à vista ou do mês seguinte ao do pagamento da vigésima quarta prestação, no valor mínimo de 1/60 (um sessenta avos) do referido saldo.
  • 2ºNa liquidação dos débitos na forma prevista nos incisos I e II do caput, poderão ser utilizados créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da CSLL apurados até 31 de dezembro de 2015 e declarados até 30 de junho de 2016, próprios ou do responsável tributário ou corresponsável pelo débito, e de empresas controladora e controlada, de forma direta ou indireta, ou de empresas que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma empresa, em 31 de dezembro de 2015, domiciliadas no País, desde que se mantenham nesta condição até a data da opção pela quitação. § 3ºPara fins do disposto no § 2º, inclui-se também como controlada a sociedade na qual a participação da controladora seja igual ou inferior a cinquenta por cento, desde que existente acordo de acionistas que assegure de modo permanente a preponderância individual ou comum nas deliberações sociais, e o poder individual ou comum de eleger a maioria dos administradores. § 4º  Na hipótese de utilização dos créditos de que tratam o § 2º e o § 3º, os créditos próprios deverão ser utilizados primeiramente.
  • 5ºO valor do crédito decorrente de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL será determinado por meio da aplicação das seguintes alíquotas:

I – vinte e cinco por cento sobre o montante do prejuízo fiscal;

II – vinte por cento sobre a base de cálculo negativa da CSLL, no caso das pessoas jurídicas de seguros privados, das pessoas jurídicas de capitalização e das pessoas jurídicas referidas nos incisos I a VII e X do § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001;

III – dezessete por cento, no caso das pessoas jurídicas referidas no inciso IX do § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 2001; e

IV – nove por cento sobre a base de cálculo negativa da CSLL, no caso das demais pessoas jurídicas.

  • 6ºNa hipótese de indeferimento dos créditos a que se refere o caput, no todo ou em parte, será concedido o prazo de trinta dias para que o sujeito passivo efetue o pagamento em espécie dos débitos amortizados indevidamente com créditos não reconhecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, inclusive aqueles decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL.
  • 7ºA falta do pagamento de que trata o § 6ºimplicará a exclusão do devedor do PRT e o restabelecimento da cobrança dos débitos remanescentes.
  • 8ºA quitação na forma disciplinada no caput extingue o débito sob condição resolutória de sua ulterior homologação.
  • 9ºA Secretaria da Receita Federal do Brasil dispõe do prazo de cinco anos para a análise da quitação na forma prevista no caput. 

Nas duas primeiras modalidades permitem-se a utilização de  créditos resultantes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL, ou outros créditos próprios relativos a tributos administrados pela RFB. Na terceira modalidade é possível a liquidação do crédito mediante pagamento à vista de  20% da dívida consolidada e o restante em 96 parcelas mensais e sucessivas. Na última hipótese, a dívida consolidada poderá ser liquidada em 120 parcelas mensais e sucessivas com aplicação de percentuais progressivos que vão de 0,5% da dívida consolidada a 0,7%  até a 37ª prestação. Daí em diante aplica-se sobre o saldo remanescente a divisão em 84 prestações mensais e sucessivas.

Com relação aos débitos inscritos na Dívida Ativa o parcelamento é regido pelo art. 3º:

“Art. 3º  No âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o sujeito passivo que aderir ao PRT poderá liquidar os débitos de que trata o art. 1º, inscritos em Dívida Ativa da União, da seguinte forma:

I – pagamento à vista de vinte por cento do valor da dívida consolidada e parcelamento do restante em até noventa e seis parcelas mensais e sucessivas; ou

II – pagamento da dívida consolidada em até cento e vinte parcelas mensais e sucessivas, calculadas de modo a observar os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor consolidado:

a) da primeira à décima segunda prestação – 0,5% (cinco décimos por cento);
b) da décima terceira à vigésima quarta prestação – 0,6% (seis décimos por cento);
c) da vigésima quinta à trigésima sexta prestação – 0,7% (sete décimos por cento); e
d) da trigésima sétima prestação em diante – percentual correspondente ao saldo remanescente em até oitenta e quatro prestações mensais e sucessivas.

  • 1ºO parcelamento de débitos na forma prevista no caput cujo valor consolidado seja inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) não depende de apresentação de garantia.
  • 2ºO parcelamento de débitos cujo valor consolidado seja igual ou superior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) depende da apresentação de carta de fiança ou seguro garantia judicial, observados os requisitos definidos em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional.”

Como se verifica, em relação aos débitos inscritos na DA o benefício do parcelamento é menor. Não há possibilidade jurídica de aproveitamento de utilização de creditos resultantes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL ou outros créditos próprios relativos a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil.

As duas medidas examinadas são louváveis. Porém, não trarão frutos positivos sem o corte seletivo das despesas públicas. Os gastos para prestação de serviços públicos essenciais e para investimentos na infraestrutura não devem ser reduzidos, impondo-se a redução drástica de despesas de pessoal nas três esferas políticas, e supressão de despesas improdutivas, desnecessárias e prescindíveis tendo em vista a conjuntura econômica recessiva.

Outrossim, há necessidade de eliminar gradualmente os benefícios fiscais que causam a perda de R$300 bilhões anuais. Esses benefícios claramente atentatórios ao princípio da isonomia tributária causam duplo efeito negativo: acarreta perda de preciosas receitas ao Erário, de um lado, e de outro lado, onera em demasia os contribuintes excluídos desse estranho favor fiscal concorrendo para a queda de sua produtividade e consequente situação de insolvência a ocasionar, por sua vez, queda na arrecadação. Enfim, esses benefícios fiscais espúrios muito a gosto do legislador causam um mal em cascata. São inconstitucionais a maioria desse incentivos fiscais por afronta ao inciso I, do art. 150 e ao inciso I, do art. 151 da CF.

SP, 6-1-17.

por Kiyoshi Harada - Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.  Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.

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