quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Jornada de trabalho flexível e precarização das condições sociais

A tendência de precarização das condições de trabalho parece alcançar os níveis mais acentuados dos últimos tempos.

Uma das propostas atuais é de instituir a chamada jornada de trabalho móvel e flexível, permitindo que o empregado receba apenas pelo tempo de labor efetivamente prestado, deixando ao empregador a definição do período que será exigido a cada dia.

Trata-se de sistemática que gera completa insegurança ao trabalhador, não permitindo saber previamente se será convocado para prestar serviço, muito menos por quanto tempo, o que resulta no desconhecimento de qual será o valor do salário a ser recebido e no desconhecimento do verdadeiro nível remuneratório mensal.

Na prática, a medida acaba transferindo ao empregado, que é a parte mais vulnerável da relação jurídica, os riscos da atividade econômica e do empreendimento desenvolvido, que por natureza devem ser do empregador, por ser o titular dos meios de produção (art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho)[1].

Os empregados, evidentemente, também têm as suas despesas mensais, e muitas delas são fixas, necessitando saber, com maior segurança e previsibilidade, o patamar de sua renda, não podendo conviver com tamanha incerteza.

Argumenta-se que a medida permitirá ao trabalhador ter mais de um emprego, o que a tornaria vantajosa a ambas as partes.

Esquece-se, entretanto, que a exclusividade, em regra, não é requisito do contrato de trabalho. Normalmente, nada impede que o empregado tenha mais de um vínculo de emprego, mesmo sendo fixo o horário de labor.

Na realidade, esse tipo de jornada de trabalho favorece exclusivamente o polo mais forte da relação de emprego, permitindo ao empregador a busca pelo lucro sem assumir o risco inerente à atividade desempenhada.

Além da ausência de demonstração científica de que a medida em questão é apta a reduzir os níveis de desemprego, em termos práticos, como o empregado irá conseguir conciliar mais de um emprego, ao não saber, previamente, o período de trabalho que será exigido efetivamente, bem como quanto tempo ainda terá disponível a cada dia para realizar outras atividades?

Impressiona o grau de insensibilidade com a incontestável perda de qualidade de vida dos trabalhadores resultante de propostas como essa, que geram impactos sociais profundamente negativos e graves prejuízos às pessoas que sobrevivem apenas de sua força de trabalho.

Corrompe-se, com isso, a previsão legal imperativa de que o período em que o empregado está à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, também se considera como de serviço efetivo (art. 4º da CLT). Portanto, como é evidente, não apenas o tempo de labor concretamente realizado, mas todo o período referido, por integrar a jornada de trabalho, também deve ser remunerado.

Ao se observar o atual cenário, é estarrecedor como a hegemonia do poder econômico tem alcançado a esfera política, que passa a se pautar exclusivamente pelo atendimento dos seus interesses, não se importando com o possível sofrimento em massa dos que não detêm os meios de produção.

O desemprego deve ser combatido com providências que incrementem a economia e fomentem a atividade empresarial, mas não com a precarização completa e sem limites das condições de trabalho.

Em momentos tenebrosos como este, só resta ao Direito impor a sua força normativa, deixando claro que medidas assim, ainda que almejadas por certos setores políticos e econômicos, não são válidas nem admitidas no Estado Democrático de Direito, por ser fundado na dignidade da pessoa humana.

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 933-935.

por Gustavo Filipe Barbosa Garcia é professor Universitário e livre-docente pela Faculdade de Direito da USP.

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