segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Ainda a Restituição dos Tributos “Indiretos”

Resumo: A restituição de tributos indiretos suscita questionamentos não apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo, principalmente por conta da alegada repercussão ou traslação do ônus do tributo a consumidores finais. A jurisprudência no Brasil tem dado ao assunto tratamento inadequado, que termina por inviabilizar a tutela jurisdicional da relação tributária, em prejuízo ao disposto no art. 5.º, XXXV, da CF/88 e à própria ideia de Estado de Direito. A Corte Europeia de Justiça tem preocupações opostas quando do exame da matéria. Reconhece que a repercussão é fenômeno de dificílima determinação e medição, e ocorre em relação a todos os tributos, em maior ou em menor intensidade. Deve, por isso, ser levada em consideração pelo legislador, na fixação das alíquotas dos tributos incidentes sobre certos produtos, no âmbito da chamada política tributária, de forma macro, mas não pode ser invocada nas relações individuais, para negar ao sujeito passivo, legalmente definido como tal, direitos inerentes à sua posição na relação tributária. É até contraditório fazê-lo e, ao mesmo passo, negar tais direitos também ao contribuinte dito de fato. O preço pago pelo consumidor de produtos e serviços, ainda que encarecido pelo tributo pago pelo vendedor, não se torna indevido pelo fato de o tributo assim vir a ser declarado, pelo que a restituição desse último não deve ser obstaculizada ou embaraçada por conta da uma suposta traslação do ônus do tributo.

Palavras-chave: Tributação indireta. Restituição do indébito. Corte Europeia de Justiça. Repercussão. Ônus do tributo.

Abstract: The repayment of indirect taxes raises questions not only in Brazil but in many parts of the world, mainly because of the so called “passing-on defense”. Brazilian Courts has given inadequate treatment to this subject, which, in fact, denies the judicial review of the tax relationship, violating the provisions of art. 5.º, XXXV, CF/88, and even the idea of rule of law. European Court of Justice has different concerns when examining the matter, recognizing that the shift of the tax burden is very difficult to determine and measure. It happens in relation to all taxes, to a greater or lesser extent, and should be taken into consideration by the legislature in fixing the rates of taxes on certain products, as a matter of tax policy, but not on individual relationships, to deny the taxpayer rights, as the repayment of ultra vires taxes, especially because it would be contradictory to do so and at the same time, deny such rights also to the ultimate consumer who eventually supported the tax burden. The price paid by consumers for goods and services, although probably higher because of taxes, cannot be confused with these taxes, so the repayment of the latter should not be hindered or embarrassed because of a (supposed) shift of tax burden.

Keywords: Indirect taxation. Restitution of ultra vires taxes. European Court of Justice. Tax shifting. Burden of tax.

1. Introdução

Diversos questionamentos giram em torno da restituição de tributos pagos indevidamente, especialmente daqueles considerados “indiretos”. Isso porque a Fazenda Pública não raro cria embaraços ou dificuldades à sua restituição, adicionais àqueles óbices que usualmente oferece à devolução de tributos em geral. É interessante observar, porém, que tais dificuldades não são criadas apenas pelo Fisco brasileiro.[1] Argumentos semelhantes são (ou já foram) utilizados pelas Fazendas de diversos outros países. A principal diferença, na verdade, está na forma como são considerados pelas Cortes encarregadas de apreciar os conflitos deles decorrentes. Em última análise, é o entendimento dos Tribunais que define a forma como a restituição do tributo “indireto” é tratada em cada país.

Em vista disso, neste estudo, no qual se pretende voltar[2] ao tema da restituição dos tributos indiretos, proceder-se-á, de início, a uma análise comparada[3] da jurisprudência, cotejando, basicamente, o entendimento que a esse respeito têm o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Brasil, e a Corte de Justiça Europeia (CJE) [4], no âmbito da Comunidade Europeia. Examinar-se-ão, ainda, julgados proferidos pelo STJ no ano de 2012, referentes à posição do consumidor de energia elétrica nas demandas que visam a questionar a incidência do ICMS sobre a energia consumida, a fim de avaliar qual tratamento deve ser conferido aos “contribuintes de fato” dos tributos em questão.

Essa análise jurisprudencial comparada permitirá um reexame do assunto, notadamente no que tange à ocorrência da repercussão do ônus econômico do tributo a terceiros, ao ônus de prová-la e às suas possíveis consequências jurídicas. Não se pretende, porém, com isso sugerir que as pessoas que se ocuparam do assunto em outros países sejam mais capazes do que as que o fizeram no Brasil. Absolutamente. Aliás, alguns argumentos desenvolvidos e utilizados no exterior no trato do assunto já haviam sido suscitados por brasileiros[5] com antecedência, sendo a solução encontrada pela Corte Europeia de Justiça, conforme será visto a seguir, assemelhada àquela contida no “anteprojeto” de Código de Processo Tributário elaborado por Gilberto de Ulhôa Canto na década de 1960. A principal distinção, no caso, não reside tanto no que os estudiosos da matéria afirmam, mas no posicionamento das Cortes em torno dela. Mesmo na Europa, há diferença perceptível entre o entendimento manifestado por tribunais nacionais e aquele acolhido pela Corte Europeia de Justiça (ECJ), talvez fruto de uma menor subserviência desta ao Poder Tributante de cada país membro, ou de uma preocupação mais evidente na imposição de respeito às normas comunitárias violadas pelos países-membros.

Além disso, se os problemas que se enfrentam em países diferentes são os mesmos, não há motivo para que uns não procurem conhecer a solução que outros a eles conferiram. Afinal, quando maior e mais intensa a troca de ideias, maior a probabilidade de que as melhores delas sejam selecionadas.[6]

Registro que este trabalho, no que tange à análise dos precedentes da Corte de Justiça Europeia, é fruto[7] de pesquisas de pós-doutorado realizadas no ano de 2012 na Wirtschaftuniversität, em Viena, no Institut für Österreichisches und Internationales Steuerrecht, sob a orientação do Prof. Dr. Michael Lang. Aproveito a oportunidade, portanto, para agradecer ao Prof. Lang, e a todos os que compõem o Instituto[8], pela receptividade e pelo apoio, sem as quais este pequeno estudo não teria sido possível. O texto corresponde, outrossim, à apresentação levada a efeito no Primeiro Congresso de Estudos Ítalo-Brasileiros realizado em Bologna, em 12 de outubro de 2012, conjuntamente pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará e pela Faculdade de Jurisprudência da Universidade de Bologna, o que me faz aproveitar a oportunidade para agradecer aos Professores Giovanni Luchetti e Fabiana Mattioli pela amabilidade e pela gentileza com que receberam docentes e discentes do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC em sua cidade.

2. O que são tributos indiretos?

Já que se está cogitando, aqui, da restituição de tributos considerados “indiretos”, convém, de início, defini-los ou identificá-los. Trata-se de classificação antiga, feita há muitos séculos[9] por economistas e financistas. Stuart Mill cuida do tema, nos Princípios de Economia Política (1848), nos seguintes termos:

Um imposto direto é aquele cobrado exatamente das pessoas que se tenciona ou se deseja que o paguem. Impostos indiretos são aqueles que são cobrados de uma pessoa, na expectativa ou com a intenção de que esta se indenize à custa de outra, tal como o imposto de consumo ou as taxas alfandegárias. O produtor ou o importador de uma mercadoria é intimado a pagar um imposto sobre esta, não com a intenção de cobrar dele uma contribuição especial, mas com a intenção de taxar, por seu intermédio, os consumidores da mercadoria, dos quais, como se supõe, ele recuperará o montante, aumentando o preço da mesma.[10]

Com base nessa ideia, diz-se, até hoje, como se se tratasse de algo demasiadamente simples, que tributos indiretos são aqueles nos quais o contribuinte legalmente definido como tal, dito contribuinte “de direito”, transfere ou repassa o ônus representado pelo tributo a um terceiro, que o suporta economicamente, sendo por isso chamado contribuinte “de fato”. Já os tributos diretos seriam aqueles nos quais essa transferência ou esse repasse não aconteceria, reunindo-se por isso, na mesma pessoa, as figuras do contribuinte “de fato” e do contribuinte “de direito”. Ainda de forma igualmente simplista, se diz que os tributos incidentes sobre o patrimônio e a renda são diretos, enquanto os tributos incidentes sobre o consumo são indiretos.

O problema é que o critério econômico, usado por Mill (e por tantos outros), não permite a colocação dos tributos em uma ou em outra classe, pois todos eles podem, conforme as circunstâncias, ter o seu ônus transferido a um terceiro, na fixação dos preços correspondentes. Como todo custo, são considerados e influenciam a formação do preço, sejam diretos ou indiretos. O próprio Stuart Mill, a propósito, pouco depois de cuidar da classificação, reconhece que o imposto de renda, embora em geral considerado direto, pode, quando tem por contribuinte um produtor ou comerciante, implicar um aumento de preços e, nessa condição, a respectiva transferência de seu ônus a terceiros.[11]

A classificação, não obstante, continua largamente empregada até os dias de hoje. E, se se pretende empregá-la, que se faça construindo-a de forma menos imperfeita, a saber, partindo não de critérios puramente econômicos, ou atrelados apenas a uma suposta (e efetiva) transferência do ônus econômico. Na verdade, devem-se considerar indiretos aqueles tributos que oneram fatos que, de rigor, revelam capacidade para contribuir por parte de pessoas diversas daquelas legalmente definidas como sujeito passivo, embora estas últimas participem igualmente de tais fatos. É o caso dos impostos que geralmente incidem sobre o consumo, os quais são graduados de modo a alcançar a capacidade contributiva dos consumidores, e não dos produtores ou revendedores. Daí por que as alíquotas desses impostos geralmente são graduadas conforme a essencialidade dos produtos que oneram, o que é feito tendo em vista a capacidade contributiva de quem os consome, e não de quem os produz ou vende.[12]

A realidade econômica sobre a qual o tributo incide, em suma, parece ser critério menos falho para se acolher a classificação.[13] É o que orienta a seguinte lição de Lapatza:

Normalmente, o legislador tentará estabelecer impostos sobre quem possa pagá-los, sobre quem tenha capacidade econômica para suportá-los.

A capacidade econômica de um indivíduo depende de sua riqueza, e esta se evidencia direta ou indiretamente pela posse de um patrimônio ou pela obtenção de uma renda.

Os impostos que incidem sobre a renda e o patrimônio são, neste sentido, impostos diretos, já que gravam a riqueza em si mesma, direta e imediatamente considerada.

Mas a riqueza de um indivíduo pode se manifestar indiretamente através de sua utilização; e sobre esta utilização pode incidir um imposto.

Os impostos indiretos têm por objeto exatamente as manifestações indiretas de capacidade econômica, como a circulação ou o consumo da riqueza.[14]

Não é o caso, porém, de criticar a classificação aqui. Isso poderá ser feito a seguir. Por enquanto, o importante é identificar quais tributos são considerados “indiretos”, tarefa cuja dificuldade testemunha a fragilidade da própria classificação. Aliás, a esse respeito é curioso perceber que o legislador jamais se arriscou a indicar ou arrolar quais tributos seriam “indiretos” [15]. Mesmo o art. 166 do CTN, que no entendimento da jurisprudência se aplica a tais tributos, não diz quais são eles, restringindo-se a uma vaga menção “aos tributos que comportem, por sua natureza, transferência do encargo financeiro”. Por que o legislador não indicou quais são eles?

Sem entrar agora nessa discussão, o que importa é que, para a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, são considerados “indiretos” o ICMS, o IPI[16] e o ISS[17], este último quando exigido por valores não fixos, a saber, proporcionais ao preço do serviço correspondente. Não há uma fundamentação muito clara que explique por que tais tributos, e não outros, como a CIDE-Combustíveis, a COFINS, o PIS, o IRPJ calculado sobre o lucro presumido, aqueles calculados e pagos no âmbito do Simples Nacional etc., mas o relevante, no momento, é aferir qual o tratamento conferido a esses tributos que, de forma um tanto simplista, são considerados “indiretos”.

3. Óbices criados pela Fazenda à restituição de tributos indiretos

É conhecido o obstáculo criado pela Fazenda Pública para a restituição de tributos indiretos. Alega-se que o contribuinte, ao vender mercadorias em cujo preço o ônus do tributo fora embutido, já fora devidamente ressarcido ou reembolsado. Caso seja o pagamento do tributo considerado inválido, restitui-lo ao contribuinte implicaria enriquecimento sem causa deste, que receberia o reembolso duas vezes: uma do consumidor final, que o pagou embutido no preço, e outra da Fazenda, ao devolvê-lo por ser indevido. O tributo não teria sido pago, “na verdade”, pelo contribuinte que pleiteia a restituição, pelo que não poderia ser a ele devolvido, ainda que reconhecidamente indevido.

Trata-se do que, nos países de língua inglesa, ficou conhecido como passing-on defense[18], que seria, em uma tradução livre, uma “defesa do repasse”, já tendo sido utilizada inclusive em esferas não-tributárias, como no âmbito da legislação concorrencial.[19] No presente estudo, porém, será examinada apenas a sua utilização em matéria tributária, e a receptividade que as Cortes têm, ou não, a ela.

Naturalmente, permitir que o Estado permaneça com a quantia paga a título de tributo indevido implica, por igual, enriquecimento sem causa deste. Entretanto – prossegue o argumento fazendário – entre o locupletamento do particular, e o do Estado, seria preferível este último, pois se trata do representante dos interesses de toda a coletividade.

Essa tese, como explicado, não foi empregada ou utilizada apenas pelas Fazenda Pública brasileira. Ela é, ou foi, empregada na Comunidade Europeia, no Reino Unido, no Canadá, na Austrália, nos Estados Unidos, e em alguns outros países. É interessante, portanto, examinar como os Tribunais de cada um desses lugares avaliaram o uso da passing-on defense, para que se faça possível uma análise comparada dos argumentos utilizados e das preocupações manifestadas.

4. A posição da jurisprudência brasileira

4.1. A jurisprudência do STF da primeira metade do Século XX

A passing-on defense tem sido utilizada pela Fazenda Pública, no Brasil, há muito tempo. Há registros de sua invocação – no relatório e em votos vencidos de acórdãos proferidos pelo STF – já nos primeiros anos do Século XX. Mas, curiosamente, o Supremo Tribunal Federal a repelia de forma enfática. Ela encontrava acolhida em acórdãos de Tribunais de Apelação, e, eventualmente, em um ou outro voto, no STF, mas era sempre rechaçada pela maioria da Corte.

A maioria dos Ministros tinha, à época, consciência bastante clara a respeito da separação entre a relação privada estabelecida entre comerciante e consumidor, de um lado, e a relação de Direito Público havida entre o comerciante e o Fisco, de outro; e especialmente reconheciam que a invalidade desta última não teria absolutamente nada a ver com a primeira. O seguinte trecho do voto do Ministro Laudo Camargo, proferido no julgamento do RE 3.051, em 1938, é bastante ilustrativo disso. Refutando a tese da Fazenda de que o tributo indevido, por ter sido “embutido nos preços”, não poderia ser restituído ao contribuinte, o Ministro consignou que o accipiens nada tem a ver com os negócios do solvens. Este, “vendendo mercadorias de sua propriedade, por este ou aquele preço, com grande ou pequeno lucro, exerce um direito que nada tem a ver com a obrigação daquele em não fazer próprio o que alheio é.”[20]

4.2. A jurisprudência do STF da segunda metade do Século XX

A insistência da Fazenda em utilizar a tese, porém, fez com que ela terminasse acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Como que a confirmar o ditado popular sobre os efeitos da água mole em pedra dura. Talvez pelo uso equivocado de categorias civilistas, somadas a um conhecimento superficial de economia e ciência das finanças, os Ministros passaram a aceitar que a restituição visaria a recompor um “dano” causado pelo tributo indevido, dano este que já teria sido “recomposto” no caso de o tributo haver sido pelo contribuinte “repassado” a um terceiro.[21] Se o contribuinte já “recuperou” o desembolso ocasionado pelo pagamento do tributo, quando do recebimento do preço, restituir-lhe o tributo, ainda que em virtude de ter sido indevido o pagamento, propiciar-lhe-ia um duplo ressarcimento e, nessa condição, um enriquecimento sem causa.

É curioso observar que a repercussão de um custo nos preços pode ocorrer, ou não. E pode ocorrer parcialmente, hipótese em que também apenas parcialmente – ainda que procedente a tese da passing-on defense – a restituição poderia ser recusada. Por outro lado, é inegável que a repercussão do ônus consiste em fato extintivo ou impeditivo do direito do autor de uma ação de restituição do indébito, sendo usualmente arguída pela Fazenda, na condição de ré. Assim, em princípio, o ônus de provar a ocorrência da repercussão, se pertinente a sua invocação, seria da Fazenda, e não do autor da ação, a teor do que didaticamente dispõe o art. 333, I, do CPC. Mas nada disso foi considerado pelos Ministros do STF, que não só passaram a sempre presumir a ocorrência da repercussão, relativamente a certos impostos, como a presumi-la sempre integral, imputando ao contribuinte o ônus da impossível prova em sentido contrário.[22]

É certo que, em sendo o tributo indevido, mantê-lo com o Fisco igualmente implicaria locupletamento sem causa. Não há como negar isso. Entretanto, como já explicado, o argumento Fazendário, que terminou por prevalecer no âmbito do STF, contorna essa dificuldade com o apelo à ideia de “interesse público”, aduzindo que, entre o locupletamento do contribuinte, de um lado, e o da Fazenda Pública, de outro, seria preferível este último, que seria verificado em benefício de toda a sociedade. Há registro dessa “justificativa” para o enriquecimento sem causa estatal, por exemplo, em voto proferido pelo Ministro Victor Nunes Leal, quando do julgamento do RE 46.450, em 1961. Posteriormente, ela passaria a contar com o aval de conceituados estudiosos.[23]

Assim, embora inicialmente rejeitada, a tese do passing-on defense firmou-se na jurisprudência de maneira intensa, culminando com a edição da Súmula 71 do STF, que dispõe: “embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto.”

Algum tempo depois, o Supremo Tribunal Federal observou que, em certas hipóteses, mesmo aqueles tributos por ele considerados “indiretos” não haviam sido – e nem teriam como sê-lo – repassados a terceiros. [24] Era o que ocorria, por exemplo, em situações em que o preço do produto era controlado pelo Poder Público, sujeito a tabelamento, quando a instituição do tributo posteriormente considerado indevido não era acompanhada de alteração no preço correspondente. Tais situações levaram a Corte a estabelecer exceções à aplicação da Súmula 71, a qual, não obstante, não foi cancelada. Seu conteúdo apenas foi “esclarecido” pela Súmula 547, segundo a qual “cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte ‘de jure’ não recuperou do contribuinte ‘de facto’ o ‘quantum’ respectivo.”

Veja-se que o entendimento cristalizado na Súmula 547 do STF corresponde, em linhas gerais, ao que se acha positivado no art. 166 da Lei 5.172/66 (Código Tributário Nacional – CTN), segundo o qual a “restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.” Vale ressaltar, a propósito, que o art. 166 do CTN é posterior ao entendimento cristalizado nas aludidas súmulas, podendo-se dizer que é uma consequência delas. Isso porque, embora elas tenham sido publicadas posteriormente ao CTN, os julgados que deram origem à sua edição começaram a surgir pelo menos vinte anos antes.

Seja como for, esse entendimento, acolhido pelo STF na primeira metade do Século XX, foi seguido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, com o advento da Constituição Federal de 1988, passou a ter competência para apreciar, em última instância, questões relacionadas à interpretação da legislação infraconstitucional (CF/88, art. 105, III).

4.3. A jurisprudência do STJ quanto ao contribuinte “de direito”

A principal questão enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, na interpretação e na aplicação do art. 166 do CTN, consistiu em saber quais são os tributos que, por sua natureza, comportam a transferência do respectivo encargo financeiro. Isso porque a Fazenda se utilizava da passing-on defense positivada no tal artigo em demandas de restituição do indébito relacionada a praticamente todo tipo de tributo, a saber, imposto de renda, contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamentos etc. Como o artigo não diz, sintomaticamente, quais são os tributos aos quais se aplica,[25] e como todo tributo, em tese, pode ter o seu ônus repassado a terceiros, o problema foi suscitado como preliminar na contestação de praticamente todo tipo de ação de restituição do indébito.

Apreciando tais demandas, o STJ fixou entendimento no sentido de que o art. 166 do CTN seria aplicável à restituição do ICMS[26], do IPI e do ISS não-fixo, três impostos considerados “indiretos” porquanto incidentes sobre o consumo. Embora nem sempre haja uma fundamentação clara, nos julgados, sobre os motivos pelos quais esses impostos, e não outros, são considerados “indiretos”, Hugo de Brito Machado[27] esclarece, nesse ponto, que o STJ parece ter se filiado à doutrina de Marco Aurélio Greco, para quem o art. 166 “contempla hipóteses de tributos cujo fato gerador, pelas suas peculiaridades, vincula duas pessoas que nele encontram elemento de aproximação.”[28] Por outras palavras, seriam indiretos aqueles tributos que têm por fato gerador uma “relação”, vale dizer, uma operação ou um negócio, e cuja base de cálculo, por isso mesmo, é o valor dessa operação ou negócio. Assim, como tais relações, operações ou negócios têm dois polos ou partes, um deles, sendo escolhido pelo legislador como sujeito passivo, tem condições de transferir, na fixação do preço do negócio, o ônus do tributo ao outro. Isso pode explicar, por exemplo, o motivo pelo qual o ISS é considerado indireto quando incidente sobre o valor do serviço, mas é reputado direto quando calculado de acordo com o número de profissionais habilitados, em uma sociedade de profissionais liberais.[29]

Pelos mesmos fundamentos, o imposto de renda[30] e as contribuições previdenciárias patronais[31] foram considerados tributos “direitos”, não submetidos à sistemática do art. 166 do CTN.

Quanto às contribuições previdenciárias, há dois aspectos que merecem registro.

O primeiro diz respeito à introdução, na legislação ordinária, de norma contendo de forma expressa a passing-on defense, com a nítida finalidade de “proteger” os cofres públicos dos efeitos da decisão do STF que considerou inconstitucional a exigência de contribuições previdenciárias sobre pagamentos feitos a autônomos e administradores, que não se subsumiriam ao conceito de “folha de salários” originalmente contido no art. 195 da Constituição Federal de 1988 (CF/88). De fato, com o nítido propósito de não restituir o tributo cuja inconstitucionalidade fora reconhecida, o Poder Público editou a Lei 9.032/95, que inseriu no art. 89 da Lei 8.212/91 um parágrafo com a seguinte redação:

§ 1º Admitir-se-á apenas a restituição ou a compensação de contribuição a cargo da empresa, recolhida ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que, por sua natureza, não tenha sido transferida ao custo de bem ou serviço oferecido à sociedade.

Conforme será visto mais adiante, algo semelhante ocorreu no âmbito da Comunidade Europeia (CE), na Áustria.

Outro aspecto curioso, ainda no que tange ao uso da passing-on defense em relação às contribuições previdenciárias, é que o STJ “deixou de aplicar” o aludido dispositivo de lei, por considerar que tais tributos não são “indiretos” e não se sujeitam ao disposto no art. 166 do CTN, mas não houve a declaração formal da inconstitucionalidade do art. 89, § 1.º, da Lei 8.212/91, em clara ofensa ao art. 97 da CF/88. Trata-se de prática não rara no âmbito dos Tribunais brasileiros, tanto que levou o STF a editar, posteriormente, a Súmula Vinculante 10, segundo a qual “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”.

De uma forma ou de outra, o que importa é que o critério usado pelo STJ para apartar tributos diretos e tributos indiretos não é tão claro e nítido quanto parece. De fato, por que não submeter a ele, também, o Imposto de Transmissão Onerosa e Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI)? E a CIDE-combustíveis? A COFINS e o PIS? O Imposto de Renda incidente sobre o faturamento, quando cobrado sobre o lucro presumido? Por outro lado, mesmo os tais impostos indiretos nem sempre têm seu ônus repassados aos preços, e, mais importante, eles, mesmo indiretos, são juridicamente pagos pelos contribuintes e apenas economicamente suportados pelos consumidores, ditos contribuintes “de fato”. Tais críticas serão retomadas a seguir, principalmente depois de se examinar o trato que à mesma questão deu a Corte Europeia de Justiça (CJE).

Enfim, conquanto tenha, bem ou mal, “definido” a quais tributos o art. 166 do CTN se aplica, o STJ não tem aprofundado a discussão relativa à repercussão do tributo em si mesma, e, tal como fazia o STF, sempre presume a repercussão integral do ônus do tributo. Assim, exige do contribuinte dito “de direito”, como condição para lhe reconhecer legitimidade ativa ad causam, a prova de que não houve o repasse do ônus, ou de que o contribuinte “de fato” o autorizou a pleitear a restituição. Como essa prova é praticamente impossível, assim como a identificação e a localização dos contribuintes “de fato” para que se consiga a tal “autorização”, a restituição do tributo, mesmo indevido, dificilmente acontece.

Poder-se-ia dizer, em defesa da posição adotada pelo STJ, que ele se teria limitado a aplicar o art. 166 do CTN. Se tal dispositivo exige condição impossível para que se restitua um tributo pago indevidamente, ele seria inconstitucional, o que suscitaria outra questão, a ser deslindada, em última análise, pelo STF, e não pelo STJ. Ocorre que é possível entender o art. 166 do CTN como aplicável apenas àqueles tributos em relação aos quais a lei define mais de um sujeito passivo, ou aloja mais de uma pessoa no polo passivo da relação tributária. É o caso de tributos, ou, melhor dizendo, obrigações tributárias (que podem dizer respeito a qualquer espécie ou subespécie de tributo) que têm em seu polo passivo mais de um contribuinte (v.g., imóvel com coproprietários, devedores solidários do IPTU por força do art. 124, I, do CTN), ou contribuinte(s) e responsável(is) tributário(s)[32]. Veja-se: a própria lei indica uma pluralidade de devedores ou sujeitos passivos. Em tais hipóteses, ambos podem discutir os termos da relação jurídica, da qual participam, mas, se o tributo for pago, é razoável que se restitua àquele que efetivamente (e – veja-se a diferença! – em qualquer caso, juridicamente) o houver pago.

O STJ também tem aplicado o art. 166 do CTN a essas hipóteses[33], pelo que poderia tê-lo considerado abrangente apenas delas, em uma interpretação conforme a Constituição que não estaria situada fora de suas atribuições (até porque, em último caso, trata-se de Corte que também é dotada da competência para realizar o controle difuso de constitucionalidade, desde que respeitado o art. 97 da CF/88). Voltar-se-á a esse ponto na parte final deste artigo.

4.4. A jurisprudência do STJ quanto ao contribuinte “de fato” e suas oscilações

Ao lado da discussão relacionada à legitimidade do contribuinte “de direito” para pleitear a restituição do indébito tributário, e até como consequência das respostas da jurisprudência a ela, suscitou-se a questão de saber se o contribuinte “de fato” poderia pleitear essa restituição. Realmente, se o contribuinte “de fato” tem o poder de autorizar o “de direito” a pleitear a restituição, por que não poderia fazê-lo em nome próprio? Se a justificativa para se denegar a restituição ao contribuinte “de direito” é o suposto repasse do tributo ao contribuinte “de fato”, que teria “verdadeiramente” arcado com o ônus do tributo, nada mais lógico que reconhecer a este a legitimidade para essa recuperação.

Apreciando tais demandas, durante largo período o STJ reconhecia legitimidade ao contribuinte dito “de fato”, o qual, por presumir-se ter sofrido a repercussão, não precisaria, em tese, prová-la. Tais decisões diziam respeito, basicamente, a consumidores de energia elétrica e a compradores de produtos submetidos à incidência do IPI.

Mas esse entendimento foi modificado, passando a Corte a negar também ao contribuinte “de fato” a legitimidade para pleitear a restituição[34]. Com isso, tornou-se ainda mais difícil alguém conseguir repetir o indébito tributário, relativamente aos tributos classificados como indiretos.

O mais curioso, a esse respeito, é que as decisões que alteraram a jurisprudência para negar legitimidade ao contribuinte “de fato” partiram de premissas contraditórias com a tese, pacífica no STJ, de que o art. 166 do CTN seria aplicável a tais tributos e de que, por isso, tampouco o contribuinte “de direito” poderia, em regra, obter essa restituição. De fato, as decisões fazem remissão a opinião de autores que sustentam que o art. 166 é inconstitucional, ou, na melhor das hipóteses, inaplicável aos tributos ditos “indiretos”, classificação que duramente criticam.

Assim, em suma, o STJ passou a adotar uma forma de pensamento para negar legitimidade ao contribuinte “de direito”, calcada na natureza indireta do ICMS, do IPI e do ISS, e na relevância jurídica do “repasse” do ônus ao contribuinte “de fato”, e outra forma, radicalmente oposta, para negar legitimidade também ao contribuinte “de fato”, apoiada na irrelevância jurídica do aludido repasse e na fragilidade da classificação dos impostos em diretos e indiretos. E, o que é pior, nenhuma referência se fez ao fato de que o próprio STJ, por anos a fio, acolhia o entendimento contrário, nem mesmo para se explicar as razões pelas quais a jurisprudência se estaria modificando.

Nem é preciso dizer que essa forma de pensamento, além de contraditória, viola clara e diretamente a garantia fundamental à tutela jurisdicional (CF/88, art. 5.º, XXXV), pois deixa uma lesão ao direito do contribuinte, causada pela cobrança de um tributo indevido, inteiramente imune à apreciação judicial.

Em momento posterior, talvez sensível às críticas recebidas da comunidade acadêmica e advertido dos efeitos nefastos dos seus entendimentos em torno da tributação indireta vistos em conjunto, o STJ abriu exceção, apenas, para os consumidores de energia elétrica, em face da natureza peculiar da relação entre estes e as empresas concessionárias e da forma como é definido o valor das tarifas correspondentes. O entendimento, veja-se, não foi inteiramente modificado, mas apenas esclareceu-se não ser ele aplicável aos casos de energia elétrica, embora alguns julgados anteriores, que eram de consumidores de energia, sugerissem o contrário.[35]

Essa oscilação na jurisprudência criou algumas situações paradoxais, as quais talvez só deixem mais evidente o equívoco na forma como têm sido tratados os impostos considerados indiretos no Brasil. De fato, durante o largo período em que o STJ reconhecia legitimidade aos consumidores de energia, muitos destes iniciaram demandas questionando o ICMS incidente na energia consumida. E pleiteavam não apenas a restituição do indébito, mas retificação dos valores cobrados, em relação ao período futuro. Muitos obtiveram liminares, confirmadas por sentenças e acórdãos de TJ, suspendendo a exigibilidade dos valores questionados, a serem extintos quando do respectivo trânsito em julgado (CTN, art. 156, X). Quando tais processos chegaram ao STJ, este alterou o entendimento até então pacífico em sua jurisprudência e passou a negar legitimidade aos contribuintes de fato. A consequência foi a extinção, sem julgamento de mérito, de muitos dos referidos processos, o que gerou uma situação paradoxal: de quem a Fazenda Estadual poderia cobrar os valores “atrasados”, não pagos em virtude da liminar?

Se pretendesse cobrar das concessionárias, estas diriam, com razão, que não haviam descontado os valores dos consumidores de energia, em cumprimento a uma decisão judicial, não podendo ser compelida a pagá-los agora. E, se cobrasse dos consumidores, estes seriam colocados na inusitada situação de contribuintes de uma exação que não puderam discutir judicialmente por não serem seus… contribuintes!

Com a retificação da jurisprudência, esse paradoxo pode ser resolvido, mas subsistem outros, seja pelo fato de se negar legitimidade aos demais contribuintes “de fato”, seja pelo fato de se negar essa legitimidade, como regra geral, aos contribuintes “de direito”. Voltar-se-á a tais temas ao final deste artigo. Por enquanto, releva notar, apenas, que, em síntese, no âmbito da jurisprudência atual do STJ, relativamente ao ICMS, ao IPI e ao ISS não-fixo:

a) o contribuinte dito “de direito” não pode pleitear a restituição do tributo pago indevidamente, a menos que comprove não ter repassado o ônus do tributo a terceiros, ou esteja autorizado por estes a recebê-la, presumindo-se ocorrer sempre e integralmente a repercussão;

b) o contribuinte “de fato” tampouco pode pleitear, em nome próprio, a restituição, por não participar de relação jurídica com o Fisco, ressalvando-se apenas o caso dos consumidores de energia elétrica. Coloca-se o consumidor, dito contribuinte de fato, na peculiaríssima condição de ter de autorizar o contribuinte de direito a pleitear algo que não pode fazer em nome próprio.[36]

5. Exame da questão no âmbito da Comunidade Europeia

5.1. Preliminarmente

O argumento segundo o qual o tributo, conquanto indevido, teria sido pelo contribuinte “repassado” a terceiros não é privativo das autoridades fiscais brasileiras. Foi imaginado, e invocado, em alguns outros lugares.

Antes de se iniciar, porém, uma análise comparada, é preciso ter atenção para possíveis particularidades das ordens jurídicas a serem cotejadas, as quais devem ser lembradas quando se avaliarem as soluções que em um ou em outro lugar foram adotadas. No que mais de perto interessa aos propósitos deste artigo, a forma como os preços são formados e como os tributos sobre eles se acrescentam, assim como a posição de compradores e vendedores na relação jurídica tributária no âmbito da qual o pagamento indevido acontece podem ser diferentes de país para país. Isso tem reflexos óbvios no uso da passing-on defense, tornando-a menos ou mais inaceitável, a depender do caso.

Por isso, nas linhas seguintes, escolheu-se, para comparação, apenas a Comunidade Europeia, no âmbito da qual a questão fora suscitada relativamente a impostos equivalentes ao ICMS e ao IPI brasileiros[37]. O trato do problema em outros países, como no Canadá, nos Estados Unidos, no Reino Unido, em Israel e na Austrália, será rapidamente mencionado ao final deste tópico, mas seu aprofundamento, que tornaria o presente artigo demasiadamente extenso, será deixado para outro momento.

5.2. Surgimento da questão no plano doméstico, no Direito Dinamarquês

O surgimento da tese da passing-on defense e a sua aceitação pela jurisprudência na Europa deu-se, em um primeiro momento, no âmbito do Direito Dinamarquês, ao final da primeira metade do Século XX, coincidentemente mais ou menos na mesma época em que o Supremo Tribunal Federal, no Brasil, passou a se impressionar mais fortemente com ela. Mas é preciso notar a particularidade da situação dinamarquesa, que levou juízes locais a aceitarem o argumento fazendário: com o final da Segunda Guerra Mundial, havia um tabelamento de preços de cereais, tendo o Poder Público instituído um tributo a incidir sobre operações com trigo. Os comerciantes de cereais se insurgiram contra a exação, e para satisfazê-los o Poder Público procedeu a uma majoração no preço máximo (tabelado) do aludido cereal. Foi nesse contexto que, tendo sido reconhecido, posteriormente, o caráter ilegal do tributo, os comerciantes pleitearam sua restituição, e o Fisco a indeferiu com o uso da passing on defense.[38]

Veja-se que não era o mercado quem fixava o preço do produto vendido e tributado, mas sim o Poder Público, o qual procedera a um reajuste no preço fixado normativamente, com o específico propósito de permitir aos comerciantes a recuperação do ônus relativo ao tributo. Não fosse o imposto de cuja restituição se cogitava, o preço tabelado não teria sido majorado. O controle governamental da economia, por sua vez, permitira o repasse integral do ônus correspondente.

Foi esse o contexto em que a passing on defense foi acolhida por juízes daquele país, o mesmo do qual se originou, alguns anos depois, o primeiro caso referente a esse assunto levado à apreciação da Corte de Justiça Europeia (CJE). É importante saber disso, pois o que muitas vezes ocorre, sobretudo quando da análise de precedentes judiciais, é não se dar atenção ao contexto em que foram proferidos, o que não raro leva a uma indevida deturpação do alcance das teses neles consagradas.

5.3. A autonomia processual dos Estados-membros e o caso Hans Just

O primeiro caso levado ao exame da CJE relativamente à passing on defense é também oriundo da Dinamarca, mas já dizia respeito a situação um tanto diferente daquela, de cunho exclusivamente local, em que a tese fora originalmente acolhida por tribunais daquele país, comentada no item anterior. Era já um “alargamento” de uma ideia surgida originalmente em um contexto diverso (e que a tornava menos reprovável). Trata-se do caso conhecido como Hans Just v. Danish Ministry for Fiscal Affaris (C-68/79), no qual um produtor e importador de bebidas questionou judicialmente a cobrança de um exercise tax[39] que onerava mais pesadamente produtos importados de outros países membros da Comunidade Europeia, discriminando-os em face dos produtos dinamarqueses, o que é contrário às normas comunitárias da CE. Conquanto o imposto tenha sido, de fato, considerado indevido, o Fisco dinamarquês negou-se a restitui-lo ao contribuinte, sob o argumento de que o ônus correspondente havia sido repassado aos consumidores das bebidas em questão, o que foi admitido pelo Judiciário local, já habituado à tese.

Como se tratava de questão que repercutia sobre a aplicação do Direito Comunitário, o assunto fora levado à CJE, que entendeu legítima a oposição do Fisco dinamarquês.

Mas note-se: a CJE não ingressou no mérito relativamente à procedência ou à correção do uso da passing on defense, no caso. O que houve, em verdade, foi a aplicação do princípio da autonomia, por se haver entendido que, conquanto o direito substancial, no caso, seja disciplinado comunitariamente, os aspectos formais e processuais devem ser tratados pelo direito doméstico (autonomia processual). Por outras palavras, o Direito Comunitário determina como o tributo pode ou não pode ser instituído e exigido, mas o processo por meio do qual se procederá à restituição daquele que houver sido pago indevidamente, a legitimidade ativa para provocá-lo, os prazos de decadência ou prescrição aplicáveis, os índices de juros etc., são matéria a ser tratada pelo Direito de cada país da CE, não podendo a CJE se imiscuir em tais questões. Foi por isso, e só por isso, que nesse primeiro exame, talvez ainda irrefletido quanto às consequências da aceitação da passing on defense[40], a CJE a tolerou.[41]

Em seguida, “abertas as portas”[42] para o uso da referida tese por parte das Fazendas Públicas dos Países da Comunidade Europeia, intensificou-se na Europa o uso do óbice que até então era invocado precipuamente pela Dinamarca. Foi o que se deu, por exemplo, na Itália, na França e na Áustria.

5.4. O início das restrições com o caso San Giorgio

A questão, porém, é que a autonomia do direito processual é apenas relativa, e a separação entre o direito material e o processual não é tão nítida quanto parece.[43] A situação em exame é demonstração notável disso, até porque a discussão referente à legitimidade diz respeito à própria titularidade do direito subjetivo (substancial!) à restituição. Por outro lado, ainda que assim não fosse, a relatividade da autonomia processual[44] decorre da circunstância de que o processo, conquanto instrumento para a realização do direito material, dependendo de como seja normatizado pode conduzir à criação de armadilhas ou biombos destinados ao inverso disso, a saber, a consolidar e dar aparência de legitimidade a ilegalidades flagrantes. Foi o que a CJE percebeu pouco tempo depois, quando julgou caso conhecido como San Giorgio.[45]

Em contexto fático semelhante ao do caso Hans Just, San Giorgio era um contribuinte que havia recolhido tributo (uma “taxa sanitária”) em desconformidade com o Direito Comunitário, mas que teve sua restituição denegada pelas autoridades italianas sob o argumento de que o ônus correspondente havia sido transferido a terceiros, embutido nos preços praticados. Ao apreciar a questão, porém, a CJE fez uma série de ressalvas ou objeções ao uso da passing on defense por parte do Fisco, as quais praticamente correspondem à sua rejeição, ou à sua aceitação apenas diante de casos excepcionalíssimos e devidamente justificados (dos quais seria exemplo, talvez, aquele primeiro, referente aos produtores de trigo na Dinamarca, mencionado no item 5.2., supra).

A CJE entendeu, primeiro, que não se pode presumir o repasse integral do tributo indevido pelo contribuinte a terceiros, por meio do mecanismo de fixação de preços. O repasse pode ser parcial, hipótese em que a restituição poderia ocorrer, ainda também apenas em parte. Mas, além disso, o mais importante é que tal repasse precisa ser provado.

Embora seja muito difícil provar a ocorrência de um repasse, quando verificado, é ainda mais difícil, ou mesmo impossível, provar a inocorrência dele.[46] Aliás, a transferência do ônus referente ao tributo indevido a um terceiro é típico fato extintivo ou impeditivo do direito do autor do pleito de restituição, a ser, no plano da teoria geral da prova, alegado (e provado) pelo réu da demanda.[47] Por tudo isso, ainda que admissível a passing on defense, o ônus de provar a ocorrência da repercussão deve ser  imputado ao Fisco, não se podendo exigir do contribuinte, como condição para que se pleiteie a devolução do tributo indevido, que comprove não o ter repassado.

A Corte deixou claro, ainda, que, mesmo no caso de repasse comprovado pelo Fisco, isso, por si só, não é motivo para que se denegue a restituição ao contribuinte. Isso porque pode subsistir um “prejuízo” a ser reparado por meio da restituição, pois mesmo que o tributo tenha sido integralmente repassado aos preços, é inegável que um aumento destes leva a uma diminuição das vendas.[48] Sem o tributo, o comerciante poderia ter vendido o produto ou o serviço pelo mesmo preço, se o mercado permitisse, lucrando mais, ou poderia ter reduzido seus preços, vendendo em maior quantidade e da mesma forma ganhando mais. Em qualquer cenário, portanto, em regra, a restituição é medida que se impõe para reparar o dano causado pelo tributo indevido.

Por outro lado, e esse é o aspecto mais importante, a ECJ consignou que, conquanto dotados de autonomia para legislar em matéria processual, no plano do direito doméstico, os países membros não podem fazê-lo de modo a tornar muito difícil, ou mesmo impossível, a restituição do tributo cobrado em contrariedade ao Direito Comunitário.

Depois disso, julgando os casos C-331/85; C-376/85; C-378/85, relativos ao uso da passing-on defense por parte do Fisco francês, a Corte chegou mesmo a reconhecer que

o Tratado que institui a Comunidade Econômica Europeia deve interpretar-se no sentido de que um Estado-membro não pode adoptar disposições que condicionem o reembolso de imposições nacionais, cuja cobrança violou o direito comunitário, à prova de que não foram repercutidas sobre os compradores dos produtos por elas onerados, impondo o ónus desta prova negativa apenas às pessoas singulares ou colectivas que requererem o reembolso.

E, de certo modo retificando as premissas que a levaram a admitir a tese no caso Hans Just, a Corte esclareceu que essa resposta “não é condicionada pela existência ou inexistência de retroatividade da norma nacional, pela natureza da imposição em questão e o caráter concorrencial, regulamentado ou monopolista, no todo ou em parte, do mercado.”[49]

Esse entendimento foi reiterado pela CJE em diversas oportunidades posteriores.[50] Apreciando essa questão, relativa à passing-on defense, ou mesmo outras, relacionadas a outros aspectos da restituição do indébito, a Corte sempre frisou o limite a essa autonomia do direito doméstico, relativamente a aspectos formais ou procedimentais, como sendo a efetividade do Direito Comunitário.[51]

5.5. O inusitado caso austríaco e a verdadeira finalidade da “passing-on defense”

Também digno de registro, a esse respeito, é o caso relacionado ao § 185 do Código Tributário de Viena (Wiener Abgabenordnung – WAO). Diante de decisão da Corte de Justiça Europeia declarando inválido tributo indireto (imposto sobre bebidas) instituído em Viena, o parlamento dessa cidade introduziu norma no seu Código Tributário com redação muito semelhante ao art. 166 do CTN brasileiro, com a nítida finalidade de impedir a restituição aos contribuintes que, em face do precedente da CJE, certamente a pleiteariam. Exatamente como se deu, no Brasil, com a edição da Lei 9.032/95, que inseriu no art. 89 da Lei 8.212/91 um § 1.º consagrando a passing-on defense (cf. item 4.3, supra).

Esse artigo do WAO, que até março de 2000 não existia, foi introduzido porque a declaração de inconstitucionalidade, no Direito Austríaco, em regra tem efeitos apenas ex nunc. Assim, o tributo, se tivesse sido considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional austríaco, não seria restituído relativamente ao período anterior à declaração. Como a questão não foi de violação da Constituição Austríaca, mas do Direito Comunitário, seu deslinde se deu no âmbito da CJE, que não admitiu “modular” os efeitos de sua decisão declaratória da invalidade do tributo. Foi esse o contexto no qual o parlamento vienense saiu-se com a “solução” do § 185 do WAO, o que só deixa mais clara a ideia, subjacente ao uso da passing-on defense, de realmente não restituir o tributo.[52] Não se trata, honestamente, de evitar o locupletamento indevido do contribuinte “de direito”, mas pura e simplesmente de criar meios para que o tributo, mesmo indevido, não seja restituído, protegendo-se os cofres públicos e negando-se vigência às normas cuja violação ensejou a arrecadação correspondente.

Pois bem. Apreciando a questão relacionada ao tal § 185 do WAO, no julgamento C-147/01, a CJE não apenas reiterou que o ônus da prova do “enriquecimento ilícito” deve ser da Administração, e não do contribuinte (que não poderia ser obrigado a produzir a prova do “não-repasse”), tal como originalmente consignado no caso San Giorgio, como uma vez mais frisou que não necessariamente o repasse do tributo nos preços significaria a ausência de prejuízos a serem reparados por meio da repetição do indébito, pois, “ainda que o imposto tenha sido completamente integrado no preço praticado, o sujeito passivo pode sofrer prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (v. acórdãos Comateb e o., n.° 29, e Michaïlidis, n.° 35, já referidos).”[53]

Quanto à circunstância de que o artigo era uma nítida tentativa de frustrar a aplicação do entendimento da Corte, que declarara inválido o tributo, o mesmo julgado registrou que, por razões de segurança jurídica, os Estados até podem estabelecer limites à restituição (v.g., prazos de prescrição), mas estes não podem ser retroativos (como era o tal § 185 do WAO, considerado, por isso, contrário ao princípio da proteção da confiança legítima).[54] Além disso, essas limitações devem respeitar o princípio da eficácia, “que impõe que o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária não se torne praticamente impossível ou excessivamente difícil”, respeito que não se verifica em relação às normas que acolhem a tese da passing-on defense.[55]

5.6. A posição do contribuinte de fato

Estabelecido que o contribuinte dito “de direito” é quem tem legitimidade para pleitear a restituição do indébito tributário, não podendo a passing on defense, em regra, ser invocada pelo Fisco para tornar muito difícil ou impossível essa restituição, surgiram situações nas quais consumidores, ditos contribuintes “de fato”, pleitearam a restituição e, tendo-a denegada pelas autoridades locais, levaram a questão à ECJ.

Em tais casos, decidiu a Corte que, em princípio, o consumidor final, contribuinte “de fato” dos referidos tributos indiretos, não tem legitimidade ativa ad causam para reclamar a sua restituição. Ou, mais propriamente, decidiu a Corte que não violam o Direito Comunitário as disposições internas dos Países membros que conferem essa legitimidade apenas ao contribuinte “de direito”. Isso porque o consumidor final, ainda que suporte economicamente o ônus do tributo, embutido nos preços dos produtos e serviços postos à sua disposição, não tem relação jurídica com o Fisco.

No Case C-35/2005 (Reemtsma Cigarettefabriken Gmbh v. Ministero dele Finanze), por exemplo, uma empresa tomadora de serviços havia suportado, nas faturas dos serviços a ele prestados por contribuinte prestador estabelecido na Itália, valor a título de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) que, na verdade, não era devido, tendo, por isso, pleiteado diretamente a sua restituição. O Fisco Italiano, porém, afirmou que o consumidor tem direito ao reembolso apenas do IVA devido, nas hipóteses em que sai do território do país correspondente com os produtos ou serviços tributados, não lhe assistindo o direito de pleitear, diretamente, o reembolso ou a restituição do IVA recolhido indevidamente pelo contribuinte “de direito”, comerciante vendedor.

A CJE, então, entendeu que ele, o consumidor dito contribuinte “de fato”, realmente não poderia ser restituído na mencionada situação, cabendo à empresa prestadora do serviço, contribuinte do IVA, a legitimidade para pleitear a restituição. Nos termos do item 33 do julgado, “é unicamente o fornecedor quem deve ser considerado o devedor do IVA perante as autoridades fiscais do Estado-Membro do lugar das prestações.”

Reiterando a ideia de autonomia processual dos países-membros, a CJE ressaltou, ainda, que

não havendo regulamentação comunitária em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que esses pedidos podem ser apresentados, devendo estas condições respeitar os princípios da equivalência e da efectividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem fixadas de modo a impossibilitar na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (v., designadamente, acórdãos de 17 de Junho de 2004, Recheio— Cash & Carry, C-30/02, Colect., p. I-6051, n.° 17, e de 6 de Outubro de 2005,MyTravel, C-291/03, Colect., p. I-8477, n.° 17).[56]

Entretanto, convém notar que a Corte destacou, por igual, que

os princípios da neutralidade, da efectividade e da não discriminação não se opõem a uma regulamentação nacional, como a em causa no processo principal, segundo a qual apenas o fornecedor pode requerer o reembolso dos montantes indevidamente pagos a título do IVA às autoridades fiscais e o destinatário dos serviços pode intentar uma acção cível para repetição do indevido contra este fornecedor. No entanto, se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil, os Estados-Membros devem prever os instrumentos necessários para permitir ao referido destinatário recuperar o imposto indevidamente facturado, de modo a que o princípio da efectividade seja respeitado.[57]

Como visto anteriormente, no Brasil, o Superior Tribunal de Justiça também tem negado legitimidade ativa ad causam ao consumidor final, considerado contribuinte “de fato” dos tributos indiretos correspondentes. Parte-se da premissa, tal como a CJE, de que não há relação jurídica entre ele e o Fisco, reconhecendo-se essa legitimidade apenas em casos excepcionais, como no dos consumidores de energia elétrica, cujo preço é tarifado e a forma como a atividade é exercida por concessionárias de serviços públicos torna a posição do consumidor muito próxima à de um contribuinte “de direito”, e não à de um mero consumidor contribuinte “de fato”.

Mas veja-se. Esse entendimento – posteriormente reiterado pela CJE[58] – não pode ser comparado ao adotado pelo STJ a partir do REsp 903.394/AL, segundo o qual o consumidor final não pode pleitear a restituição do ICMS ou do IPI incidente sobre as mercadorias por ele adquiridas. Os julgados parecem equivalentes, mas não o são, pois a jurisprudência de ambas as Cortes precisa ser vista de forma mais ampla e global. A CJE nega legitimidade ao contribuinte de fato, em regra, mas a reconhece ordinariamente ao contribuinte de direito sem a exigência de prova do não repasse. Isso faz toda a diferença, pois revela a coerência da CJE, e a total incoerência do STJ[59]. Além disso, em situações nas quais a ilegitimidade do contribuinte de fato poderia conduzir à total impossibilidade de restituição, a CJE admite essa legitimidade, em termos mais amplos que o STJ, que excepciona apenas o caso de consumidores de energia elétrica.

Finalmente, não se pode deixar de comentar a diferença que há entre o IVA europeu e o ICMS e o IPI no Brasil. No caso do IVA, o destaque nas faturas fornecidas ao consumidor é muito mais claro e explicito, tanto que este, quando se trata de turista que retorna ao seu pais de origem com produtos comprados na Europa, recebe a restituição correspondente, no aeroporto, algo que no Brasil apenas aos contribuintes de direito exportadores se reconhece, e de forma muito precária. Essa diferença confere ainda mais razões para que no Brasil se adote o entendimento de que, em regra, a restituição do indébito tributário, em relação aos tributos usualmente tidos como indiretos, deve ser deferida ao contribuinte legalmente definido como tal, não se lhe exigindo prova da não repercussão do ônus econômico do tributo e não se considerando relevante, em princípio, a existência de repercussão econômica do ônus do tributo para o consumidor final.

Em suma, no âmbito do Direito Europeu, no entendimento da CJE, a restituição do tributo indireto deve ser feita, em regra, ao contribuinte legalmente definido como tal. A questão de saber se o preço por este cobrado do consumidor final, suposto contribuinte “de fato”, é afetado pela invalidade do tributo, que nele estaria embutido, até pode ser suscitada, mas é um problema a ser resolvido entre contribuinte e consumidor, no plano cível, se for o caso. Trata-se de solução bastante semelhante àquela proposta no art. 117 do anteprojeto de Código Tributário Nacional, elaborado por Gilberto de Ulhôa Canto mas lamentavelmente nunca levado adiante pelas autoridades competentes para transformá-lo em lei. É conferir:

Art. 117. É parte legítima para pleitear a repetição, o sujeito passivo da obrigação tributária ou o infrator que tiver pago a penalidade, ainda que o efetivo encargo financeiro tenha sido transferido a outrem. Quem provar a transferência, disporá de ação regressiva contra o sujeito passivo reembolsado, ou poderá integrar a lide como assistente, e requerer ao juiz que a restituição lhe seja feita.

5.7. Síntese do posicionamento da CJE e de suas preocupações

A análise da jurisprudência do STJ e do STF, e da CJE, relativamente ao tema da restituição dos tributos “indiretos”, revela que esta última tem preocupação importante com a consistência da tese da “traslação” do ônus do tributo (passing-on defense), e com seus reflexos sobre a efetividade do direito violado pela instituição e pela cobrança de tributos indevidos. Em nenhuma hipótese, para a CJE, a tese em questão poderia ser utilizada para tornar impossível ou muito difícil o exercício do direito à restituição.

No Brasil, exame da jurisprudência do STF, posterior a 1940, e do STJ, revela justamente o contrário. Tais Cortes tiveram o esmero em criar uma tese que, de forma primorosamente incoerente, torna impossível o exercício do direito à restituição do indébito tanto ao contribuinte dito “de direito” como àquele impropriamente rotulado de “contribuinte de fato”. Talvez o maior distanciamento da CJE da influência do Poder Executivo dos Países membros da CE seja responsável por uma maior imparcialidade dessa Corte, e por sua maior preocupação com a efetividade do Direito Comunitário diante da rebeldia de alguns Países-membros, preocupação que STJ e STF não parecem ter com a efetividade da Constituição e das Leis, em matéria tributária.

Pode-se dizer, no caso brasileiro, que há o art. 166 do CTN, norma que teria conduzido à jurisprudência ora criticada. A oposição, porém, não procede, ou não conduz à conclusão que dela se pretende extrair. Primeiro, porque, como visto, o entendimento do STF a respeito da passing-on defense é anterior ao art. 166 do CTN, e de certo modo é responsável por ele. Não se pode, portanto, colocar no artigo – ou, a rigor, no legislador – a responsabilidade pelo acolhimento da tese pela jurisprudência. Segundo, porque tal artigo será inconstitucional, se visto como um óbice ao acesso à tutela jurisdicional, pois sua incompatibilidade com o disposto no art. 5.º, XXXV, da CF/88 é flagrante. E, terceiro, porque o art. 166 do CTN pode perfeitamente ser interpretado conforme a Constituição, entendendo-se que ele não se aplica indiscriminadamente àqueles tributos considerados “indiretos”, mas, a rigor, somente àquelas situações nas quais a lei aloca mais de uma pessoa no polo passivo da relação tributária. Por outras palavras, o art. 166 do CTN é aplicável somente àquelas hipóteses nas quais há mais de um sujeito passivo legalmente definido como tal, vale dizer, mais de um “contribuinte de direito”, ou um “contribuinte de direito” e um ou mais “responsáveis tributários”, nos termos do art. 128 do CTN[60], o que, aliás, também é admitido pelo STJ.[61]

5.8. Breve registro do trato da questão no âmbito de outros países

A passing-on defense também é verificável em lugares como Israel, Austrália, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá[62]. O exame em detalhes das particularidades de tais ordens jurídicas, que podem tornar menos ou mais injustificável o uso desse argumento, assim como da receptividade que ele teve por parte dos Tribunais, será feito em outra oportunidade. Por enquanto, é importante apenas fazer o registro de que a Suprema Corte Canadense, depois de aceitar a aludida tese por algum tempo, recentemente modificou sua jurisprudência para rejeitá-la, afastando a ideia de que haveria um “enriquecimento sem causa” do contribuinte de direito ao qual se concedesse a restituição.

Entre os argumentos acolhidos pela Suprema Corte Canadense estão os da dificuldade de provar a não-repercussão, as consequências disso no âmbito da restituição etc., tal como delineado na jurisprudência da CJE. Mas, além disso, consignou-se de forma expressa a inaplicabilidade da ideia de “enriquecimento sem causa” como fundamento para se conceder ou denegar a restituição de tributos pagos indevidamente. É conferir:

“The passing-on defence is not available to the Crown in the context of a claim for the recovery of taxes paid pursuant to ultra vires legislation. The defence is inconsistent with the basic premise of restitution law. Restitutionary principles provide for restoration of what has been taken or received from the plaintiff without justification. Restitution law is not concerned by the possibility of the plaintiff obtaining a windfall because it is not founded on the concept of compensation for loss. The defence is also economically misconceived and creates serious difficulties of proof as there are inherent difficulties in a commercial marketplace of proving that the loss was not passed onto consumers.”[63]

Com efeito, se o tributo é indevido, a consequência disso deve ser a recomposição do status quo ante, com a sua restituição. Não se há de perquirir se isso traz enriquecimento para o contribuinte. Voltar-se-á ao tema mais adiante.

6. Algumas observações a respeito das soluções encontradas

Do que foi explicado ao longo deste texto, pode-se concluir, mesmo sem entrar na discussão relacionada à dificuldade de se classificarem os impostos em “diretos” e “indiretos”, ou na tormentosa questão relacionada à análise da “repercussão” ou da “traslação” do ônus econômico de um tributo para terceiros, que a jurisprudência brasileira dá à questão um tratamento que torna muito difícil, ou mesmo impossível, a restituição de um tributo pago indevidamente. Com isso, torna-se difícil, ou mesmo impossível, o restabelecimento do direito malferido pela cobrança correspondente, em contrariedade a todas as normas constitucionais que determinam como os tributos podem ser instituídos e cobrados, e, a contrario, como não podem sê-lo. Viola-se, com mais ênfase ainda, o disposto no art. 5.º, XXXV, da CF/88, pois se nega aos contribuintes o próprio acesso a uma prestação jurisdicional que repare a aludida violação.

Situações semelhantes, quando conduzem à ineficácia das disposições comunitárias referentes a como os tributos podem ou não podem ser instituídos e cobrados no âmbito da Comunidade Europeia, levaram à Corte Europeia de Justiça a estabelecer inúmeras restrições ao uso da passing-on defense por parte da Fazenda Pública e dos Tribunais locais, restrições que deveriam ser examinadas e refletidas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, dos quais se espera uma saudável mudança na jurisprudência representada pelas Súmulas 71 e 547 do STF, interpretando-se o art. 166 do CTN conforme a Constituição, a fim de que se reconheça a sua aplicabilidade apenas aos casos em que a lei define mais de um sujeito passivo para a relação tributária, nos termos do art. 128 do mesmo Código.

Como consequência disso, ao contribuinte “de direito” se deveria reconhecer a legitimidade para pleitear a restituição de tributos pagos indevidamente, ainda quando considerados “indiretos”, deixando-se a questão de eventual reflexo desse questionamento no preço praticado para ser solucionada no plano cível, como, aliás, previa o art. 117 do anteprojeto de Código de Processo Tributário elaborado por Gilberto de Ulhôa Canto. Assim, caso o consumidor de determinado produto ou serviço considerar ilegítimo o preço pago, em virtude de ter sido considerado indevido o tributo que sobre ele incidia, poderá acionar o fornecedor, no plano cível, mas isso não poderá servir de impedimento a que este obtenha do Fisco a restituição do que indevidamente foi pago.

Nas linhas seguintes serão resenhadas, em síntese, as razões que justificam esse posicionamento.

6.1. Dificuldade em se determinar a repercussão

O primeiro e principal problema do uso da passing-on defense, que recomenda o seu abandono, é a extrema dificuldade em se determinar a repercussão do ônus do tributo, que, aliás, como visto quando da análise do case San Giorgio, não é uma questão à qual se possa responder apenas “sim, houve repercussão”, ou “não, não houve repercussão”, na forma de um “tudo ou nada”. A repercussão pode se verificar em graus. E, pior, em múltiplas direções e sentidos, e não apenas da forma sempre imaginada produção → comércio → consumo final.[64] O aumento do ônus tributário sobre um comerciante, por exemplo, pode se refletir “para trás”, na imposição de uma diminuição no preço de seus fornecedores (shifting backwards), ou mesmo sobre os seus empregados, que podem deixar de receber aumento ou mesmo sofrer demissões.[65]

Aliás, sabe-se que a repercussão pode ocorrer em tributos diretos,[66] e não ocorrer em indiretos, o que deita por terra, definitivamente, o uso da classificação em comento para restringir o direito à restituição do indébito tributário em relação àqueles considerados como “indiretos”.[67]

Existem, em suma, inúmeros fatores que, combinados, levam a trilhões de cenários distintos, a serem considerados na determinação da repercussão, de sua direção, sentido e intensidade. É impossível ao Judiciário conhecê-los todos, e este, como aponta Neviani, não pode atalhar o problema da pior forma possível, presumindo-a arbitrariamente em relação a certos tributos e impondo ao contribuinte a impossível tarefa de refutá-la.[68] A melhor solução seria simplesmente abandonar o uso da passing-on defense.[69]

6.2. Mesmo havendo repercussão o contribuinte “de direito” experimenta “dano” a ser reparado

Outro aspecto a ser considerado, na repulsa ao uso da passing-on defense por parte da Fazenda Pública, nas ações de restituição do indébito, é o de que mesmo se o tributo tiver sido repassado a terceiros, subsiste o direito do contribuinte à restituição, caso seu pagamento tenha sido indevido.

Além da necessidade de se rejeitar o argumento do “enriquecimento sem causa”, aludida na decisão da Suprema Corte canadense antes referida, e por boa parte da doutrina brasileira, há o fato, bem percebido por Tarcísio Neviani[70], e pela Corte Europeia de Justiça no julgamento San Giorgio, de que o encarecimento indevido dos produtos do contribuinte leva a um volume de vendas menor, e, assim, a um “prejuízo” a ser reparado pela restituição do indébito, independentemente de traslação ou repasse do ônus do tributo.

6.3. Distinção entre tributo e preço

O aspecto mais relevante de toda a discussão, porém, talvez seja o de que o tributo pago pelo contribuinte “de direito” não se confunde com preço, pago pelo contribuinte “de fato”, ainda que seja integralmente nele “embutido”. Seus fundamentos jurídicos são distintos, pelo que o fato de o primeiro ser indevido não faz com que o segundo também o seja.

Na verdade, o tributo, juntamente com os demais custos, e uma margem de lucro (que não é tabelada, podendo ser maior, menor, ou mesmo inexistente, em certas situações), é um fator a ser considerado pelo comerciante, na determinação de seus preços. Esses preços, porém, não serão definidos apenas por esses custos, mas por inúmeros outros fatores do mercado. E como não há lucro tabelado, pode-se dizer que um menor ônus tributário, se o mercado permitisse a venda pelo mesmo preço, levaria a um maior lucro legítimo do comerciante.[71]

Em suma, além de tudo o que foi apontado nos itens anteriores, a repercussão, quando há, relativamente aos tributos indiretos, faz com que o consumidor final pague um preço mais alto[72], apenas. Mas o valor pago pelo consumidor, dito contribuinte “de fato”, não é tributo. É preço, não deixa de ser preço porque tributos são pagos pelo vendedor e considerados em sua fixação, e nem se torna indevido se um desses ingredientes levados em conta na sua fixação for considerado inválido.

Se um comerciante fixa seu preço pensando ter de pagar um aluguel elevado, e o comprador aceita pagar esse preço e adquire a mercadoria, celebrando contrato de compra e venda, o fato de depois se constatar que esse aluguel não seria tão elevado, ao final, não transforma o preço pago em indevido, só por isso. O preço é devido, porque fora validamente pactuado, pouco importando, para isso, quais fatores levaram o comerciante a fixa-lo no patamar aceito pelo comprador. Essa aceitação, sim, é relevante.[73] E, assim como acontece com aluguéis, salários e outros custos, dá-se com os tributos, sejam diretos ou indiretos.[74]

6.4. Inadequação da ideia de “enriquecimento sem causa”, no caso

Justamente porque tributo e preço são distintos, quando o comerciante encarece o seu preço para recuperar o ônus (econômico) do tributo, o valor recebido a título de preço é legítimo mesmo se o tributo vier a ser considerado indevido. Assim, não há porque afirmar que o comerciante não experimentou um “ônus” com o pagamento do tributo indevido, que, em lhe sendo restituído, não ensejará nenhum enriquecimento sem causa.

A tese do enriquecimento sem causa é afastada, também, se se considerar que, sem o tributo (indevido), o comerciante poderia ter cobrado pelo produto o mesmo preço, experimentando lucro maior. Assim, mesmo repassado ao consumidor sob a forma de aumento de preços, juridicamente o tributo indevido ou enseja uma diminuição do lucro possível em face do preço praticado, ou enseja uma diminuição das vendas, em face de um preço menor possível. De qualquer sorte, sua cobrança causa um “dano”, passível de reparação, apesar de uma suposta e integral repercussão.

Como se isso não bastasse, se o tributo é indevido, a restituição é medida que se impõe, como forma de reparação da ordem jurídica violada. A causa do dever de restituição não é um “empobrecimento” do contribuinte, mas a violação à lei, que há de ser reparada sem perquirição a respeito de quem enriquece ou empobrece com isso. Foi o que percebeu, com muita propriedade, a Corte Suprema do Canadá[75].

6.5. Ônus da prova da repercussão ou do locupletamento sem causa

Apesar de tudo o que foi dito, se se pudesse cogitar de uma situação, excepcionalíssima, na qual a tese da repercussão do ônus do tributo e do enriquecimento sem causa poderiam ter alguma relevância, o ônus de demonstrá-lo, realmente, deveria ser sempre da Fazenda, ré que estaria assim opondo fato impeditivo ou modificativo do direito do autor da ação de restituição do indébito.

Na verdade, em regra, o correto é rejeitar-se o uso da passing-on defense. Mas, se em algum caso particularíssimo seu uso poderia ser justificado, o ônus dessa justificação, e dos fatos que lhe dariam base, não pode ser senão da Fazenda que o alegasse.

6.6. Impossibilidade de se reconhecerem direitos a quem não faz parte da relação jurídica

Outro aspecto a ser considerado, para que se rejeite, definitivamente, o uso da passing-on defense do âmbito da restituição do indébito tributário, é a incoerência de se considerar parte da relação jurídica alguém que, por definição, não o é.

Sim, porque não se pode negar a legitimidade ao contribuinte “de direito”, alegando-se para tanto a repercussão, e não se reconhecer essa legitimidade ao contribuinte “de fato”, que supostamente teria sofrido essa repercussão. Se um não pode repetir porque quem pagou “na verdade” foi o outro, a esse outro se deve reconhecer o direto à restituição.

Mas veja-se. Dar relevância jurídica ao contribuinte “de fato”, conferindo-lhe direitos próprios daqueles que ocupam o polo passivo da relação jurídica tributária, é contraditório com a própria definição de sua posição como sendo meramente “de fato”.

A par dessa incoerência, há outras dificuldades. Como ele, contribuinte de fato, irá pleitear a restituição de um tributo que foi apenas repercutido no preço que pagou, ele terá de provar que o contribuinte “de direito” efetivamente pagou o tributo? Note-se que pode ter ocorrido de o tributo ter sido considerado na fixação do preço, ter sido suportado “economicamente” pelo consumidor final, mas não ter sido recolhido pelo contribuinte de direito aos cofres públicos. Será o fisco obrigado a restituir o que não recebeu? Terá o contribuinte de fato que provar que o contribuinte de direito pagou o tributo? Como?

Tais complicadores só mostram a total falta de lógica em se considerar como titular de “direitos” alguém que, por definição, não participa de relação jurídica alguma, suportando o tributo apenas economicamente, ou “de fato”. E a mesma falta de lógica há em suprimir esses direitos àquele que participa dessa relação como sujeito passivo, tendo assim sido considerado pela legislação criadora do tributo.

6.7. Quais efeitos jurídicos pode ter a natureza “indireta” de um tributo?

Diante do que foi explicado nos itens anteriores, poder-se-ia perguntar se subsistiria alguma utilidade na classificação dos tributos em direitos e indiretos, assim como na consideração do fenômeno da repercussão.

Em verdade, a circunstância de um tributo onerar, indiretamente, a capacidade contributiva revelada por pessoa diversa daquele definida em lei como contribuinte, e a possibilidade de o ônus econômico desse tributo ser repassado a essas pessoas, por meio do encarecimento dos bens e serviços por ela consumidos, conquanto de difícil determinação, pode ser considerada pelo legislação em um cenário macro[76], na definição de políticas tributárias e na determinação das alíquotas dos tributos correspondentes. Isso explica a subsistência da classificação[77], pois o problema não reside nela, mas nos efeitos jurídicos que podem, ou não, ser extraídos dela.

Dessa forma, se se sabe que o tributo tende a encarecer os preços, como qualquer custo, isso pode ser levado em consideração no estabelecimento das alíquotas correspondentes, conforme o produto. É o que determina a CF/88, relativamente ao ICMS e ao IPI, seletivos conforme a essencialidade do produto onerado. Pode, também, determinar a criação de mecanismos destinados a evitar que essas incidências retirem a neutralidade do tributo, introduzindo-se, para tanto, a sistemática da não-cumulatividade.

Mas veja-se. A seletividade, assim como a não-cumulatividade, são reflexos, no âmbito tributário, da ideia de que os tributos ditos indiretos encarecem o preço das mercadorias e dos serviços sobre os quais incidem, mas o valor pago pelo consumidor por tais mercadorias e por tais serviços continua tendo a natureza jurídica de preço, não sendo contaminado caso o tributo que o encarece seja, posteriormente, considerado indevido.[78]

7. Conclusões

Diante do que foi visto ao longo deste trabalho, pode-se concluir, em síntese, que:

a) a classificação dos tributos em diretos e indiretos pode ser empregada para fins didáticos, para determinação de alíquotas de tributos, para guiar decisões relacionadas à política tributária, mas não para negar ao sujeito passivo legalmente definido como tal os direitos inerentes a essa sujeição passiva, sobretudo quando isso se dá em concomitância com a não atribuição desses mesmos direitos ao terceiro a quem o ônus do tributo teria sido repassado;

b) apenas se pode cogitar da aplicação do art. 166 do CTN naquelas situações nas quais a legislação define mais de um sujeito passivo, colocando-os no polo passivo da obrigação tributária correspondente, nos termos do art. 128 do CTN. Em tais hipóteses, a relação jurídica poderá ser questionada por quaisquer deles, em conjunto ou separadamente, antes do pagamento (g., por meio de ação anulatória, mandado de segurança etc.), cogitando-se da aplicação do mencionado artigo apenas quando se tratar de demanda destinada à recuperação de valores indevidamente pagos por contribuinte ou responsável, hipótese em que a restituição será feita àquele que demonstrar haver se sujeitado (juridicamente, e não economicamente) à exação.

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[1] Para análise do assunto à luz da realidade brasileira do início dos anos 1980, confira-se NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983.
[2] Em momento anterior, os problemas inerentes à tributação indireta foram examinados pelo autor deste trabalho, em face da jurisprudência brasileira, e de uma forma mais abrangente (envolvendo exame de seu trato em relação às imunidades subjetivas, às consequências do inadimplemento etc.), em MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições. São Paulo: Malheiros, 2011. No presente artigo, o assunto será revisitado, especificamente no que tange à restituição do indébito, à luz da experiência da Comunidade Europeia e de recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça.
[3] Como observam Sacchetto e Marassi, a análise comparada “allows a better understanding of domestic law and its evolution.” SACCHETTO, Claudio; MARASSI, Marco (ed.). Introduction to comparative tax law. Rubbetino, 2008, Torino: Catanzaro, 2008, p. 8.
[4] Os julgados da Corte de Justiça Europeia (CJE), veiculados em todos os idiomas falados na Comunidade Europeia (CE), inclusive em português, se acham disponíveis na internet, no site da Corte, em http://curia.europa.eu/jcms/jcms/j_6/
[5] Veja-se, a respeito, NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, e MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (Coord.). Direito Tributário. Estudos em homenagem ao prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 69. Nestes dois excelentes textos, aliás, há remissões a pronunciamentos ainda muito mais antigos, da doutrina (v.g., da Carvalho de Mendonça) e da jurisprudência (inúmeros acórdãos do STF anteriores a 1940), no mesmo sentido por eles defendido.
[6] Cf. RIDLEY, Matt. The rational optimist. How prosperity evolves. New York: Harper Collins, 2011, passim.
[7] Algo do conteúdo deste trabalho constou do artigo “Restituição do Tributo ‘Indireto’ na jurisprudência brasileira: notas sobre uma análise comparada”, publicado na Revista Dialética de Direito Tributário n.º 208. Nesta oportunidade, porém, faz-se análise mais detida do assunto.
[8] Especialmente ao Professor Pasquale Pistone, a Renée Pestuka, e aos colegas César Alejandro Ruiz Jiménez, Daniel Fuentes, Felipe Vallada, Sebastian Pfeiffer, Pernille Jessen e Yinon Tzubery.
[9] Há registro de seu uso na Idade Média, e mesmo antes disso, visto que a distinção brotou de outra, ainda mais antiga, que separa os impostos em reais e pessoais. Confira-se, a propósito, NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 61.
[10] MILL, John Stuart. Princípios de Economia Política. Com Algumas de suas Aplicações à Filosofia Social. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996, v. 2, p. 395.
[11] MILL, John Stuart. Princípios de Economia Política. Com Algumas de suas Aplicações à Filosofia Social. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996, v. 2, p. 396. Daí a rejeição de Tarcísio Neviani ao uso do “critério econômico” para classificar os tributos em direitos e indiretos, eis que, economicamente, todos podem ser repassados a terceiros, ou não, conforme as circunstâncias. NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 80.
[12] Produtos da cesta básica, que figuram entre os principais itens consumidos por pessoas de baixa capacidade para contribuir, são geralmente submetidos a ônus tributário menor que produtos luxuosos ou suntuosos, em regras consumidos por pessoas mais ricas. E isso independentemente de os produtos da cesta básica serem fabricados por uma grande companhia, dotada de enorme capacidade para contribuir, e de o produto luxuoso ser fabricado por uma modesta sociedade comercial, o que revela que a capacidade para contribuir almejada com o tributo é a do consumidor, e não a do contribuinte legalmente definido como tal.
[13] NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 97.
[14] LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direito Tributário – teoria geral do tributo. São Paulo: Marcial Pons/Manole, 2007, p. 165.
[15] Cf. NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 35, p. 57.
[16] “O art. 166, do CTN, só tem aplicação aos tributos indiretos, isto é, que se incorporam explicitamente aos preços, como é o caso do ICMS, do IPI etc.” (STJ, 1.ª T., AGA 452.588/SP, DJ de 5/4/2004, p. 205)
[17] “1. O ISS é espécie tributária que pode funcionar como tributo direto ou indireto, a depender da avaliação do caso concreto. 2. Via de regra, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, nos termos do art. 7.º da Lei Complementar n.º 116/2003, hipótese em que a exação assume a característica de tributo indireto, permitindo o repasse do encargo financeiro ao tomador do serviço. 3. Necessidade, na hipótese dos autos, de prova da não-repercussão do encargo financeiro do tributo, nos termos do art. 166 do CTN. […]” (STJ, 1.ª T., AgRg no Ag 692.583/RJ, j. em 11/10/2005, DJ de 14/11/2005, p. 205, rep. DJ de 28/11/2005, p. 208). Exame do inteiro teor do acórdão revela que as situações nas quais o ISS seria “indireto” seriam aquelas nas quais sua base de cálculo é o preço do serviço, aplicando-se o art. 166 do CTN. Entretanto, nas hipóteses em que o ISS é cobrado em valores fixos, como ocorre com as sociedades de profissionais liberais (Decreto-lei n.º 406, art. 9.º, §§ 1.º e 3.º), sua natureza é “direta” e o art. 166 não se aplica, pois “inexiste vinculação entre os serviços prestados e a base de cálculo do imposto municipal, sendo impróprio cogitar-se de transferência do ônus tributário e, consequentemente, da aplicação do art. 166 do CTN” (STJ, 2.ª T., REsp 724.684/RJ, j. em 3/5/2005, v. u., DJ de 1.º/7/2005, p. 493).
[18] Ou “defence”, com “c”, se se adotar como paradigma o inglês britânico
[19] Cf. v.g., PARLAK, Süleyman. Passing-on Defence and Indirect Purchaser Standing: Should the Passing-on Defence Be Rejected Now the Indirect Purchaser Has Standing after Manfredi and the White Paper of the European Commission? In: World Competition 33, no. 1 (2010): 31–53. The Netherlands: Kluwer Law International, 2010, p. 31 e ss.
[20] Cf. NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 24.
[21] Cf. MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (Coord.). Direito Tributário. Estudos em homenagem ao prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 69.
[22] NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 150.
[23] “Estamos em que, se não há fundamento jurídico que ampare o Estado, no caso de haver recebido valores indevidos de contribuintes que transferiram o impacto financeiro a terceiros, também não há justo título para que estes, os sujeitos passivos que não provaram haver suportado o encargo, possam predicar a devolução. E na ausência de títulos de ambos os lados, deve prevalecer o magno princípio da supremacia do interesse público ao do particular, incorporando-se as quantias ao patrimônio do Estado.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 419). Nesse sentido, confira-se: TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 293.
[24] Hugo de Brito Machado, a esse respeito, em livro publicado ainda em 1971, enumera outras situações nas quais “é evidente a inexistência de repercussão do imposto indevidamente pago. Assim é, por exemplo, quando o erro é cometido no preenchimento da guia de recolhimento; ou na soma do imposto lançado, ou ainda em se tratando de desfazimento da operação que provocou o fato gerador.” MACHADO, Hugo de Brito. O ICM. São Paulo: Sugestões Literárias, 1971, p. 153.
[25] NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 57.
[26] Cf., v.g., EREsp 699.292/SP, no qual se reconhece a natureza “indireta” do ICMS.
[27] MACHADO, Hugo de Brito. Repetição do indébito tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Repetição do Indébito. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 236.
[28] GRECO, Marco Aurélio. Repetição do Indébito. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Repetição do Indébito. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 282.
[29] “1. O ISS é espécie tributária que pode funcionar como tributo direto ou indireto, a depender da avaliação do caso concreto. 2. Via de regra, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, nos termos do art. 7.º da Lei Complementar 116/2003, hipótese em que a exação assume a característica de tributo indireto, permitindo o repasse do encargo financeiro ao tomador do serviço. 3. Necessidade, na hipótese dos autos, de prova da não-repercussão do encargo financeiro do tributo, nos termos do art. 166 do CTN. […]” (STJ, 1 T., AgRg no Ag 692.583/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 11/10/2005, DJ de 14/11/2005, p. 205, rep. DJ de 28/11/2005, p. 208). Exame do inteiro teor do acórdão revela que as situações nas quais o ISS seria “indireto” seriam aquelas nas quais sua base de cálculo é o preço do serviço, aplicando-se o art. 166 do CTN. Entretanto, nas hipóteses em que o ISS é cobrado em valores fixos, como ocorre com as sociedades de profissionais liberais, sua natureza é “direta” e o art. 166 não se aplica, como se decidiu no julgamento do REsp 724.684/RJ, Rel. Min. Castro Meira, j. em 3/5/2005, v. u., DJ de 1/7/2005, p. 493.
[30] “É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o adicional de imposto de renda, por tratar-se de tributo direto, não comporta repercussão, sendo dispensável a prova do não-repasse ao contribuinte de fato.” Assim, para “a restituição dos valores indevidamente recolhidos a título de adicional de imposto de renda, é inaplicável o teor do art. 166 do CTN, que se dirige aos tributos indiretos” (STJ, 2.ª T., REsp 198.508/SP, j. em 8/3/2005, DJ de 16/5/2005, p. 276)
[31] “‘A 1.ª Seção do STJ, por ocasião do julgamento do EREsp 189.052/SP, em 12/3/2003, afastou a necessidade de comprovação da não transferência do encargo de que trata o art. 166 do CTN, relativamente às contribuições previdenciárias, por entender se tratar de tributo direto, que não comporta o repasse de seu ônus financeiro’ (REsp 529.733/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 3/5/2004)”
[32] Confira-se, a propósito, MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Substituição Tributária e realidades afins – legitimidade ativa “ad causam”. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 1, n.68, p. 61-76, 2001.
[33] “TRIBUTÁRIO. FUNRURAL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO ADQUIRENTE DA MATÉRIA-PRIMA DE PRODUTOR RURAL. ART. 166 DO CTN. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. “A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a pessoa jurídica adquirente de produtos rurais é responsável tributário pelo recolhimento da contribuição para o FUNRURAL sobre a comercialização do produto agrícola, tendo legitimidade tão-somente para discutir a legalidade ou constitucionalidade da exigência, mas não para pleitear em nome próprio a restituição ou compensação do tributo, a não ser que atendidos os ditames do art. 166 do CTN” (REsp 961.178/RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJe 25/05/09). 2. Agravo regimental não provido.” (STJ, 1.ª T, AgRg no AREsp 198.160/PI, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 09/10/2012, DJe 16/10/2012)
[34] STJ, 2.ª T, REsp 1147362/MT, DJe de 19/08/2010.
[35] STJ, 1.ª S, REsp 1.278.668/RS e REsp 1.299.303/SC.
[36] Daí continuar inteiramente atual a observação arguta de Ives Gandra da Silva Martins, para quem a figura do contribuinte de fato, além de não encontrar amparo no art. 121 do CTN, “seria um ‘contribuinte castrado’, já que, teoricamente, seria o titular do direito, mas não o poderia exercer diretamente. Vale dizer, seria um contribuinte capaz de impedir a restituição do indébito, mas não um contribuinte capaz de repetir.” MARTINS, Ives Gandra da Silva. Repetição do Indébito. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Repetição do Indébito. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 161. De fato, não há a menor lógica em um terceiro não poder ser cobrado pela Fazenda para pagar o tributo, não poder repetir esse tributo, quando pago indevidamente, mas poder “autorizar” o contribuinte a pleitear essa restituição. Cf. NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 235.
[37] Equivalentes, pelo menos, no que tange à sua influência sobre os preços e ao “repasse” ou à “traslação” do ônus a eles correspondente aos consumidores finais dos produtos ou serviços por eles onerados
[38] Confira-se, a propósito: HUBEAU, F. “La répétition de l’indu en droit communautaire”. Revue Trimestrielle de Droit Européen. Anne 17, n° 3. 1981, p. 450; PIGNATELLI, José Miguel Martínez-Carrasco. “La devolución de lo indebido tributario en el derecho de la Comunidad Europea”. Disponível em http://ddd.uab.es/record/38056?ln=ca, último acesso em 5.11.2012.
[39] Trata-se de imposto semelhante, em linhas gerais, ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) brasileiro.
[40] Cf. CAPRILLES, Theo. On why EU stand on the passing on defence equates to enriching the unjust. Disponível em http://lup.lub.lu.se/luur/download?func=downloadFile&recordOId=2006260&fileOId=2006296, acesso em 13/7/2012, p. 10-11;
[41] Em sentido semelhante, confira-se o C-61/79, julgado um pouco depois do caso Hans Just, no qual a CJE igualmente aceitou o uso da passing-on defense e reconheceu que o pagamento da restituição não configuraria subsídio ou ajuda estatal ao contribuinte, vedada no âmbito comunitário (state aid).
[42] A expressão, e o seu uso para designar o caso Hans Just, é de CAPRILLES, Theo. On why EU stand on the passing on defence equates to enriching the unjust. Disponível em http://lup.lub.lu.se/luur/download?func=downloadFile&recordOId=2006260&fileOId=2006296, acesso em 13/7/2012, p. 10.
[43] Aliás, praticamente não há separações nítidas na realidade, senão entre os números naturais e algumas outras figuras existentes apenas no plano abstrato, acessível pela mente humana, como as formas geométricas. Veja-se, a esse respeito: DEEMTER, Kees Van. Not exactly: In praise of vagueness. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 9.
[44] Veja-se EIJSDEN, Arjo van; DAM, Janco van. The impact of European Law on Domestic Procedural Tax Law: wrongfully Underestimated? EC TAX REVIEW 2010-5, 2010, Kluwer Law International BV, The Netherlands, p. 199-209.
[45] Case 199/82. Amministrazione delle Finanze dello Stato v SpA San Giorgio [1983] E.C.R. 3595, [1985] 2 C.M.L.R. 658. Como observa Takis Tridimas (TRIDIMAS, Takis. The general principles of EU Law. 2.ed. Oxford University Press, Oxford, 2006, p. 438-439), a Corte Europeia de Justiça adotou uma postura não intervencionista no caso Hans Just, vendo-se, posteriormente, forçada a apontar diretrizes mais explícitas – e induvidosamente limitadoras do uso da passing on defense – em casos posteriores. Depois de repetir o precedente em que aceitara a passing on defense, “It stated, however that any requirement of proof which made virtually impossible or excessively difficult to obtain repayment was incompatible with Community law.” (p. 439) Antes mesmo do célebre San Giorgio, a CJE já vinha sinalizando no sentido de que a autonomia doméstica, referente a aspectos processuais, juros, procedimentos etc., autorizaria a invocação da passing-on defense, mas não poderia ser feita de maneira discriminatória em relação aos produtos nacionais e aos estrangeiros, e não poderia dificultar a aplicação do direito comunitário. Foi o que se consignou, por exemplo, no C-130/79 e no C-826/79.
[46] Daí por que a CJE consignou, no já mencionado San Giorgio, que “In a market economy based on freedom of competition, the question whether, and if so to what extent, a fiscal charge imposed on an importer has actually been passed on in subsequent transactions involves a degree of uncertainty for which the person obliged to pay a charge contrary to Community law cannot be systematically held responsible.” (§ 15)
[47] É o que se acha explicitado, no Código de Processo Civil (CPC) brasileiro, no art. 333, II. Esse aspecto, aliás, já havia sido percebido, com muita agudeza, por Tarcísio Neviani. Confira-se, a propósito: NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 150.
[48] Entre os estudiosos do assunto no Brasil, Tarcísio Neviani já havia se atentado para esse aspecto, destacando que “o imposto indevidamente pago simplesmente reduz o lucro do contribuinte, que deixa de realizá-lo na medida do montante do tributo que paga. E assim porque, não pagasse ele o tributo, acabaria ficando com maior número de unidades monetárias no seu patrimônio, ou se, em razão de inexistir o tributo, ele reduzisse o preço de bens ou serviços, muito provavelmente ganharia maior competitividade em seu mercado.” NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 68.
[49] Inteiro teor disponível em http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=94258&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=271905 , último acesso em 3/11/2012.
[50] Cf., v.g., C-30/2002; C-473/2000; C-441/98; C-442/98; C-104/86.
[51] Julgando o C-386/87, por exemplo, a Corte entendeu que o Estado-membro pode fixar um prazo prescricional improrrogável para o exercício da pretensão à restituição, desde que este não seja tão curto a ponto de inviabilizar a própria restituição. Considerou-se, na ocasião, que não inviabilizaria a restituição um prazo de 3 (três) anos. Já no caso C-240/87, a Corte reputou inválida uma alteração na forma de contagem do prazo para postular a restituição, levada a efeito pela França de forma retroativa justamente para impedir os contribuintes a postularem essa restituição.
[52] Confira-se, a esse respeito, LANG, Michael. Die landesabgabenrechtlichen Rückzahlungs-perren im Lichte des Getränkesteuer-Urteils des EuGH vom 2.10.2002, C-147/01. In: ÖStZ 1. November 2003/Nr. 21/Art.-Nr. 976, p. 462 e ss.
[53] C-147/2001, item 99.
[54] C-147/2001, item 29.
[55] C-147/2001, item 38.
[56] C-35/2005, item 37.
[57] C-35/2005, item 42.
[58] Danfoss A/S, Sauer-Danfoss ApS x Skatteministeriet – Case C-94/2010.
[59] Para uma análise dessa incoerência – mas ainda sem as referências ao posicionamento da CJE ou ao Direito Europeu feitas neste artigo – veja-se: MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições. São Paulo: Malheiros, 2011, passim.
[60] Nesse sentido, confira-se: GONÇALVES, José Artur Lima; MARQUES, Márcio Severo. Repetição do indébito e compensação no direito tributário. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Repetição do indébito e compensação no direito tributário. São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 1999, p. 207 e ss; NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 191; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições. São Paulo: Malheiros, 2011, conclusão 11.4.
[61] STJ, 2.T., REsp 608.252/RS, Rel. Min. Castro Meira, j. em 7/3/2006, DJ de 20/3/2006, p. 235.
[62] A respeito do uso do argumento pelo fisco australiano e pelo Reino Unido, e uma crítica contundente a isso (fundada em argumentos semelhantes a alguns dos mencionados aqui), confira-se: BHANDARI, Monica. “Recovery of overpaid VAT and GST and the ‘Passing On’ defence” [2005] Australian Tax Review 229- 246; RUSH, Michael. The defence of passing on. Oxford: Hart Publishing, 2006, passim. Relativamente a Israel (também em análise comparada com a jurisprudência da CJE e da Suprema Corte canadense), veja-se: NUSSIM, Jacob. The Recovery of Unlawful Taxes, 28 Va. Tax. Rev. 893 (2009), disponível on-line em http://www.thefreelibrary.com/The+recovery+of+unlawful+taxes.-a0215788175, último acesso em 2/10/2012.
[63] Kingstreet Investments Ltd. v. New Brunswick (Finance), [2007] 1 S.C.R. 3, 2007 SCC 1.
[64] OJHA, P. D.; LENT, George E. Sales Taxes in Countries of the Far East (Les taxes sur le chiffre d’affaires dans les paysd’Extrême-Orient) (Los impuestos sobre las ventas en países del Lejano Oriente). Staff Papers – International Monetary Fund. Palgrave Macmillan Journals,Vol. 16, No. 3 (Nov., 1969), pp. 529-581. Disponível on-line em http://www.jstor.org/stable/3866284, último acesso em 17/07/2012, p. 532.
[65] GANDHI, I. Ved. P.; MEHTA, B. V.; LALL, V. D. Shifting of Tax by Companies: Comments. Economic and Political Weekly, Vol. 2, No. 24 (Jun. 17, 1967), pp. 1089-1093; p. 1095-1097; Disponível on-line em http://www.jstor.org/stable/4358066, último acesso em 17/07/2012, p. 1096.
[66] BODENHORN, Diran. The Shifting of the Corporation Income Tax in a Growing Economy. The Quarterly Journal of Economics, Oxford University Press, Vol. 70, No. 4 (Nov., 1956), pp. 563-580, disponível on-line em http://www.jstor.org/stable/1881865, ultimo acesso em 17/07/2012, p. 564; NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 66-67;
[67] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições. São Paulo: Malheiros, 2011, item 2.7.
[68] NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 148-149.
[69] CAPRILLES, Theo. On why EU stand on the passing on defence equates to enriching the unjust. Disponível em http://lup.lub.lu.se/luur/download?func=downloadFile&recordOId=2006260&fileOId=2006296, acesso em 13/7/2012, p. 24.
[70] NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 68.
[71] NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 155.
[72] TERRA, Ben. Sales Taxation – The Case of Value Added Tax in the European Community. Boston: Kluew Law and Taxation Publishers, 1988, p. 12.
[73] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições. São Paulo: Malheiros, 2011, itens 3.24. e 10.38 a 10.44.
[74] “…o tributo pago pelo sujeito passivo da obrigação tributária, quando tem o seu valor por este incluído entre os seus custos operacionais, deixa de ser tributo, que se extingue ontologicamente com o seu pagamento ao erário, para tornar-se apenas um custo destinado a ser eventualmente coberto pelo preço pago pelo adquirente dos bens ou serviços.” NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 122.
[75] Kingstreet Investments Ltd. v. New Brunswick (Finance), [2007] 1 S.C.R. 3, 2007 SCC 1.
[76] NEVIANI, Tarcísio. A Restituição de Tributos Indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo: Resenha Tributária, 1983, p. 111-117.
[77] TERRA, Ben. Sales Taxation – The Case of Value Added Tax in the European Community. Boston: Kluew Law and Taxation Publishers, 1988, p. 12.
[78] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições. São Paulo: Malheiros, 2011, itens 7.28 a 7.33 e 10.35.

por Hugo de Brito Machado Segundo - Doutor em Direito Constitucional. Mestre em Direito. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFC. Coordenador de Grupo de Pesquisas junto à Faculdade de Direito da UFC.

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