O grande recurso da contabilidade, que encantou e intrigou gerações, foi o método das partidas dobradas. Entender o sentido de débito e crédito, apesar de não ser complexo, ainda provoca os iniciantes.
Ativo, passivo, patrimônio líquido é coisa para contadores, dizem muitos profissionais experientes. Algumas contas a mais aqui, outras ali, e assim, seguindo um modelo sem grandes alterações, as apurações de resultados tem sido efetuadas por décadas.
Seria simples se não tivéssemos a tecnologia gerando novos desafios. É verdade que esta facilitou muito a vida dos profissionais, com computadores rápidos, potentes e softwares poderosos. Em termos de avanços, vai longe o tempo em que o livro diário era preparado com folhas de gelatina copiativa, fitas copiativas roxa e papel carbono.
A questão se complica quando passamos a falar em custos. Tratemos de alguns conceitos, sem nos aprofundarmos em aspectos legais e específicos, apenas para raciocínio.
Para gerar recursos para reposição dos equipamentos usados na produção, com vida útil estimada em dez anos, aloca-se parcela proporcional a esse tempo aos custos dos produtos. O foco é o desgaste e obsolescência, mas estamos preparados para aceitar a velocidade dos fatos nos registros contábeis?
No passado, totalmente mecânicos, as mudanças não provocavam grandes impactos em curtos espaços de tempo, mas e hoje? Com o avanço tecnológico, um equipamento, em totais condições de produção, já está superado em seu segundo ano vida. E o que dizer dos estoques? Para muitos produtos, eles sequer existem! No futuro será ainda mais complexo.
Quando queríamos ouvir músicas, íamos á loja de discos. Comprávamos um vinil, uma fita cassete e depois um CD, e agora? Pagamos pelos direitos de baixá-las por meio eletrônico? E assim são os filmes, os softwares, e tudo mais em que o meio físico possa ser evitado.
Como contabilizar esse estoque para cálculo dos custos dos produtos vendidos na apuração de resultados? Uma parcela significativa dos valores que compõem os gastos, que serão chamados custos, não tem estrutura física.
Um navio, um avião, plataformas para exploração de petróleo, indústrias químicas chegam a ter, cada vez mais, valores intangíveis do que tangíveis. Grande parte destes é derivado de P & D (pesquisa e desenvolvimento).
Uma roupa pode ter o seu valor superando dez vezes o seu custo de fabricação em função da marca, fato que não ocorreria se não tivesse esse reconhecimento público.
Uma empresa de consultoria, advocacia, publicidade e propaganda, uma banda de rock, quando apurado seu valor, a parcela de seu ativo fixo será ínfima. "A mais valia" se refere ao capital humano que a comanda!
Você já parou para pensar como contabilizar uma idéia? Isso já está acontecendo, afinal posso adquirir "intenção de futuro".
Considere um cientista que não é funcionário da sua empresa, em um laboratório que não lhes pertence, desenvolvendo um projeto, especulando, e seus gestores se encantam e resolvem não só bancar os trabalhos, como pagar uma importância por ele, correndo o risco. Se der certo excelente, caso não, dinheiro perdido.
Um caso, não. Multiplique isso por dezenas ou centenas de projetos. Os resultados poderão ser usados na empresa, como vendidos a interessados. O negócio da empresa é compra e venda de idéias, "intenções de futuro".
Como contabilizar esses fatos, controlar esse estoque e alocar como custos? A subjetividade na atribuição de valor a uma idéia, como produto para venda, tanto para estabelecimento de preço, como alocação de custos, complica extremamente a apuração do lucro, para fins gerenciais e também para fins legais.
É verdade que alguma coisa nesse sentido já é desenvolvida hoje, mas com regras que não permitem avaliação segura. A desmaterialização nas transações levará inevitavelmente à profundas mudanças nas formas de contabilização e raciocínio contábil.
Ivan Postigo, articulista, escritor e palestrante / artigo publicado no administradores.com.br
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