quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Estados e municípios podem tributar os bens repatriados/regularizados?

Apesar de estarmos muito próximo ao encerramento do prazo original para a adesão ao chamado Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), instituído pela Lei 13.254/2016, muitos pontos relativos ao regime ainda permanecem nebulosos. Até o momento, as principais dúvidas e debates estão, quase que exclusivamente, na questão de saber qual o saldo a ser declarado: se o da “foto” em 31/12/2014 ou o do “filme” das condutas delitivas. Além disso, restam pendentes de definição clara o prazo de retroação, bem como a tributação ou não de saldos inexistentes na data base imposta na legislação de regência.

Pouca atenção, porém, tem sido dada às consequências possíveis da adesão ou não ao RERCT no âmbito dos estados, municípios e Distrito Federal. Recentemente, a Folha de São Paulo[1] noticiou em seu site que estados “avaliam cobrar impostos sobre bens e recursos repatriados” no contexto do RERCT, pois entendem que a remissão e anistia tributárias conferidas pela legislação federal a eles não se aplicam; entendimento esse corroborado por especialistas ouvidos pelo jornal e que, de fato, é sustentável do ponto de vista teórico-constitucional. Contudo, tal pretensão não é simples de se concretizar na prática e, por isso, pode não ser eficaz do ponto de vista arrecadatório.

Para além das questões de limitações constitucionais e legais ao exercício da competência exacional desses entes (como a exigência de lei complementar para incidir o ITCMD nas transmissões de imóveis efetuadas por não residentes a residente, ou as discussões quanto à exportação de ISS e de ICMS), haverá dificuldade flagrante na obtenção de prova válida a sustentar uma eventual autuação pelas fazendas municipais, estaduais e/ou distritais. Explica-se.

Nos termos do artigo 4º, caput, da Lei 13.254/2016, a adesão ao RERCT se dá por meio de entrega de declaração na qual o contribuinte deverá identificar os bens e valores existentes ou consumidos até 31/12/2014 e individualizar as condutas delituosas praticadas – trata-se da chamada Declaração de Regularização Cambial e Tributária (DERCAT). Ato contínuo, deverá retificar as declarações prestadas à Receita Federal no ano de 2014, para nelas fazer constar os bens e valores incluídos no programa de regularização. Ou seja, se pessoa física, deverá retificar a DIRPF descrevendo os ativos regularizados e indicando sua origem, e se pessoa jurídica, retificar as informações contábeis transmitidas pela empresa através do SPED.

É verdade que as administrações municipais e estaduais, através de vários convênios e protocolos de cooperação firmados junto à Receita Federal possuem acesso as informações econômicas declaradas pelos sujeitos passivos ao órgão arrecadador federal, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. Contudo, cumpre esclarecer que esses acordos de cooperação mútua encontram base legal no artigo 199 do CTN, que exige a disciplina legal para que tais trocas possam ocorrer de forma válida. No caso do RERCT, a Lei 13.254/2016 é clara não só em vedar que as informações da DERCAT não possam ser utilizadas como único elemento de prova para fins de constituição de crédito tributário (artigo 4º, § 12, I), como, também, em proibir, expressamente, que não só a DERCAT, como todas as informações declaradas pelo contribuinte sobre seus ativos regularizados no âmbito do programa sejam compartilhadas com estados e municípios, inclusive para fins de lançamento tributário (artigo 7º, § 2º)[2]. Esclareça-se que tal vedação alberga inclusive os casos de exclusão do programa, hipótese na qual não há exceção à vedação de compartilhamento de informação. Some-se a isso a limitação prevista no artigo 9º, § 2º, da Lei 13.254/2016 no sentido de que a DERCAT e o seu conteúdo sejam base exclusiva para a exigência dos créditos tributários remidos. Tais óbices tornarão a atuação dos entes subnacionais complexa e, por conseguinte, custosa.

De outra ponta, contudo, para aqueles contribuintes que não aderirem ao RERCT e cujos bens e valores mantidos no exterior venham a ser descobertos pela Receita Federal através dos programas de troca internacional de informações[3], a depender do texto do acordo internacional e da sua interpretação, bem como da situação fática posta, poderá não haver óbice legal a impedir que estados e municípios valham-se dessas informações. Em tese, poderá haver compartilhamento pelo órgão federal, e a partir disso, a exigência dos tributos que lhe são de direito, acrescidos, inclusive, das penalidades legais previstas – respeitadas, naturalmente, as limitações constitucionais e legais para tanto.

Cumpre lembrar, por fim, que 49% do total da arrecadação do imposto previsto no RERCT (excluindo-se a parcela da multa) será dividia com os estados e municípios, através dos Fundos de Participações respectivos. Há (ou deveria haver), portanto, um interesse direto desses entes subnacionais em que o RERCT fosse um sucesso de adesões e, por conseguinte, de arrecadações. Contudo, tal desiderato somente será cumprido a contento se as administrações tributárias dos três níveis da federação (i) contribuírem para que a certeza e a segurança jurídica – consubstanciada pela não-surpresa do contribuinte aderente – imperem no ambiente de adesão a esse regime de regularização e (ii) deixem claro que o alvo da tributação serão aqueles contribuintes que, apesar da oportunidade a eles conferidas, optaram por se manter omissos.

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[1] Cf. < http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1818240-estados-avaliam-cobrar-impostos-sobre-bens-e-recursos-repatriados.shtml> Acesso em 30/09/2016.
[2] Nesse sentido: TOMÉ, Fabiana del Padre; BRITO, Lucas Galvão de. Exclusão e não adesão ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária. In: PAULA JÚNIOR, Aldo de; SLUSSE, Eduardo Perez; ESTELLITA, Heloisa. Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT): aspectos práticos. São Paulo: Noeses, 2016. p.164-165.
[3] Para se ter uma ideia, a RFB, através do FATCA (acorod de troca de informações bancárias com o governo americano) já identificou que ao menos 638 brasileiros possuem contas bancárias relevantes nos Estados Unidos e que não foram declarados ao fisco nacional que apenas aguarda o término do RERCT para proceder às autuações. Cf. estudo disponível em: < http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/auditoria-fiscal/resultado-da-fiscalizacao-ate-ago16-e-operacoes-de-combate-a-fraudes-e-evasao-com-manutencao-de-recursos-no-ext.pdf>

Por Carlos Eduardo Gasperin
advogado no Casillo Advogados, aluno do programa de mestrado profissional da FGV Direito e membro do Núcleo de Direito Tributário Aplicado da mesma instituição

Fonte: Jota

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