O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou na semana passada acórdão de um julgamento sobre recuperação judicial considerado inédito por especialistas. Os ministros entenderam que cláusula de plano que obriga credores a abrir mão de garantias reais e fidejussórias deve ser aplicada mesmo àqueles que não compareceram à assembleia-geral. A decisão é da 3ª Turma.
A decisão foi dada em processo envolvendo a distribuidora de produtos alimentícios Dibox. Na assembleia, sete dos dez credores aprovaram a supressão das garantias para dar condições de a empresa se recuperar. Os outros três alegaram que não participaram da reunião e, por isso, não poderiam ter suas garantias desconstituídas.
A garantia real recai sobre imóvel ou safra, por exemplo. Assim, se o devedor não pagar, o bem responderá pela dívida. Já as fidejussórias são prestadas por um terceiro, e não pelo devedor, como nos casos de aval e de fiança.
Em primeira e segunda instâncias, as decisões foram favoráveis ao pedido dos credores que não participaram da assembleia. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT) considerou que no caso de alienação de bem que é objeto de garantia real, a liberação dessa garantia ou sua substituição só poderiam ser admitidas se houvesse autorização expressa do credor.
A decisão, porém, foi reformada pela 3ª Turma do STJ, por maioria de votos. Prevaleceu entendimento do relator, Marco Aurélio Bellizze. Para ele, se em assembleia os credores consideraram necessário para o plano de recuperação judicial suprimir as garantias dadas não há como submeter o inconformismo da minoria que saiu vencida ou não votou à maioria – que está disposta a suportar sacrifícios.
A Lei de Recuperação Judicial prevê, no artigo 50, que na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão ou substituição da garantia só podem ser admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da garantia. Porém, no voto, Bellizze destacou previsão do artigo 49, parágrafo 2º, de que as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, "salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial."
Para o relator, ainda que o credor tenha optado por não comparecer à assembleia ou se posicionado contra a aprovação do plano, está subordinado a ele. "Compreensão diversa, por óbvio, teria o condão de inviabilizar a consecução do plano, o que refoge dos propósitos do instituto da recuperação judicial", afirma no acórdão.
De acordo com o voto do relator, caso não se implemente o plano de recuperação, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originariamente contratadas.
Já o ministro João Otávio de Noronha votou em sentido contrário. De acordo com ele, a premissa aprovada no plano de recuperação judicial de suspensão das garantias dos credores ausentes contraria a legislação e a jurisprudência. O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva não participou do julgamento porque estava impedido.
Para o advogado José Roberto Assad, do Luchesi Advogados, a decisão mostra uma "perigosa relativização" do artigo 50 da Lei nº 11.101, de 2005. A decisão, acrescenta o especialista, implica insegurança para os credores.
Julio Mandel, do Mandel Advocacia, entende, porém, que se o plano foi aprovado, ocorreu a novação da dívida e a empresa está em dia, o uso das garantias liberadas é medida essencial para que o plano seja efetivo. "Nada mais correto que a liberação, pois o objetivo dela é justamente gerar recursos e pagar os credores", afirma.
De acordo com o advogado, já há caso parecido julgado pelo STJ, mas a decisão é inédita pelo seu detalhamento. Mandel faz a ressalva de que o dinheiro da garantia deverá ser destinado ao pagamento de credores e não ao devedor.
Procurados pelo Valor, os advogados dos credores não retornaram até o fechamento da edição.
Por Beatriz Olivon | De Brasília
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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